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Conheça as histórias de todas as canções do álbum "Utopia"


Lançado em 24 de novembro de 2017, o álbum Utopia é um dos trabalhos mais incríveis da carreira de Björk

Reunimos em uma matéria especial detalhes de todas as faixas do projeto. Confira: 


Foto: Jesse Kanda (2017). 

1. Arisen My Senses: "A primeira faixa que escrevi para o álbum Utopia foi justamente a de abertura. A melodia é como uma constelação no céu. É quase uma rebelião otimista contra modulações com narrativa "normais". Não há apenas uma. Tem umas cinco e eu realmente amei isso.

Adicionei um arranjo de harpa junto de um texto, e enviei essa música de presente para a Arca. Ela mal podia acreditar, pois sentiu que bati de algum jeito em seu inconsciente! Criei a partir de um trecho de uma mixtape no SoundCloud dela, um trabalho feito uns três anos antes. Vi aquilo como o seu material mais feliz. Nem comentei com ela, apenas reeditei e mandei. Desta vez, estávamos fazendo juntas, de igual para igual, o oposto de Vulnicura. E esse foi o ponto de partida para todo o resto do projeto".

O registro audiovisual de Arisen My Senses foi feito no dia do aniversário de Björk, em 2017: "Há alguns anos, uma criatura gigante não identificada apareceu na Indonésia, com esse monte de pele branca, gordura e carne em uma poça de sangue em uma praia ensolarada. Isso realmente me emocionou, provocando total admiração. Foi a combinação de algo ao mesmo catastrófico e tão bonito. O mistério e a fantasia, a conexão com o contexto ecológico mais grandioso", explicou o diretor Jesse Kanda.

"Provavelmente, estive realmente nessa vibe de ser como uma espécie de planta, um mutante metade humano. O híbrido otimista após o apocalipse, de um jeito destruído, mas muito feliz. Jesse levou tudo a outro nível, com essa figura de uma mariposa se transformando em borboleta.

Quando a vida parece esmagadora, me volto para a música em tudo o que faço. Todas as manhãs, tento colocar para tocar a canção certa. Se consigo, sinto que isso eleva o meu dia. Mas para ser bem honesta, é como viver constantemente em um trapézio". 


2. Blissing Me: "Quando estamos realmente conectados a alguém com quem conversamos todos os dias pelo celular, acabamos nos sentindo envergonhados em um encontro cara a cara, como se fosse mais natural falar através da internet. Uma energia que parece uma fantasia. 

Definitivamente, houve um momento enquanto eu fazia o álbum Utopia, no qual troquei muitas mensagens de texto com várias pessoas, algo muito curioso! Quase como um exploradora indo para um novo território. Minha vontade foi explorar isso e ver de que forma me atingia, mas não acho que a culpa seja da tecnologia. Há 200 anos, os indivíduos já escreviam cartas e ainda assim se apaixonavam completamente. Hoje, talvez não nos encontremos pessoalmente com tanta frequência, mas ainda existe amor puro.

Obviamente, sendo alguém que trabalha com música, tenho muita curiosidade sobre a palavra escrita e o fato de que nós podemos construir algo como uma peça de teatro, um filme, uma canção, uma poesia, enfim, textos que são tão fortes ao ponto de ganharem vida própria, tão poderosos quanto a vida cotidiana. Acho isso muito interessante, é como um experimento físico. Talvez seja divertido trocar mensagens por um tempo, mas não penso que seria saudável se todos os relacionamentos fossem assim até o fim das nossas vidas. Como em qualquer situação, precisa existir um equilíbrio.

A tecnologia já me serviu tantas vezes! É apenas uma das formas que temos para nos expressar, em áreas que não poderíamos antes, como gravar uma faixa no topo de uma montanha e falar com um amigo cinco minutos depois lá de cima.

Blissing Me trata disso, é uma música separada por intervalos, algo que já fiz antes em Possibly Maybe. O amor é um mistério que todos experimentamos de diferentes maneiras. Na maioria das vezes, quando alguém está profundamente apaixonado, é como se escapasse da morte. Uma fusão com a eternidade".


