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A importância do som do novo show para Björk

Foto: Santiago Felipe

O jornalista Daniel Gumble do site PSN Europe, conversou com o engenheiro de som John Gale, Chris Jones, o diretor da Southby Productions; e Steve Jones da D & B Audiotechnik. Eles fazem parte do time de colaboradores do espetáculo Cornucopia. Confira a tradução completa: 

No último dia 19 de novembro, enquanto o canto dos pássaros voava e flutuava por toda a O2 Arena, em Londres, tive a sensação de que o público examinava cada parte do ambiente do show antes mesmo de começar, como se esperassem avistá-los voando no céu. Quando subiu ao palco, Björk transformou a arena, que muitas vezes é um lugar cinzento, em um espaço vivo. Todo o aspecto visual e musical é de tirar o fôlego! Com o sistema de áudio, a experiência de cada um na plateia é verdadeiramente imersiva. Por isso, não é de se surpreender que Cornucopia continue evoluindo até hoje, com ajustes e anotações sendo deixadas pela própria cantora para a equipe de produção. Tudo isso quase que diariamente. 

No início deste ano, meses antes da estreia, ela esteve com eles dentro de um farol na costa da Islândia, acessível apenas durante a maré baixa: “Björk gosta de trabalhar em lugares com grandes janelas, para que possa ver e se conectar com o mundo ao seu redor. Ela não curte ficar em lugares fechados, e lá tinha uma bela vista", diz Steve Jones. 

No ano seguinte ao lançamento de Utopia, Björk embarcou em uma turnê de festivais divulgando o álbum. Mas depois de assistir a uma determinada peça, sentiu ainda mais vontade de acrescentar elementos no show que já vinham sendo estudados por ela há quase uma década: "Foi quando ela me disse que gostaria de fazer algo com som 360º. Logo depois que ela viu Harry Potter e a Criança Amaldiçoada, quis recriar o que estávamos desenvolvendo com um show mais teatral. Então, começamos a conversar com o diretor John Tiffany e alguns designers de som para discutir direções diferentes para o projeto, mas naquele momento não havia um caminho claro para o que ela realmente queria fazer. O conceito teatral começou a cair no esquecimento, mas ela ainda queria muito do teatro imersivo nesse espetáculo! Eu sabia que precisava de um sistema de som capaz de recriar tudo o que se ouvia em 360º, e percebi que fazia sentido usar o Soundscape, pois é uma ferramenta que permitia lidarmos com tudo o que queríamos montar", explica Gale. 

“Há uns 11 meses, o John Gale entrou em contato dizendo mais ou menos o que a Björk estava buscando, então ele ficou encarregado de examinar as opções que tínhamos. Alugamos um local no centro de Londres e montamos um pequeno estúdio, para que ele pudesse experimentar por três dias. Em fevereiro de 2019, enviamos para ela um sistema semelhante para ser testado no farol. Ela se apaixonou pelo programa, e então começamos os ensaios no Syrland Studios, na Islândia", relembra Chris Jones. 

Gale então explica que mesmo já na estrada, a produção do show não ficou estagnada: “Tudo é sempre com a Björk. Quando ela estava no farol, passava horas experimentando as faixas de áudio, tentando ver o que poderia ser feito. Ela tinha uma ideia muito clara de algumas delas, mas com esse tipo de trabalho, a gente acaba como uma criança em uma loja de brinquedos. Existem muitas possibilidades! Nos meses seguintes, refinamos e elaboramos uma maneira de incorporar todos os elementos ao vivo. Quando tocamos em Nova York e no México, o show inteiro era em um sistema do tipo 360, mas quando passamos para grandes arenas mudamos para um 180. Provavelmente voltará ao formato original em apresentações futuras, mas esse foi um processo surpreendentemente gratificante, pois a gente ainda fica com aquela sensação de profundidade, como se tudo estivesse ao nosso redor". 

"Um show imersivo não significa necessariamente que o som vem até nós de todos os ângulos. Encaro isso mais como: "Eu estou imerso em um show, estou bem no meio dele, sou uma pessoa externa olhando para outra que está ali na minha frente se apresentando. No caso da Björk, é ótimo porque com esse formato aí sim parece que ela nos chama a atenção de todos os lados. A conexão não é com um alto-falante, mas com o áudio daquilo que está acontecendo bem diante dos meus olhos, em todos os níveis sensoriais", esclarece Steve Jones. 

Foto: Divulgação

Gale acrescenta: “Ela entra na cabine de reverb no palco e fecha a porta como parte do show. Minha intenção era a sensação de levar a plateia com ela, com microfones nas paredes. Colocamos uma ferramenta de áudio exatamente onde ela fica, para que pareça que o som está vindo dali. Li uma resenha que dizia que aquele momento era totalmente inexplorado, o que obviamente não é o caso. Mas é interessante que um membro da plateia não tenha percebido, que foi um momento amplificado apenas porque a tecnologia permite que a gente coloque as coisas nos lugares que queremos". 

