Vespertine está completando 20 anos! Para celebrar essa ocasião tão especial, preparamos uma super matéria. Confira detalhes de todas as canções e vídeos de um dos álbuns mais impressionantes da carreira de Björk! Coloque o disco para tocar em sua plataforma digital favorita, e embarque conosco nessa viagem.
Foto: Inez & Vinoodh.
Premissa:
"Muitas pessoas têm medo de serem abandonadas, têm medo da solidão, entram em depressão, parecem se sentir fortes apenas quando estão inseridas em grupos, mas comigo não funciona assim. A felicidade pode estar em todas as situações, a solidão pode me fazer feliz. Esse álbum é uma maneira de mostrar isso. "Hibernação" foi uma palavra que me ajudou muito durante a criação. Relacionei isso com aquela sensação de algo interno e o som dos cristais no inverno. Eu queria que o álbum soasse dessa maneira.
Depois de ficar obcecada com a realidade e a escuridão da vida, de repente parei para pensar que inventar uma espécie de paraíso, um universo próprio, não é necessariamente uma coisa ruim. Sempre enxergava essa situação como uma forma de escapismo. Para mim, é como um álbum de inverno, diferente de Homogenic que era um deserto escaldante. Desta vez, eu queria ter certeza de que o cenário das músicas não é o de uma montanha, uma cidade ou qualquer lugar externo".
Foto: Reprodução.
"Sempre desejei ter canções igualmente tranquilas e emocionantes. Acho que a diferença, é que nesse disco tentei separar meu lado extrovertido do introvertido, calmo e tímido. Não necessariamente porque me sentia assim, mas porque seria uma experiência de como definir o meu som. Espero crescer e amadurecer ainda mais. Se eu tiver sorte, tenho 50 anos restantes e pretendo usá-los".
Na época, Björk respondeu se em algum momento já se sentiu perdida em seu trabalho, ou como se essa parte de sua vida tivesse se tornado maior do que ela é como pessoa: "Às vezes, me sinto assim, mas geralmente comemoro. É uma sensação maravilhosa!".
Domestika:
"Esse nome se refere a uma "ilha" na qual estive quando fiz esse trabalho. Uma ilha mental, muito flexível e portátil (risos). Um laptop. Graças a essa ferramenta, pude escrever tudo sozinha e não precisei da ajuda de pessoas que não conheço. Não é incrível? Sinto que foi um grande desafio para a minha individualidade".
Foto: Inez & Vinoodh.
"Eu também já estava entediada ao ver que outros músicos pensavam que o Napster era algo do diabo, que deixaria a qualidade da música ruim. Claro que não! Limitações como essa sempre foram um estímulo para pessoas criativas. Cem anos atrás ou algo assim, as pessoas diziam que a orquestra soava péssima no rádio. Mas com tempo, elas aprenderam mais sobre isso, aperfeiçoaram. O fato de que agora existem esses pequenos alto-falantes no computador... Isso é emocionante, sabe? Às vezes, quanto mais limitações, mais inspiradora uma situação se torna.
De certa forma, a primeira música do Vespertine foi All Is Full of Love [a última faixa do Homogenic]. Quando escrevi essa canção, para mim foi como uma espécie de nova página na minha vida. A partir dali, eu vi em que lugar eu queria chegar no próximo capítulo.
O título Domestika era sobre criar um paraíso em nossa própria casa, um estado de êxtase quase que silencioso, no qual somos autossuficientes e não precisamos de estímulos do mundo exterior. Comecei a gravar pequenos ruídos pela casa, como lápis, torradeiras, panelas, tentando me limitar a usar apenas coisas que eu tinha por lá. Quando ficou pronto, tudo sobre o álbum era doméstico. Então eu pensei: "Ok, adquiri isso em um sentido de áudio, mas não tenho que fazer o mesmo no título. Entendi que Vespertine talvez traria um aspecto mais poético e de "oração".
Além disso, como tudo foi feito no inverno na Islândia, quando temos pouca luz durante o dia, pareceu ser o certo. Eu queria enfatizar esse ângulo. Tudo nesse disco é como se estivesse congelado. Os sons, a harpa, o cisne, celestas, as caixinhas de música".
Foto: M/M (Paris).