3. The Gate: "De certa forma, é a ponte entre Vulnicura e Utopia, mesmo que não tenha sido a minha primeira composição para o projeto. A ferida apresentada em quase todos os vídeos do álbum anterior, se transformou em uma espécie de "portão", indicando que agora o caminho está livre para amar. É essencialmente uma faixa sobre amor, mas quando falo em "amor", quero descrevê-lo de uma maneira meio espiritual.

Bem ao início, tem um som bonito que é uma gravação de vários pássaros, que alguns venezuelanos acreditam serem fantasmas de fetos. Segundo contam as histórias, são crianças que nasceram mortas ou morreram ainda muito pequenas, e que hoje habitam na selva fazendo esses sons. É um dos meus ruídos favoritos de todos os tempos. Se você prestar atenção, dá até para ouvir os "arranhões" do disco de vinil que usamos como sample. Quanto aos vocais, minha intenção era deixá-los livres, focar em ser uma musicista, com todas as melodias parecendo estar em constelações nas nuvens.

No vídeo, apareço "treinando" um "músculo emocional". Não é coincidência que o símbolo do coração partido venha sendo explorado pela poesia há tanto tempo. É uma imagem física, o peito implodindo. Em dado momento, no mesmo lugar surge um vazio que precisamos restaurar. Quando estamos ao lado daqueles que amamos, existe uma troca imensa de energia. Acabamos por ter essa sensação de flutuar na superfície, muito mais leves. The Gate fala da escolha que podemos fazer neste momento: tomar uma atitude ou deixá-lo despedaço.

Se a pessoa para p/pensar: "Ok, quero luz na minha vida", essa ferida pode se transformar nesse "portão". Caso se concentre apenas no lado negativo, em determinada hora a escuridão assumirá a totalidade de sua existência. É como abrir um biscoito da sorte! É quase como funciona um exercício da yoga chamado Kundalini, no qual as "luzes" da vida se apagam e nós somos os únicos que podem reverter isso.

Faço música justamente pelo mesmo motivo que alguns praticam yoga, para que eu consiga respirar. Para estarmos em contato com emoções puras e intensas, a única saída é continuarmos a viver plenamente. O caminho é longo, não podemos desistir no meio do percurso. Fico me perguntando o que fazer, em voz alta, para que isso sirva de impulso, tipo: 'Vamos, minha filha, você tem que sair daí!'". 







Foto: Divulgação. 

Uma das inspirações do clipe, dirigido por Andrew Thomas Huang, foi a figura de Guan Yin, a chamada "deusa chinesa da salvação". O vestido usado por Björk, criado por Alessandro Michele, levou aproximadamente 550 horas para ficar pronto, sendo 320 apenas para o bordado. Inicialmente, a islandesa lutou contra a parceria, pois tinha muito receio em se envolver em algo assim: "Não me dou muito bem com a postura de grandes corporações, e não gosto tanto delas", admitiu.

Alguns meses antes, a Gucci havia lhe pedido permissão para usar uma de suas músicas em um comercial, mas ela recusou: "Eu simplesmente não poderia permitir isso. Sou uma velha punk, é o tipo de coisa que jamais me meti. Disse a eles que, se quisessem colaborar do zero comigo, poderia até me interessar. Mas o que faço é como artesanato, escrevo minhas canções. O que (o diretor criativo da marca) faz é um ofício.

Ficaram entusiasmados com a sugestão e o resultado foi esse vestido ridiculamente incrível do videoclipe. Criaram sete esboços em cores diferentes, com vários tipos de desenhos, e me enviaram embrulhados em um papel bonito, com caixas e fitas coloridas.

Quando se trata de coisas do lado visual, é tudo muito diferente. Volto para as raízes das minhas antigas bandas punk, quando não havia qualquer autoridade. Todos eram importantes, sem brigas de ego, pura anarquia! Meus vídeos são muito colaborativos, resultado de milhares de e-mails em grupo, com várias trocas de opiniões. O de The Gate, por exemplo, veio depois de um ano de conversas.

