Para o La Vanguardia, Björk falou sobre a chegada da Utopia Tour em Barcelona, no próximo dia 31/05:
- Duas visitas a Barcelona em menos de um ano. Temos que nos sentir privilegiados?
São duas visitas muito diferentes: a do ano passado foi, por assim dizer, uma visita para ensinar (com a exposição Björk Digital), e a de agora é sobre cantar e criar música. Esta é uma turnê preparada meticulosamente na qual estou acompanhada por vários músicos no palco. Nós criamos um repertório de cerca de quarenta músicas, e todas as manhãs dos dias em que vamos tocar eu decido o que vou cantar.
- E se o público pedir que você toque um clássico da sua discografia? Você costuma prestar atenção nisso?
A verdade é que eu geralmente não percebo essas coisas, e também, neste tipo de turnê, as coisas tendem a serem bem planejadas.
- Você é uma pessoa metódica ao desenvolver seus projetos?
No caso de "Utopia", foi um processo criativo sem exatamente um conceito do que eu estava procurando, foi algo sobre otimismo e 'luminosidade' mesmo (em contraste ao disco anterior). Eu trabalhei intensamente neste álbum por dois anos e meio. No início, passei meses ligando, como gosto de dizer, 'insumos emocionais', procurando elementos que somados começassem a ter um significado. Esse processo lento, mas frutífero, no qual dificuldades técnicas são combinadas com pequenas ou grandes realizações musicais. Não sei fui metódica, mas perseverei muito de um modo que possa até ser considerado obsessivo. Olhe, na produção deste trabalho a maior parte do tempo, de longe, eu gastei na frente do meu laptop editando música após música. Antes de compor, conversei com os músicos, com os editores, com os produtores; em seguida, organizei tudo, gravando, mixando e, no final, editando o resultado final. E é aí que eu poderia me ver polindo cada problema por semanas, sozinha, sentada com o meu computador. Foi intenso, mas reconfortante.
- E o Arca, com quem você colaborou mais uma vez, também se apresentará no Primavera Sound!
Sim, e com um dos seus shows fascinantes. Eu não poderia dizer exatamente por que nos conectamos tão bem, mas o fato é que concordamos quando se trata de adivinhar e entender o que cada um de nós sugere. Em "Utopia", seu papel foi fundamental. No "Vulnicura", ele apareceu quando o processo inteiro já estava se finalizando e já tinha ideias muito claras do que eu queria, por assim dizer. Mas a colaboração foi boa, excelente, porque suas ideias são brilhantes. Já no novo disco, no entanto, foi um bom começo, e seu papel foi de igual para igual no planejamento artístico.
- Por exemplo...
Nós conversamos, recuperamos elementos sonoros que tínhamos gostado bastante em "Vulnicura", trocamos e-mails sobre isso e construímos instrumentais com referências em melodias tocadas com flautas da América do Sul e harmonias vocais, , e cada um dos dois manipulou tudo isso em estúdio.
- Precisamente, o som das flautas é talvez o elemento mais marcante em "Utopia". Por que essa ênfase?
É uma das coisas que surgiram nesse processo criativo muito longo. Chegou um momento em que vi que o que eu queria transmitir sonoramente era algo leve, aconchegante, fofo, como uma casa onde você se sente à vontade, com um vago sentimento familiar. E entre uma coisa e outra acabei fazendo arranjos de flauta ao longo do álbum, além de também tocar nas canções e ter um grupo de de flautistas. A flauta é um instrumento que me leva de volta à minha infância, e seu som limpo, é, para mim, sinônimo de ingenuidade e inocência, me faz viajar para esse estágio da minha vida. Além de seu som em si ser de extrema beleza. É como o ar, o ar de viajar através dos instrumentos de sopro, junto do canto dos pássaros que gravamos para o álbum. Ou da minha própria voz, que em alguns momentos soa mais como um instrumento sonoro e em outros de forma mais convencional.
- O seu novo trabalho é mais positivo? Você chegou a dizer que este é um álbum que lida com o amor em todos os aspectos.
Estas são coisas que se enxerga depois. É uma das coisas mais fascinantes do meu ofício. Fascinante ou dramático, dependendo de como você olha, porque quando você está preparando algo, você não está vendo o que está se tornando, você está apenas fazendo. A mesma coisa acontece com as músicas, que durante a concepção não se tem ideia da transcendência que elas podem ter. Uma vez que uma canção surge, e depois outra e depois outra, no final você vê que você pode fazer um álbum. E então você percebe que elas fazem um todo temático ou conceitual, ou não.
- É um processo ou uma tarefa que pode ser angustiante, certo?
Eu não vejo desse jeito. Para mim, uma das maiores coisas, a maior certamente, sobre a música é seguir seus instintos em liberdade. Minha carreira sempre foi guiada por isso. Sempre fiz o que eu queria, mesmo que não parecesse algo lógico.
- Quando você fala de uma utopia, é com certo significado político?
Embora eu seja islandesa, passo longos períodos em Nova York e querendo ou não vejo o que acontece por lá. Quando Trump foi eleito, percebi o quanto todos estavam preocupados e pessimistas, e isso com pessoas no meu trabalho e também no ambiente pessoal. De alguma forma eu amadureci a ideia de que o que eu fazia tinha que transmitir algum otimismo como uma arma e como uma opção real. Não bastava apenas lamentar ou reclamar, era necessário passar para fatos concretos. E eu tenho esperança, claro. (...) E estou me referindo a um desastre ecológico que está aqui, que vemos todos os dias na forma do desaparecimento das florestas, da necessidade urgente de limpar os oceanos. Essa ideia de uma ilha no tema do álbum onde as plantas têm voz, onde os pássaros dão vida a uma floresta em constante mutação, é algo que se reflete na mudança entre os sons dessas músicas.
- O que você acha de iniciativas como o #MeToo?
É algo necessário! No mundo da indústria cinematográfica, é um fenômeno muito difundido, mas no campo musical tive a sorte de decidir desde muito jovem. E eu acho que agora há uma geração de mulheres muito bem treinadas no mundo da indústria da música que estão assumindo um papel de liderança imparável. E isso é algo totalmente justo, porque a ideia é que esses setores reflitam a realidade de que o sexo feminino é a maioria no planeta.