Vespertine é um "paraíso pessoal" apresentado por Björk. Com uma vibe aconchegante, em muitos momentos é possível ter a impressão de que a islandesa está cantando baixinho do nosso lado. Em um ambiente intimista e acolhedor, os sons dessa obra nos fazem viajar para um outro mundo.
Shows:
Iniciada poucos dias antes do lançamento do álbum, a Vespertine Tour é um dos momentos mais lindos e aclamados da carreira de Björk. O show percorreu a Europa, América do Norte e Ásia em 34 concertos, entre agosto e dezembro de 2001:
"Não seria fácil capturar a energia desse disco em grandes casas de shows, e é por isso que procurei tocar em locais menores e mais íntimos. Tivemos que ser muito exigentes. Escolhemos aqueles com uma acústica excelente. Quando fizemos isso, foi fácil tocar essas músicas. Nós ensaiamos todas as faixas do álbum, bem como quase todas as minhas outras canções. Eu realmente gosto de ter cada show diferente".
Produção:
"Três anos antes, eu já sabia que tipo de álbum eu queria fazer. Geralmente começo com uma visão bastante precisa, e então eu meio que insiro uma "imagem" depois disso. Faço todos os beats, arranjos de harpa e cordas. Em seguida, convido especialistas em cada categoria para dar um passo adiante. Por exemplo, o condutor de uma orquestra que viria e acrescentaria algumas coisas aos meus arranjos. Esses colaboradores adicionam cerca de 10 a 20% de seus próprios sons.
Eu fiz 80% do Vespertine sozinha. Demorei três anos para trabalhar naquele álbum, porque era tudo repleto de microbeats. Foi como fazer um bordado enorme. Matmos veio nas últimas duas semanas e contribuiu com elementos no topo das músicas, mas eles não fizeram nenhuma das partes principais, e são creditados em todos os lugares por terem feito o álbum inteiro. O Drew Daniel, que fez parte desse projeto e é um amigo próximo meu, corrigiu essa informação em cada entrevista que deu. No entanto, a mídia nem mesmo parece que o escutam dizer isso".
"Quando Vespertine ficou pronto, escrevi um manifesto no qual descrevo o personagem fictício dessa história. Enviei esse mesmo arquivo para todos os diretores com quem trabalhei nos vídeos. Além disso, um ponto em comum entre eles era que estavam fazendo seus primeiros clipes, embora tivessem muita experiência em outros campos. Colaborei bastante com eles.
Os três videoclipes são muito internos. Coisas costuradas na pele, ou que inicialmente eram da personagem, como fluidos corporais, entrando e saindo. É como uma pessoa se comunicando com o mundo de uma forma muito íntima e pessoal. Ou talvez algo externo que nos afeta tanto, que nos apaixonamos por isso e tudo floresce fora da gente. Então, sim, acho que havia um certo tema entre esses clipes".
Foto: Inez & Vinoodh; M/M (Paris); Nick Knight; Eiko Ishioka; Rafael Esquer.
As canções:
Hidden Place: "Acredito que essa música se trata de uma história sobre como duas pessoas podem criar um paraíso apenas se unindo, a partir de uma localização emocional que é mútua e inquebrável. Obviamente, é um "faz de conta". Você pode argumentar que é um lugar que não existe já que é invisível, mas é claro que também pode acreditar nele e torná-lo forte, assim acaba se tornando real. Eu acho que isso é algo que, de certa forma o espírito humano adquire ao conquistar a apatia e o tédio durante a vida. Eu tinha várias batidas para Hidden Place, mas ainda não era o suficiente".
A ideia para o videoclipe de Hidden Place (direção: M/M Paris, Inez & Vinoodh), foi aproveitada de um outro projeto de Björk. Todo o conceito da obra era para ter sido usado em uma super produção audiovisual para I've Seen It All, que acabou sendo cancelada por questões de direitos autorais com os organizadores do filme "Dançando no Escuro". Depois do ocorrido, a islandesa decidiu usar a história original no vídeo de seu próximo single, já que estava em um estágio avançado nas composições do novo disco.