Em uma das máscaras que usei, criada por James Merry, tentamos representar um tipo de "orquídea alienígena", pois não vejo a utopia como apenas um paraíso brilhante sem falhas, coberto por um arco-íris. Neste ambiente, também existe espaço para algo "feio", para a escuridão. Não tem relação com a perfeição, trata dos indivíduos que vivem ali, a bondade e igualdade universais, com respeito pela natureza, em equilíbrio com o mundo.

Penso que no álbum Utopia, deixei minha alma florescer, mas não por pura vontade ou disciplina. É por isso que acho que tenha mesmo algo místico sobre esse disco. Ou não é misterioso acreditar que existe algo mais forte do que nós, que guia e cuida da gente?". 


4. Utopia: "Em geral, os meus álbuns foram escritos a partir de diferentes locais da minha mente. Utopia fala de um em específico, como um conto de ficção científica. Uma tentativa de imaginar uma trilha sonora para uma futura ilha, um lugar de esperança.

Eu sabia que para o show, precisava de um cenário teatral e encenação, para que as músicas se tornassem algo que as pessoas pudessem acreditar. É sobre propor uma maneira mais compassiva de interagir com a natureza. Espero que encarar de um ponto de vista feminino ajude.

Para mim, a utopia é uma emergência. Foi uma reação à eleição de Trump, em 2016. Eu estava paralisada, principalmente por causa dos problemas ambientais que ele não fez nada para resolver. Estamos vivendo em tempos em que precisamos reagir rapidamente, precisamos definir qual é o nosso plano.

Quando eu soube da vitória de Trump na época, chorei por umas duas horas. Tenho notado que os Estados Unidos está afundando como o Titanic, que está em uma fase muito autodestrutiva. Espero que as pessoas de lá entrem em ação, e entendam que essa situação é como um tumor que é preciso remover.

Quando falo de utopia, é mais sobre a necessidade humana de tentar reescrever a receita. Não se trata apenas de definir o que desejamos, mas também de tornar parte disso realidade. Mesmo que apenas a metade aconteça, já será muito bom.

Usei as flautas como metáfora a um instrumento musical mais leve. Sons "macios", como se ao ouvi-los pudéssemos sentir o vento "limpando" o ar. Pesquisei histórias mitológicas de todo o mundo. Foi muito satisfatório descobrir que em muitos contos, as mulheres das tribos escapavam com as crianças para um novo lugar, criando um mundo no qual não existia a guerra". 




Foto: Santiago Felipe (2019).  

5. Body Memory: Segundo Björk, a ideia para essa música surgiu quando ela estava sozinha em sua cabana na Islândia, num momento em que se enrolou em um monte de casacos, deitou no chão e ouviu um audiolivro chamado The Tibetan Book of the Dead: "Essa obra é sobre pessoas que são especialistas em morrer, que têm prática física para dar uma ajuda com isso. É como fazer exercícios de ioga, respiração... Literalmente uma aula de morte. Fiquei tão impressionada!

Inicialmente, Body Memory tinha 20 minutos de duração, e acabei gravando um coro de 60 'peças' [o Hamrahlid Choir]. Eles estão entre os melhores de todos os tempos. Cantei neste coral quando eu tinha 16 anos. Os escutei durante toda a minha vida, para finalmente escrever algo para trabalharmos juntos porque, para mim, era algo realmente assustador e corajoso. Ficamos sentados dentro de uma igreja quando gravamos, foi realmente satisfatório. Parecia que eu havia entrado em um novo lugar. Você pode ouvi-los na versão final juntamente dos sons dos pássaros islandeses, e outros elementos como o vento.

Convidei também Þorgerður Ingólfsdóttir, essa incrível mulher islandesa que é uma lenda! Essa canção deve ser vista do ponto de vista de alguém que já está "morando" em sua própria utopia, como seu hino nacional pessoal. Meu subconsciente dizia que se eu escrevi uma tão triste como Black Lake, eu deveria compor outra servindo de "irmã otimista" para ela. 




Foto: Santiago Felipe. 

Por outro lado, é quase como uma coisa meio "católica": se você não for bom durante a sua vida, então quando morrer irá para um lugar horrível. O extremo oposto, que é o meu favorito, é mais em relação a um destino dado a alguém que foi legal durante sua jornada, e que será rodeado por coisas positivas. Por esse motivo, Body Memory termina comigo refletindo: "o que eu estarei pensando na hora da morte?".