Como era de se esperar de uma artista com tanta ambição criativa, as impressões digitais de Björk podem ser encontradas em todos os detalhes do show: "Ela é muito prática", diz Gale. “Passa muito tempo pensando, tendo ideias. Ocasionalmente, ela nos deixava em paz por alguns dias e fazíamos algumas mudanças, depois vinha e as ouvia. Aprovava ou então dizia que preferia do jeito que estava. Ela é muito receptiva quando apresentamos nossa abordagem, mas também é muito clara sobre o que ela quer fazer. A maneira como ela ouve o show não é necessariamente como eu abordaria inicialmente. Às vezes, ela quer que eu enterre seu vocal principal entre muitos vocais de apoio, e assim fica difícil saber qual é o take ao vivo. Em certos momentos, dá para ver alguns olhares no meio do público talvez pensando que o som do microfone dela não está alto o suficiente, mas foi assim que ela projetou. Estou trabalhando com um conceito muito claro dela. Embora eu tenha ajudado a criar o som do show, é definitivamente uma coisa que planejamos juntos". 

"Me lembro do quanto era interessante ouvir as conversas entre a equipe. A gente acaba por achar que um bate-papo entre um artista e um engenheiro de som, pode ser algo parecido com: "Olha, o som dos meus vocais está um pouco ruim" ou então "o violão precisa de tal coisa", mas o que escutei era muito mais criativo! Björk dizia coisas como: "Nesta parte, imaginei que duas flautas diferentes estão em uma espécie de batalha. Como podemos representar isso em uma perspectiva de áudio?". Tinha também: "Preciso que essas sete flautas soem como se fosse uma rave!". E o meu favorito de todos: "Você pode fazer com que isso soe mais otimista?”. Em contraste com a engenharia tradicional de um sistema de som, é um tipo totalmente diferente de contar uma história. De um jeito criativo e envolvente, que o som nos possibilita", contou sorrindo Steve Jones. 

“A equipe de áudio tem sido fantástica e muitas coisas foram construídas apenas para esta turnê", diz Chris Jones. “Também existe muita coordenação entre os departamentos de vídeo e som, trabalhamos muito juntos diariamente. Björk veio até nós com muita antecedência e disse que queria que todos os recursos visuais, a iluminação e o som casassem, por isso, se o som vem de um alto-falante da parte de trás da arena, ela arrumou uma maneira de potencialmente conseguir que o jogo de luzes venha da mesma direção", explica Gale. 

Quando perguntados sobre os desafios que a equipe enfrentou, todos deram uma risada ao mesmo tempo. Dada a persistente busca de Björk por meios cada vez mais experimentais, as tarefas enfrentadas foram variadas: "À medida que tudo era desenvolvido, tivemos que ir do DiGiCo SD7 para o Quantum. De repente, já estávamos com 56 canais de áudio", diz Gale. 

Steve Jones complementa: "Não se trata de um único alto-falante. É sobre como um objeto de som funciona através de uma infinidade de ferramentas, e de quanto espaço é preciso. Estamos à mercê das ideias de John e Björk. Dimensionar o sistema não é trabalho da engenharia de sistemas, é tentar entender a parte criativa da história que está sendo contada. É divertido!". 

"A gente nunca pode sentar e pensar: "Agora está pronto!". Sempre há algo que nos mantém em alerta. Houve um momento em que ela nos disse: "Eu quero que essa música seja em um BPM mais rápido". Isso significa umas 1.000 edições diferentes de uma mesma faixa. E então, depois ela poderia ouvir e até dizer que estava muito melhor antes. É uma daquelas coisas que é preciso passar, o que é muito bom", acrescenta Gale. 

“Do meu ponto de vista, olhando de fora, acho que talvez o público não perceba que ela não está fazendo shows consecutivos, geralmente é um a cada três dias. Ela não retém nada em sua cabeça. Todas essas coisas têm um grande custo, e a parte interessante é tentar acompanhar a implementação da tecnologia, que permite que essas ideias venham à tona. Mas não é um show de alto orçamento. As pessoas provavelmente pensam que é, porque é incrível o que obtemos com um orçamento bastante pequeno em comparação com o de muitos outros espetáculos. Dito disso, quase arrancamos os cabelos pensando em como faríamos algo que ela desejava de maneira criativa, quando não se tinha tanto dinheiro. De alguma forma, conseguimos! Os artistas estão constantemente buscando uma forma de superarem todos os outros, de se destacarem. Vemos isso por aí com o tamanho dos telões, cenários, luzes... Mas, em grande parte, a maneira como as pessoas lidam com o som não mudou muito nos últimos 10 ou 15 anos. Então a introdução do áudio espacial marca uma tendência crescente. Isso muda fundamentalmente a maneira como se faz um show. Algumas pessoas podem estar com um pouco de medo de dar o salto, provavelmente veremos um crescimento lento, que acelerará à medida que mais pessoas tentarem. Os artistas estão começando a perceber que o sistema de som pode se tornar uma tela na qual eles podem ser mais criativos. Não é apenas uma ferramenta de engenharia para deixar a música alta, é uma parte fundamental do processo criativo". 

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