"Isso foi logo depois de Volumen, e Björk sabia que nunca havíamos feito um vídeo em nossas vidas. Ela ficava tipo: "Sabe de uma coisa? Essa é minha música mais especial. E eu sei que vocês podem visualizar exatamente o que ela é". É incrível trabalhar com ela, pois é uma pessoa tão confiável, generosa e completamente aberta. Para nós, participar desse trabalho foi um momento muito comovente. Nós sempre quisemos chegar tão perto dela quanto podíamos, já que todos sentíamos que ela nunca tinha sido retratada como a mulher real e bonita que ela é. A ideia do líquido em seu rosto funciona como uma visualização de todas as emoções possíveis, pulsando e circulando em seu cérebro sempre muito ocupado" - Inez & Vinoodh.
Cocoon: Em 1999, enquanto trabalhava em "Dançando no Escuro" na Dinamarca, Björk já produzia o que viria a ser Vespertine. Em um momento de folga em uma praia, a artista olhava para o oceano enquanto ouvia a música do produtor Thomas Knak (Opiate), um disco que havia comprado no Reino Unido. Quando ela soube que ele era de Copenhague, ligou imediatamente propondo que trabalhassem juntos em uma nova canção:
"Ela realmente não tinha nenhuma noção de tempo, e provavelmente não sabia que eu estava dormindo quando me ligou explicando sobre uma melodia que estava em sua cabeça". Ele gostou da ideia dada pela islandesa e começou a trabalhar no instrumental assim que desligou o telefone. "Quando nos vimos pessoalmente em minha casa, ela me disse que esse encontro lhe deu férias que a salvaram das gravações do filme".
O desejo de Björk era não precisar editar takes diferentes com várias gravações para Cocoon. Ela queria apenas um, que fosse perfeito, para dar a sensação ainda maior de que a música é íntima e pessoal, principalmente por causa da letra, que fala sobre fazer amor.
"Parte de mim queria ser sincera sobre o que realmente me motiva. Quero encontrar o coração dos livros que leio, dos filmes que vejo e/ou dos álbuns que escuto. Sou alguém muito emocional, não quero que ninguém saiba, quero manter as coisas para mim. A letra de Cocoon era um diário inteiro, então eu tive que editar 90% disso. É muito difícil de explicar, mas agora quando outras pessoas escutam não me sinto invadida ou qualquer outra coisa assim. Acho que tem canções que fiquei mais despreocupada com o que estava expressando. Tenho um problema com a Música quando é muito indulgente, tipo: "Mantenha sua própria roupa suja para você, por favor".
A batida dessa música foi feita em um sintetizador. E o bom disso é que estamos confrontando a ideia de que a tecnologia é algo frio e que é muito calculada, e blá, blá, blá. Então quando se usa a tecnologia em áreas nas quais o som parece estar com defeito, entramos em uma zona de mistério em que não se pode controlar nada. Daí é possível pegar uma faca, arranhar um CD, colocá-lo para tocar e tirar um som disso. Nunca se sabe o que vai rolar. A mesma coisa acontece com guitarristas. Quero dizer, 34 anos atrás, Jimi Hendrix ou Pete Townshend faziam todo aquele som distorcer, e os amplificadores desse instrumento não foram feitos para soarem assim, mas eles foram contra os idealizadores, o que é bem selvagem como a natureza, sabe. Um som cru. Acredito que seja possível encontrar isso em qualquer coisa se a gente apenas tiver vontade".
No videoclipe dirigido por Eiko Ishioka, Björk usa um macacão/bodysuit branco bem justo, que com a edição deu a impressão de que ela estava nua, até ser envolvida por um casulo.
It's Not Up to You: “Eu sempre achei a religião algo realmente desonesto, então tive que engolir muito do meu orgulho para fazer essa música. Definitivamente, é uma canção que não tem qualquer relação com ser religiosa, já que continuo tão 'antiautoridade' como sempre fui.
Todos os islandeses são amantes da natureza. Se temos problemas, como quando não podemos lidar com nosso trabalho ou relacionamentos, vamos dar um passeio em uma montanha, e daí na volta tudo parece estar bem. É a mesma coisa quando se é católico e a pessoa vai na Igreja. Eu adoro a Islândia, e sei que estarei lá nos meus 40, 60, 80 anos. É como o paraíso, mas eu sou o tipo de pessoa que precisa explorar o desconhecido para me sentir viva".