Björk escreveu seis versos para si mesma sobre destino, amor, sexo, maternidade, meio urbano, e outro sobre natureza rural, que a instruem a não pensar demais sobre as coisas: "É a minha versão de autoajuda, sugerindo que o que precisamos está em nós mesmos. Nós temos as respostas. É como um manifesto pessoal. Estou "namorando a vida", tipo:

"Oh, essas são minhas novas mãos e tenho novas pernas...". Parece uma nova aventura. Não é mais necessário analisar, nem permitir que nossas neuroses assumam o poder nos fazendo mergulhar em um abismo de ansiedade, mas sim confiar no instinto do corpo para nos reconectar com tudo o que nos une nessa vida. Se não podemos mais amar, enfrentar o futuro, nosso corpo ainda se lembra como resolver. Apenas precisamos acreditar e permitir que ele faça algo".

Body Memory é um dos momentos mais emocionantes do show Cornucopia. Em entrevista, uma das integrantes do septeto de flautistas Viibra, revelou: "No outono de 2018, quatro de nós estávamos envolvidas em um projeto centrado em flautas circulares. A ideia por trás deste instrumento consiste em quatro flautas interconectadas, criando um espaço acústico para o público dentro deste círculo.

Contamos para a Björk sobre isso e ela mostrou grande interesse em incluí-lo em Cornucopia. Depois de trazê-lo para um ensaio, não deu outra, se encaixou perfeitamente em Body Memory. Björk fica posicionada no centro enquanto tocamos essa música no show, e assim, ela se torna parte do público enquanto é a intérprete, óbvio. As flautas ficam "voando" antes de começarmos a performance. Nos sentimos muito interconectadas enquanto tocamos essa faixa". 

6. Features Creatures: Seria essa sobre um homem em específico? Björk conta que sim. "Eu até pensei o que dizer sobre isso, pois esse álbum é como uma ruptura em relação ao anterior. Portanto, agora todo mundo ficaria me perguntando: "Você está comprometida?"".

A letra descreve a estranha sensação de conhecer alguém que se parece com um antigo amor, sentindo que é possível se apaixonar por essa pessoa naquele exato momento do primeiro encontro. No show que fez no All Points East Festival em 2018, a islandesa disse: "Esta aqui é sobre caminhar na loja de discos Rough Trade East".

Embora possa parecer um compilado de vozes, a canção inclui um sample de uma faixa da musicista Sarah Hopkins, Kindred Spirits. Ao final, podemos ouvi-la tocando Flauta de pã. Ela é também conhecida por criar instrumentos musicais, como Harmonic Whirlies e Choir Chimes:

"Björk me enviou um e-mail dizendo que admirava a minha música. Me contou que ela tinha uma melodia para uma canção inédita, que combinava perfeitamente com o som de Kindred Spirits, explicando que adoraria inseri-la em seu próximo álbum e que, claro, me ofereceria créditos como co-compositora. Fiquei absolutamente encantada e respondi imediatamente, pedindo que me enviasse o arquivo para que eu pudesse ouvir antes de dar permissão.

Aquela melodia assombrosa da abertura e a letra de Features Creatures, ressoam em um nível profundo na nossa alma, nos chamando a atenção para continuar a ouvir um pouco mais, de uma forma muito hipnótica.

Kindred Spirits é uma música que gravei com meus próprios equipamentos em 1990, e que saiu numa compilação do produtor Bart Hopkins, em 1996. Ele é um grande defensor de instrumentos musicais experimentais. Graças à uma boa rede de distribuição, essa obra alcançou vários fãs, incluindo Björk, que disse ao site Double DJ que o álbum é um dos favoritos dela.

Como além de compor e tocar a música, também fiz o instrumento usado na gravação, não poderia ser classificada como apenas um sample. Ela me deu os créditos de uma maneira linda no encarte do álbum, tudo especificado de forma igual. Um presente fantástico dos deuses, uma bela colaboração. Eu tenho um canal no YouTube e de repente, vários fãs dela apareceram nos comentários dos vídeos escrevendo: "O novo álbum da Björk me trouxe até aqui". Foi muito lindo!".

