Há 30 anos, Björk Guðmundsdóttir (Reykjavik) lançava seu primeiro álbum, "Debut". Foi um disco que mudou as regras! Os que vieram em seguida ajudaram a estabelecê-la como a artista mais influente de sua geração. Até hoje, ela conquista gerações de fãs. Seus direcionamentos inovadores convertem os céticos, e marcaram dezenas de musicistas e performers ao longo das décadas.
"A verdade é que não penso muito nisso", disse Björk durante a entrevista. Ela discordou quando o jornalista lhe deu créditos ao triunfo e som de Rosalía nos dias de hoje. O repórter lhe explicou que isso seria difícil sem a influência do trabalho da islandesa, que respondeu: "Eu não vejo dessa forma. Acho que o apetite pela música em espanhol já existia antes, como se esperasse que a pessoa certa o ativasse, e Rosalía veio e o ativou".
Na manhã do bate-papo dos dois, as ruas de Reykjavík estavam cobertas de gelo, provando que a temperatura raramente ultrapassa os zero graus. Mas os moradores diziam que para uma quarta-feira de janeiro o clima estava estranhamente ameno. Um sol tímido brilhava, fazendo parecer que todos ali estavam em um momento calma entre duas tempestades furiosas.
O encontro com Björk foi ao meio-dia em uma espécie de clube privado ao estilo britânico. O lugar fica no centro da cidade, que basicamente é composto por duas ruas e uma avenida rodeada por restaurantes e bares com cardápios em inglês, agências que vendem "passeios de aventura" para turistas, e lojas de souvenirs.
Mas você poderia passar mil vezes por ali sem saber que no último andar há um restaurante requintado, todo em madeira, com um lounge exclusivo para membros. Para ter acesso, você deve conhecer o código que abre o lugar, que muda diariamente. Um ambiente "à prova de turistas". "O turismo aconteceu conosco de repente e mudou o país. Antes, se você fosse para o interior do país, a única coisa que comia era um hambúrguer no posto de gasolina. Agora, cada cidade tem um lugar oferecendo diferentes tipos de queijo, cerveja e cordeiro. Isso nasceu com o turismo", refletiu a artista.
Ela chegou alguns minutos atrasada, porque não conseguiu encontrar onde estacionar o carro. Estava vestindo um quimono, botas pretas, com os olhos pintados de preto.
"Muitas pessoas na Islândia veem o turismo como a opção menos ruim. É melhor do que as fundições de alumínio. Agora pararam, mas houve um tempo em 2010 em que mais duas seriam adicionadas as três que já estão presentes. Se tivessem sido construídas, teriam afetado os rios da ilha. Acho que apostar no turismo tornou a Islândia um lugar muito mais verde. Porque houve um tempo em que os políticos negavam a existência das mudanças climáticas e afirmavam que este era um país muito verde. Tivemos que lutar muito para corrigir as coisas!
Mesmo as usinas geotérmicas têm limites. São como campos de petróleo: você fura e quando acaba a vida útil tem que fazer em outro lugar. Alguns são verdes, mas outros são muito agressivos com a natureza e destruirão todo o vapor em 10 anos".
Björk não é a primeira ativista ambiental da família. Em 2002, sua mãe, Hildur Rúna Hauksdóttir, fez greve de fome para protestar contra a construção de uma usina. Björk cresceu com ela em uma comunidade depois que seus pais se divorciaram quando ela era quase um bebê. Seu pai era eletricista, sério e conservador. Sua mãe, muito pelo contrário. Em teoria, muito menos responsável. Björk certa vez contou que aos quatro anos percebeu que era ela quem tinha que olhar para os dois lados na estrada antes de deixar sua mãe atravessar.
"À medida que envelheço, vejo as coisas de maneira diferente. Quando eu era jovem, sentia que a família do meu pai era muito mais organizada e responsável. Eu fui atraída para esse lado muito jovem, porque o da minha mãe era mais esotérico e boêmio. Mas agora entendo que ela tirou a mim e meu irmão do patriarcado. De certa forma, ela era mais organizada.