Undo: "Para Vespertine, minha intenção era fazer um tipo de música que fosse como uma espécie de corrente, com canções que parecem nunca parar. Sem um começo e sem um fim. Antes eu não queria fazer isso. Mas aí, percebi que é como uma reflexão do que acontece dentro de mim. É como se cada canção fosse um personagem que chegasse falando: "Olá, eu sou uma música, e eu sou assim". Em Homogenic, elas buscavam atenção, tipo: "Me escute quando eu estiver falando!". E depois quando acabava, uma saía batendo a porta e entrava a faixa seguinte: "Oi, sou eu". Eu estava lidando com o mundo exterior. Já Vespertine, é uma narrativa diferente. É o álbum em que não estou interessada pelo confronto, mas sim pela busca de um paraíso pessoal, escondido, que ninguém encontrará".
Em janeiro de 2000, após uma sessão em estúdio com Thomas Knak durante 10 dias na Islândia, Björk gravou seus vocais no topo da estrutura rítmica de 1% In 2/3 Speed, antiga faixa de um projeto dele chamado Opiate. "Quando ela ouviu aquilo, me perguntou se poderíamos retrabalhar a canção com algumas mudanças no andamento, estrutura, camadas e vocal". Meses depois, ela adicionou um coral completo e as cordas que conhecemos hoje:
"Não tivemos nenhum contato até agosto de 2000, quando ela me enviou uma versão quase finalizada do que se tornou Undo. Aquilo me surpreendeu completamente! Foi um grande passo. Bem longe de como soava. Gostei muito porque foi a primeira vez que tive a oportunidade de ver a minha música como uma plataforma para outra pessoa, que fez uso com um som tão gigante.
Nós nos divertimos muito juntos, conversando sobre música e coisas assim. Minha primeira impressão dela foi a mesma de muita gente: uma pessoa incrível e intensa. É muito fácil ter um relacionamento criativo com ela, porque não se perde tempo. Tudo o que dizemos, discutimos e pensamos é imediatamente levado em consideração e absorvido.
Björk sempre tem cem ideias de uma vez só, mas de repente consegue escolher uma, manter o foco e trabalhar até chegar a algo. Ela é alguém que sabe muito bem misturar o próprio mundo com o da pessoa com quem está colaborando, e não apenas pede para nos integrarmos ao seu universo.
Conhecia os meus limites e nunca me pediu mais do que eu poderia fazer. Poderia ter convidado milhares de outras pessoas, outros produtores que fariam um trabalho perfeito, mas ela deve ter pensado que eu tinha o que ela procurava em uma colaboração. Foi incrível trabalhar com alguém que pensava como eu. Aprendi muito com Björk, sobre música e sobre a vida em geral".
Pagan Poetry: "Eu sempre quis trabalhar com uma caixinha de música, mas estava esperando a ocasião certa, coletando material e essas coisas. Eu queria escrever minhas próprias músicas nela e no início, a empresa responsável não estava muito animada. Eles tinham feito alguns modelos em madeira, mas eu não queria daquela maneira. Desejava que o som fosse o mais "duro" possível, como se estivesse congelado. Eles ficavam tipo: "Por quê?". No final de tudo, admitiram que essa era a melhor coisa que já tinham feito".
Quanto ao videoclipe, o diretor Nick Knight queria retratar a islandesa como uma mulher em sua forma crua, feminina e sensual, mostrando o amor dela por um homem. "Em termos de ideias, tudo veio da Björk. Eu apenas facilitei", explicou em entrevista. As cenas do vestido foram filmadas em apenas 1 dia, em um estúdio em Londres. A única fonte de luz era a que brilhava através das janelas do teto do lugar, o que deu uma aparência que carregava uma crueza que combinava com o assunto da canção, segundo o diretor de fotografia Simon Chaudoir.
Björk teve apenas suas orelhas perfuradas, todo o resto foi feito em outra pessoa. Os takes "privados" foram capturados pela artista com uma mini câmera em um segundo momento. As imagens receberam aquele efeito na pós-produção. Cansado de videoclipes que mostravam cantores apenas olhando para a câmera e dublando, o diretor sugeriu que nossa amada fizesse isso apenas em determinadas partes da canção, como se aquele trecho em questão fosse uma revelação dela.
Não havia um roteiro específico, então sobrou espaço para muita improvisação.