"Tenho bilhões de músicas em várias playlists, e com o passar dos anos fico entediada com várias delas, eventualmente tirando algumas da minha biblioteca. Mas Kindred Spirits da Sarah é uma canção que, mais de 20 anos depois, simplesmente não consigo enjoar. Cada vez que toco essa música para os meus amigos, eles ficam arrepiados e olham para mim perguntando: "O que é isso?". Me pareceu muito natural tê-la conosco", explicou Björk. 


7. Courtship: Antes do lançamento do disco Utopia, Björk definiu ironicamente o trabalho como seu "álbum tinder", embora admita que nunca tenha iniciado um namoro online. Courtship fala sobre os novos tipos de comunicação nas relações atuais:

"Achei que seria hilário defini-lo assim. Foi uma piada e tenho um péssimo senso de humor. Fiz essa comparação para descrever um certo sentimento, uma reabertura, a curiosidade e disposição para se começar um novo período na vida.

Obviamente, eu nunca poderia estar no Tinder, sabe? Pessoas tentando conseguir coisas e então vem a rejeição, em ambos os sentidos. Sabe o que me interessaria? Um app no qual as estatísticas se baseassem em coleções de álbuns. Não seria uma ótima maneira de conhecer novas pessoas? Anonimamente, apenas a partir do gosto musical?

O Vulnicura falava sobre fechar alguns capítulos na vida. Desta vez, estou entrando em um novo território e todos os meus sentidos estão em alerta total".

Para Björk, a referência ao Tinder foi também na intenção de explicar que é um novo "espaço emocional", no qual a conexão com pessoas através de uma tela, às vezes surge imediatamente. 


8. Losss: "Essa música precisava ser sobre a mesma dor presente em Vulnicura, mas em uma escala um pouco menor, pois não é tão pessoal quanto o material daquele disco. É como a continuação de Pagan Poetry", explica Björk.

A faixa tem co-produção de Rabit: "Essa música que fizemos é puro sentimento. Trabalhamos nela por uns dois anos. Nunca vi nada ser produzido dessa forma, com tanta especificidade, intenção e paciência. Pensamentos e ideias têm asas, conversamos muito sobre isso ao longo do processo, sobre como a força de vontade pode ser suprema".

Com direção de Tobias Gremmler, o registro audiovisual de Losss foi originalmente concebido para ser exibido nos telões do show Cornucopia:

"Esse vídeo é baseado nas conversas entre duas faces que existem dentro de nós. A otimista (nos vocais do lado direito) e a pessimista (no esquerdo). Quando gravamos, tentei fazer dessa maneira. Se você assistir usando fones de ouvido, perceberá que coincidem com as imagens.

Tivemos muitas conversas sobre flores e como elas poderiam ser usadas para expressar o crescimento, a transformação e a diversidade das coisas. A ideia principal era incorporar um estado constante de metamorfose, celebrando a renovação. Um dos elementos mais importantes desse clipe é que em um determinado momento, o rosto dela desaparece, e só podemos enxergar a estrutura externa, que se parece com uma máscara. Em minha pesquisa sobre máscaras, descobri que certas culturas as usam para refletir a realidade interna.

Na cultura da arte ocidental, se queremos registrar um ser humano em particular, tiramos uma foto, enquanto em outras culturas os seres humanos são representados de uma maneira que não se materializam características reconhecíveis específicas, eles tentam criar uma máscara que destaque aspectos internos, olhando o retrato de dentro para fora, algo que eu estava tentando integrar no visual de Losss.

Em algumas culturas, as máscaras são usadas para esconder, mas em outras para revelar algo que está oculto. Um rosto pode não refletir os sentimentos internos de alguém, mas uma máscara pode refletir o estado interior. Foi realmente interessante brincar com esse paradoxo".

9. Sue Me: "Não acho que esteja sendo interpretada da maneira correta. Existem bons pais no mundo, incluindo o meu. O grande problema ao qual eu me referia, é a coisa do patriarcado.