Sim, ela tinha cabelo comprido e usava roupas hippies. Sim, morávamos em uma casa com vazamentos e éramos muito pobres, mas ela era sua própria patroa. Ela estava envolvida na fabricação de móveis. De certa forma, minha mãe era mais empreendedora do que meu pai. Agora eu vejo isso porque ambos me deram tudo. Ambos muito organizados, ambos muito independentes, ambos muito solitários".
Em 2018, a mãe de Björk faleceu. "Ela estava muito doente nos últimos três anos, cerca de um ano e meio antes de meu irmão e eu vermos o que estava por vir. Portanto, não tenho a sensação de que deixamos algo não dito. A coisa mais misteriosa sobre a morte é que quando alguém se vai, em algumas coisas essas pessoas estão mais com a gente do que costumavam estar antes, e sentimos o espírito delas. Sempre ficamos mais ocupados com o cotidiano".
No ano em que a mãe morreu, Björk se reestabeleceu na Islândia, e compôs e gravou o álbum "Fossora". "É como andar descalço no campo. Acho que todo disco é sobre morte e nascimento. Penso que todos nós passamos por períodos de morte e nascimento a cada três anos. Sinto que todos os meus álbuns são o fim de alguma coisa e o começo de outra. Estar aqui por três anos e não viajar parecia fundamentado e conectado às minhas raízes e desse sentimento o álbum nasceu. Eu queria cavar o chão", ela explica.
"Nunca saí da Islândia. Quando morei em Londres nos anos noventa, passava metade do ano aqui. E quando eu morava em Nova York também. Mas acho que você pode dizer que me mudei 100% para cá no momento em que vendi minha casa no Brooklyn. Todos os meus pertences vieram pra cá em um contêiner. Foi a primeira vez!".
Ela diz que leva uma vida normal na Islândia: "No momento, estou editando os visuais para os meus shows ao vivo". No dia 3 de março, a artista voltou a estrada com o grande concerto "Cornucopia" na Austrália. "É a coisa mais extravagante que já fiz na minha vida. E é muito caro! Então, estamos sempre perdidos".
Björk tem outro show ao vivo, cujo foco é apenas ela, a música e a orquestra. "Essas duas duas turnês são complementares, uma paga a outra. E artisticamente, também funcionam juntas. Como cantora é mais difícil fazer os shows com orquestra, porque sou eu cantando o tempo todo. Mas "Cornucopia", é mais teatral. Eu visto muitos figurinos, ando pelo palco, me escondo um pouco... São dois papéis bem diferentes, que realmente se alimentam um do outro". No outono, "Cornucopia" chegará à Europa.
Na Islândia, a vida de Björk é tranquila: "Acordo, faço ioga, trabalho no que tenho de fazer e à tarde vou à piscina. É o que se faz quando mora na Islândia", explica. Reykjavík está cheia de piscinas quentes públicas ao ar livre e ir vários dias por semana é um rito nacional. "Gosto de ir na última hora, às nove. Reykjavik, comparada a Madri ou Paris, é pequena. E isso facilita a reunião com amigos e familiares. Leva apenas cinco minutos para encontrá-los para um café, ir a um bar, ao cinema ou fazer uma refeição. A vida aqui é muito fácil. Eu gosto desse tamanho da cidade. Mesmo quando estou longe. Estive em Lanzarote [ilha na Espanha] e gostei muito. Sou mais uma menina das ilhas do que das grandes cidades".
A relação com os filhos: "Não sei na Espanha, mas aqui os pais não contavam as coisas para os filhos. Sempre contei tudo aos meus. Os dois sempre foram muito responsáveis. Desde crianças, mas mais agora. Eles me ajudaram muito com o funeral da minha mãe! Acho que agora eles entendem que quando ajudam em algo da família, também estão fazendo por eles e pelos filhos".
Sobre a separação de seu último grande relacionamento, afirmou: "Já terminou. Algo que costumava funcionar parou de funcionar, e a gente tem que mudar. Faz parte da vida!".