Infelizmente, o vestido usado no vídeo, que foi desenvolvido por Alexander McQueen, foi vendido como parte de um leilão, organizado em junho de 2016. Segundo Björk, um fator decisivo na escolha de vender alguns de seus figurinos mais icônicos foi a percepção de que os outros vão ser mais capazes de preservá-los do que ela. Além disso, o dinheiro poderia se investido em novos projetos em sua carreira, como os vídeos em realidade virtual.
Frosti: O músico Jack Perron foi um dos colaboradores de Björk em Vespertine. Ele adaptou as melodias das faixas Pagan Poetry, Aurora e Frosti para a Porter Music Box Company. O mesmo aconteceu em uma versão ao vivo de Cocoon no Johnny Vaughan Show, no ano de 2002. Em muitas das análises do álbum, Frosti foi descrita como uma gravação na qual foram usadas várias caixinhas de música, que são enormes e capazes de reproduzir arranjos bastante elaborados. Na verdade, nessa canção tudo foi realizado utilizando apenas uma:
"Inicialmente, Björk contatou uma empresa fabricante de caixinhas de música. A equipe deles me enviou três partituras: Frosti, Pagan Poetry e Aurora. Quando conversei com ela por telefone, recebi uma visão muito definida da direção musical de Vespertine. Meu trabalho era fazer apenas adaptações. Eu sabia que a minha função era fazer o melhor sem estragar o que já estava pronto. Ela mesma havia escrito arranjos completos com caixinhas de música em mente. Sua música já era inventiva e linda daquela maneira que criou. Foi muito triste não poder gravar diretamente essa ideia nesse disco. Por exemplo, Frosti era muito mais longa do que na versão final. Originalmente, tinha uma parte cantada.
Essa adaptação a partir de um arranjo original, acontece porque os fabricantes do instrumento seguiam alguns padrões sonoros, bem conhecidos do público e facilmente identificáveis. É preciso reproduzi-los em um disco. O que acontece é que o disco só pode conter um minuto de música. Já tive que tomar algumas decisões drásticas sobre qual trecho de faixa usar em meus trabalhos. Às vezes, não há outra escolha a não ser remover uma nota ou encontrar uma nota alternativa, que não estrague o conceito musical que se tinha em mente.
Todas essas peças musicais de Björk tinham que ser acompanhadas por vocais, o que complicou minha tarefa. A transposição é um método muito útil quando se trabalha com os tons de uma caixinhas de música, porque a maioria dos "pentes" afinados do instrumento não são formados de um modo "cromático", pois as notas são distribuídas de uma maneira diferente, com algumas faltando, especialmente no lado do "baixo". As estruturas são ligadas diretamente por pinos em um cilindro giratório ou indiretamente por projeções através de um disco".
"No caso de Pagan Poetry e Cocoon, outra dificuldade era reproduzir linhas de baixo que eram importantes e muito presentes. Os discos são feitos de forma que as notas graves estão localizadas no centro, local em que há menos espaço. Por isso, não tem como colocar muitas notas ali. Além disso, a mesma nota não pode ser repetida imediatamente, já que o mecanismo não permite. Tudo isso contribui para atrapalhar a transposição para a caixinha de música.
Antigamente (não na época do Vespertine), quando não usávamos computadores, eu tinha uma espécie de manual feito à mão. Tudo nascia a partir dele, de uma grande lupa, um transferidor enorme e um piano. Como eu não tinha um estúdio, costumava entrar discretamente nos porões das igrejas ou em salas de dança vazias só para usar seus pianos. Quando a partitura estava pronta, calculava as localizações das notas e marcava cada uma delas em um disco em branco. Só essa última parte do processo levava de duas a três semanas. Eu não podia ouvir o resultado final até que ele fosse de fato perfurado, já que cada uma das projeções é realizada separadamente. Mesmo com o maior plano para conter erros, ainda assim era um processo caro e demorado. Hoje, uso computadores para me ajudar na maior parte do meu trabalho. Não utilizo nenhum software do mercado, pois prefiro escrever em meus próprios programas dedicados aos requisitos específicos de arranjos para caixas de música. Acho que tivemos sorte com Vespertine. As coisas acabaram dando certo. Cada peça de uma música é como um quebra-cabeça quando começamos. A gente nunca sabe realmente como vai ficar até ouvir o resultado final do projeto".