No meu país, isso praticamente nunca existiu no tempo em que estou por lá. Quando mais jovem, nunca me queixava da desigualdade de gênero. Na Islândia, todas as mulheres sempre foram tratadas como independentes. Mas além das fronteiras daquela ilha, o que parecia era que eu havia desembarcado em outro mundo.

Senti como era entrar em uma sala cheia de executivos, que me tratavam como uma estúpida. Isso acontece com muita frequência, é absolutamente horrível! Entendo que você (jornalista) como pai tenha se sentido desconfortável com Sue Me, mas deve admitir que há pelo menos um pouco de verdade no que cantei ali.

Conheço muitos homens maravilhosos! Mas, na verdade, estou decepcionada porque foram principalmente eles que nos empurraram para esse abismo que se encontra o nosso mundo. A ideia que eu quero transmitir com esse projeto é que, agora é a vez das mulheres. Dê a elas a chance de arrumar as coisas. Realmente acredito que podemos escrever o futuro.

Sobre a letra dessa canção, fico me perguntando se me sinto bem falando sobre isso por causa da minha filha. Tanto eu quanto o pai dela fazemos a arte que é sobre a nossa vida. Temos uma maneira de como apresentar esses aspectos, e nós dois conversamos com ela. Acho que a minha filha gerencia toda essa história graciosamente, mas só porque podemos fazer isso de uma forma bem dosada". 


10. Tabula Rasa: "Fala sobre termos uma página em branco. Eu acho que é isso que os nossos filhos merecem de nós. Embora eu saiba que nunca será assim, pois os pais sempre colocam suas marcas. Mas estou convencida de que é importante tentarmos limpar a nossa influência tanto quanto possível, deixando-os com uma bagagem mínima".

No clipe da canção, Tobias Gremmler transformou Björk em um organismo natural com pétalas no lugar de seus membros, enquanto ela flutua harmoniosamente entre diferentes formas.

Para o registro, que também apareceu no show Cornucopia, o rosto da artista foi filmado em um iPhone X: "Tentei incorporar o conceito de uma coexistência harmoniosa entre a natureza e o ser humano baseada na empatia", explicou o diretor.

Para o filósofo inglês John Locke, o termo Tabula Rasa refuta as ideias propostas por René Descartes de que os seres humanos conhecem certos conceitos naturalmente. Locke acreditava que a mente humana era o que ele chamava de uma "tábula rasa", uma "folha em branco". Assim, todas as ideias que os seres humanos desenvolvem são resultado da experiência". 



Foto: Divulgação. 

11. Claimstaker: "Quando criança, eu morava no subúrbio de Reykjavík e sempre caminhava muito para chegar até a escola. Durante aquele tempo, ficava cantando para mim mesma. Penso que quando fazemos isso, provavelmente estamos regulando a nossa respiração, mesmo sem saber como.

É a minha maneira preferida. Tento começar meus dias com uma caminhada. Depois de uns 45 minutos, sinto um alívio extremo! Tudo parece em sincronia, e de repente, todos os problemas não importam mais".

Produção: Depois de Vulnicura, álbum no qual os meus arranjos serviram como um plano de fundo para aquela saga do coração partido, Arca e eu procuramos fazer com que Utopia fosse sobre a música em si. Assim nasceu Claimstaker, na recusa de manter uma narrativa singular, usando vários takes de vozes iguais, pois uma parte não é mais importante do que a outra". 




Foto: Santiago Felipe (2019). 

Performance: No show Cornucopia, Björk cantou Claimstaker dentro da cabine de reverb, construída para que cada pessoa na plateia tivesse a sensação de que ela está susurrando em seus ouvidos: "A estrutura é um pouco parecida com a de uma capela. Em diversas ocasiões, quando aqueço a minha voz, sinto que temos uma particular no nosso crânio. A "umidade" que o som desse equipamento traz ao tom das canções, conecta os indivíduos ao mesmo tempo em que comunica algo".