O tratamento machista da mídia ao longo dos anos:
"A imprensa entende o que eu faço como cantora, como compositora e até como pessoa, mas não como produtora. Durante toda a minha vida, fui a todas as mixagens, a todas as sessões de masterização. Nada foi feito em meus álbuns sem a minha presença. Mas parece que as pessoas pensam: "Não tem como isso não ter sido feito por um cara".
Lembro de um show que fiz na Islândia, em 2007. Um concerto acústico em uma igreja, com metais e cordas. Eu organizei tudo e fui a diretora musical. Mas o pianista, a mídia e até alguns parentes meus me diziam: "Que produção bacana, que arranjo bacana". E eu ficava tipo: "Mas o que vocês acham que eu faço? Eu mesma faço meus arranjos".
Eu não costumava falar sobre isso, então acho que [essa percepção] era parcialmente culpa do patriarcado. De certa forma, eu estava escondendo e não tenho ideia do porquê. Talvez para fazê-los se sentir bem. Agora eu deixo claro! Eu disse em todas as entrevistas, tanto no "Vulnicura" quanto no "Fossora", que fiz tudo. Quando Arca entrou, já estavam lá. Ela fez o design de som e depois adicionou elementos percussivos. E isso também aconteceu em "Vespertine" com Matmos. Eu fiz aquele álbum ao longo de três anos, e eles vieram duas semanas antes de finalizar. Não sei, talvez eu precise me filmar fazendo uma beat, então as pessoas vão dizer: 'Ah, ela faz beats'".
Björk então deixa claro que isso não aconteceu com seus colegas músicos. Nem mesmo quando dava seus primeiros passos internacionais com o Sugarcubes: "Quando fizemos a primeira turnê fora da Islândia, eu tinha acabado de ter meu primeiro filho. Eu disse a eles que o levaria em turnê se tivéssemos uma babá, mas se ele não se encaixasse na rotina, eu voltaria. E eles, como fazíamos tudo juntos, pagavam a babá. Éramos uma família, todos iguais. Mas conversando com outras mulheres nessa mesma posição, nenhuma delas teve esse apoio".
Naquela época, ninguém sabia muito sobre a cena musical que nascia na Islândia. "Me lembro quando o punk chegou à Islândia! Parecia que cada pessoa tinha começado uma banda. Havia concertos todas as noites. Eu era um pouco jovem e os meninos dos grupos eram cinco ou dez anos mais velhos que eu, então eu era a garotinha que estava lá seguindo-os. Daí o primeiro selo independente foi fundado, e comecei a trabalhar lá de graça com 14 anos".
Na época, Reykjavik era uma cidade de 80.000 habitantes, mas o mundo estava cheio de possibilidades. "Com as plataformas de streaming, hoje é muito difícil ser musicista".
Em 2015, Björk tentou manter o "Vulnicura" fora do Spotify, mas desistiu. "A gente tem que escolher as batalhas que lutamos. Você já viu os números dessa plataforma? Acredito que as pessoas deveriam pagar mais pelo Spotify, que o Spotify deveria pagar mais aos artistas e que as gravadoras deveriam aumentar as porcentagens dos artistas".
Björk trabalha com a mesma gravadora desde os dias do Sugarcubes. Algo bastante incomum. Ainda mais considerando que sua gravadora, One Little Independent, é um modesto selo independente britânico. "São meus amigos! Derek Birkett, o proprietário, também é meu empresário. Ele é uma pessoa honrada. Temos um acordo 50/50, era assim que se fazia nos velhos tempos das empresas independentes. Derek é da família".
Agora que o mundo reabriu, Björk vai ficar na Islândia? "Sim. E acho que é hora de falar sobre a acidificação dos oceanos. A Islândia está indo muito mal nesse campo e será um dos lugares mais atingidos". Questionada se pensa em entrar na política, ela solta um olhar de surpresa e de forma divertida. A resposta é um ponto final: "Nunca".
- Entrevista para ICON do El País, publicada em março de 2023.
Foto: Vidar Logi.