Björk usou três modelos de caixinhas de música em tamanhos diferentes: O primeiro com um disco único de 15,5 polegadas. O segundo com caixas de dois discos de 15,5 polegadas cada, que quando reproduzidos simultaneamente formavam uma nova sonoridade. O outro formato era em 7 polegadas, que nas apresentações a islandesa segurou no colo.
Fotos: Inez & Vinoodh.
Aurora: Segundo Drew Daniel, do Matmos, parte da harmonia dessa canção surgiu de um sample do som da saliva e da separação dos lábios de Björk. Esse arquivo pôde ser transformado no que quisessem alcançar no disco, tornando o resultado algo incrivelmente próximo e íntimo.
"Vespertine é uma palavra que define o entardecer, mas também faz alusão à véspera, a oração da noite. Eu não sou uma pessoa religiosa, mas se eu tivesse que rezar, faria isso com esse álbum. Procuro encontrar paz interior. A religião é o meu maior tabu porque representa autoridade. E a Islândia é pagã, não é um país religioso. E se eu fosse dizer que tenho uma religião, diria que é a natureza. Quando voltei para a Islândia depois de filmar "Dançando no Escuro", fiquei imaginando em qual lugar minha igreja poderia estar e quais seriam meus rituais. Então, subi no topo de uma geleira, fiquei de joelhos e coloquei neve na minha boca, deixei derreter. Foi como a minha primeira comunhão, como se tivesse me tornando parte da aurora boreal, principalmente depois que compus Aurora. Tentei imaginar a forma do meu Deus, e a sombra da montanha na neve poderia representar isso. Existe algo meio sagrado nesse álbum. É como quando estamos sozinhos em casa, e sentimos vontade de nos ajoelhar e rezar humildemente.
Vespertine deve ajudar as pessoas ansiosas e preocupadas. É um ambiente muito calmo, interno, solitário, como uma canção de ninar, uma pequena oração antes de ir para a cama. E no dia seguinte elas acordam para começar tudo de novo. Frosti e Aurora se complementam".
An Echo, A Stain: Um verdadeiro mistério. Björk definiu essa canção da seguinte maneira: "Eu acredito que é uma música que, na verdade, trata do esforço de alguém em tentar se comunicar". Boa parte da letra foi baseada em uma das obras da dramaturga, roteirista e diretora Sarah Kane. A história da faixa fala diretamente da peça Crave (1998).
Sun in My Mouth: "Musiquei os versos de E. E. Cummings, que conheci em uma obra (I Will Wade Out) que encontrei em uma livraria. Suas palavras me fizeram gostar da humildade eufórica, um estado de espírito que me fascina. A maioria das coisas que causam euforia, acabam se tornando grandiosamente eloquentes, mas não no que ele escreveu, pois permaneceu sempre humilde. É muito comum que essas pessoas em algum momento se tornem "pomposas", mas ele nunca, nunca fez isso. Achei realmente curioso! Acredito que esse poema fala por si, exalta sua raiva, explica como fazer coisas que nos assustam. Ele também tem um jeito de quebrar as coisas em fragmentos menores, sabe, como se ao reunir todas as peças criasse uma forma diferente.
Ele é alguém que nasceu em Boston há mais de 100 anos. O que eu teria em comum com ele? Eu nem sabia que ele existia, porque estou mais familiarizada com a poesia islandesa e outras coisas europeias. Bom, não há muitos poetas que me conquistaram. Costumo ler trabalhos de certos escritores várias e várias vezes, E.E. Cummings é um deles. Passei três anos lendo muito sua obra, e acabei escrevendo uma música. Foi a primeira vez que li algo e imediatamente quis cantar aquelas palavras. Já li muita poesia, mas nunca coisas em que eu ficasse tipo: "Oh, quero fazer isso meu!". Mas é tão diferente com ele. Não posso colocar meu dedo sobre isso. É difícil dizer por qual motivo essas coisas acontecem. A maioria dos elementos de Vespertine simplesmente cresceram naturalmente, como uma planta".
Trechos de Belgium e It May Not Always Be So do poeta aparecem em outras canções de Björk: Mother Heroic, Foot Soldier e Sonnets/Unrealities XI.
Fotos: Reprodução/Divulgação.