12. Paradisia: Com cantos de aves da América do Sul, essa faixa se encaixa na parte do Utopia que Björk chamou de "uma rave de flautas". Questionada através da piada de um jornalista, que lhe perguntou se poderíamos esperar que os pássaros do álbum aparecessem em sua banda, a islandesa respondeu: "Eu adoraria, mas primeiro teria que fazer com que eles assinassem um contrato". 😁

13. Saint: Como já havia feito em Headphones, em Saint Björk fala do poder de cura da música, personificada na canção como uma mulher santa. Nesta figura matriarcal, o amor e a empatia são atemporais. Em diversas entrevistas ao longo da carreira, a islandesa sempre fez questão de dizer que sente que a música a curou mesmo nos piores momentos de sua vida. "Estou aqui para defendê-la", ela canta no final da faixa. 




Foto: Mert Alas e Marcus Piggott. 

14. Future Forever: A canção que encerra o álbum Utopia, é uma faixa inspirada na relação de Björk com sua amiga e colaboradora Arca: 

"Essa música foi escrita logo após um glorioso jantar que tivemos em um restaurante ao lado da casa de Frida Kahlo, na Cidade do México, no verão de 2017. Naquela ocasião, falávamos sobre esperança e a capacidade das mulheres de tecerem "ninhos" em suas vidas. Discutíamos se é um talento feminino, criar esse ambiente em torno de suas famílias, sendo de sangue ou não. Construindo algo bom em todas as ligações, e fios entre membros. Que tudo isso então se torna a "estrutura" na qual vivemos.

Daí, começamos a falar sobre nossas mães e como, de alguma forma, muitas mulheres possuem uma quantidade limitada desses "fios emocionais", que podem carregar diferentes tipos de forças. Por exemplo, em algumas situações, só contam com um único fio para cuidarem de um ou dois "ninhos" em suas vidas. Enquanto isso, outras parecem contar com uma quantidade ilimitada.

E então falamos sobre como, de alguma forma, às vezes, é mais fácil para "a energia masculina", ser um "visitante", entrando e saindo rapidamente das situações, que para as mulheres, surgem de um doloroso processo de reparo antes que novas relações sejam constituídas. Enfim, chegamos a conclusão de que não é uma questão de erros ou acertos, mas apenas uma experiência de tempos diferentes.

Quando vejo a letra dessa música, também enxergo uma série de pequenas dicas, como costumo colocar em meu trabalho, por exemplo: "Estamos apenas carregando-o" é uma referência a algumas rainhas que conheci na minha vida, que diziam repetidamente, como um elogio: "Ela estava carregando", quando falavam sobre uma batida musical incrível, um passo de dança, um filme, uma boa casa ou o que quer que seja. Senti que essa é uma referência feminina, sobre ser esse navio do qual eu falava.

Percebo nessa canção que as alusões que fiz como "dia e noite", "trauma e reparo", a lacuna entre "adormecer e o momento de acordar"... Tudo isso é uma montanha gigante, que é difícil de se atravessar. E a música em geral, pode ser uma ferramenta muito útil para enfrentar esse caminho.

Fico super sentimental sobre os últimos versos: "Você diz que faço refletir nas pessoas as suas próprias missões. Mas agora, você espelha em mim quem eu costumava ser. O que eu doei ao mundo, você está dando me dando de volta. Mantenha-se firme para o amor, para sempre".

Para mim, essa parte tem mais significado do que todo o resto do álbum. É simplesmente tipo: "Eu te amo muito, sou eternamente grata pelo seu dom de musicista, que você me oferece". Eu estava em um momento da minha vida em que sentia que a monogamia havia sido retirada de mim. E então a monogamia na música me foi oferecida, como um milagre". 

Fontes: Télérama, Pitchfork, Fact Magazine, Radio Beats 1, Reykjavík Grapevine, WeTransfer, Vanity Fair IT, Cosas Lujo, Dazed, Nowness, The Sydney Morning Herald, Spiegel Online, The Creative Independent, NPR Music, The New York Times, Time Out London, Mujer Hoy, La Vanguardia, MixMag, Rockdelux, The Guardian, musikexpress, Apraamcos, Double DJ, Wyborcza, Absolute Radio, Focus Levif, Facebook Oficial, Clotmag, DeMorgen, Uncut Magazine, Music-News, Wall Street Journal, Cornucopia Tourbook, The Big Issue, i-D Magazine. 

Saiba mais: 


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