Heirloom: "No momento, tenho tido um sonho recorrente sobre a minha casa, que é um espaço muito orgânico. De alguma forma, acho isso que representa as minhas raízes. Já tive um sonho que me inspirou a compor essa música, na qual minha mãe e meu filho derramavam óleo fervendo na minha garganta, porque eu tinha perdido a voz".
Essa faixa é baseada no instrumental Crabcraft do projeto eletrônico Console. Björk entrou em contato com os responsáveis pela obra no início dos anos 2000. Eles se conheceram em Londres, e ela então adicionou seus vocais na canção.
Harm of Will: Essa canção foi co-escrita por Björk, Guy Sigsworth e um amigo dela chamado Harmony Korine, que é diretor, produtor e roteirista. Segundo o site oficial da artista, a letra é sobre o músico, cantor, compositor e ator Will Oldham. Inclusive, essa é também uma referência sugerida no título da música. "Eu acho que captou muito bem o humor em que eu estava. Para mim, foi um desafio. Eu queria que o resultado fosse realmente lírico, não tão voltado para batidas. É baseada em poesia, indo no oposto de verso-refrão-verso-refrão".
Parte da estrutura da faixa é um "recorte" da respiração de Björk: "Eu peguei esse take vocal e inseri no meu laptop na época. Eu só fui em frente".
Unison: "Essa é a única canção que eu achei um pouco autoindulgente. Estou meio que reclamando nela e não me sinto muito orgulhosa disso. Acho que é sobre quando eu estava fazendo a trilha sonora do filme (Dançando no Escuro). Eu escrevia e apresentava para eles, que ouviam e diziam: "Você consegue cortar 41 compassos?". Errr, não! Eu estava animada, me sentia pronta para ser muito colaborativa. Compus isso no meio das filmagens quando já estava cansada de mudar minhas músicas, porque uma pessoa dinamarquesa (Von Trier) pensava alguma coisa".
A base rítmica de Unison contém sample de Aero Deck, faixa de um projeto chamado Oval.
"Mas eu também estava zombando de mim mesma. Aquele trecho: "Eu prospero melhor ao estilo eremita", eu queria dizer algo como: "Vamos! Comunique-se, colabore, Viva!". Eu me manifesto, sabe. Se eu não gosto de algo, eu digo. Mas está tudo bem quando as pessoas colaboram".
Björk foi questionada pela NME: "Mas você é a chefe dos seus álbuns, e Von Trier era o chefe do filme. Você não acha que essa é a diferença: você gosta de colaborar, mas gosta de dar a palavra final?". A islandesa respondeu: "Eu aprecio tudo isso, com certeza. Mas eu colaborei e, quando estou fazendo videoclipes, desisto de todo o controle porque confio na outra pessoa".
B-Sides: Generous Palmstroke, Amphibian, Domestica, Mother Heroic, Foot Soldier, Batabid e Verandi são faixas que apareceram em singles de Vespertine. A primeira mencionada também está na versão japonesa do álbum. Já It's In Our Hands entrou na compilação Greatest Hits (2002), após fazer parte dos shows da turnê. Who Is It, que havia sido performada ao vivo duas vezes, foi totalmente reconstruída para o álbum seguinte, Medúlla (2004). Sobre deixar certas canções de fora de tracklists oficiais de seus álbuns, Björk explicou:
"É sempre difícil reunir músicas que formam um todo quando se está fazendo um álbum. Até acho que no final a gente nem sempre escolhe as melhores, mas sim aquelas que completam o quebra-cabeça. Me pareceu que Verandi era de outro mundo sonoro diferente do de Vespertine. As B-Sides que foram lançadas aparentam pertencer ao mesmo universo".
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Agradecemos aos que tiveram a paciência de ler esse texto imenso 😂. Obrigado pela sua atenção!
Confira mais informações sobre Vespertine nos dois episódios da nossa websérie, que estão disponíveis legendados no canal do Björk BR no YouTube:
Fontes: CDNow, site oficial, Artsy, Record Collector, 'reservocation', New Musical Express, NME, Etoile Polaire, Les Inrockuptibles, The Wire, The Village Voice, bjorkfr, Alien Rock, Kerry Taylor Auctions, Rolandus, AOL, O Globo, Interview Magazine, Warp Magazine, BBC Radio3, Q Magazine, MTV, Nylon, Pitchfork, Billboard, Metromix. 🦢