"Depois dessa entrevista vou até uma loja de discos, onde costumava ir na adolescência, encontrar meus amigos do Sugarcubes. Celebraremos o álbum lançado e acho que só lá vou sentir o que isso significa", ela conta de Reykjavik, na Islândia.
Sobre um possível show no Brasil, ela diz ainda não ter planos concretos.
Folha - "Utopia" é seu décimo álbum. Você sente que é um marco da sua história?
Björk - Um pouco... O meu álbum anterior, "Vulnicura", foi tão dramático, mas a mixagem foi muito rápida. Com esse foi o oposto. Foi muito fácil escrever as músicas, mas quando a mixagem começou tudo demorou muito mais, então aquele momento de alívio e comemoração não chegava.
Folha - Você disse que "Vulnicura" foi o inferno e "Utopia" seria o paraíso. Qual é a relação entre os dois?
Björk - Acho que o arranjo de cordas de "Vulnicura" tinha muita gravidade e as letras são enfatizadas por essa narrativa do coração partido. Com "Utopia" fiquei muito atraída por flautas e sintetizadores que soassem como pássaros e coisas humanas. Eu queria imitar algo como a textura do ar com as flautas, bastante otimista.
Folha - E como isso se relaciona com o que está acontecendo politicamente no mundo agora?
Björk - Enquanto eu fazia tudo isso, um ano depois, Trump foi eleito, então foi muito estranho. Minha intenção pessoal com "Utopia" era a receita para um novo começo depois de eventos ruins, e isso pareceu um espelho para o que estava acontecendo na política. Então fiquei mais confiante que esse seria o ponto onde eu poderia exagerar, então ele se tornou não só sobre uma utopia, mas também sobre o que queremos que aconteça e o que realmente acontece, e como isso se mistura. A utopia é um sonho do que queremos, e se só metade disso se tornar realidade já é o suficiente. Pra mim é interessante como os seres humanos fazem isso acontecer, porque cada um tem sua maneira.
Folha - Parte de seus fãs dizem que seus trabalhos mais antigos, como o disco de estreia "Debut", "Homogenic" e "Vespertine" não precisam de tanto contexto para serem compreendidos quanto seus trabalhos mais recentes. O que você acha disso?
Björk - Discordo. Acho que eu poderia falar do "Debut" tanto quanto poderia falar do "Utopia". Acho que o que acontece é que antes você só falava com a mídia. Mas com certeza poderia falar muito de todos, especialmente do "Debut" e do "Post", fiz muita coisas neles, faço bem menos agora... Antigamente era muito diferente, agora a gente pode fazer muita coisa on-line e alcançar muita gente. Antes você tinha que viajar para cada país e conversar com cada jornalista pessoalmente. As ideias, o esforço e a importância sempre foram os mesmos.
Folha - Recentemente você acusou de abuso um diretor dinamarquês e a repercussão foi enorme. Como você se sente desde então?
Björk - Eu sou otimista. Há 17 anos, quando tudo aconteceu, jamais poderia falar qualquer coisa porque ninguém iria me levar a sério. Agora nós estamos vivendo uma revolução feminista e pessoas estão ouvindo quando mulheres falam sobre essas coisas. Acho que a minha contribuição foi contar minha história e eu espero que tenha ajudado. Eu venho de um país que tem um dos melhores índices de igualdade entre os sexos, tenho muita sorte de sempre ter feito minha música, ser independente, então quando saí de lá o contraste foi óbvio. Estou feliz que as coisas estejam mudando.
Folha - Considerando o que você disse anteriormente sobre a Islândia, você sempre pareceu estar acima de conceitos de feminilidade. A nudez, quando aparece em seus vídeos, não tem conotação sexual. Como você percebe a feminilidade e qual é a relação dela com o seu trabalho?
Björk - Essa é uma grande pergunta. Acho que grande parte é intuitivo... por causa do país onde cresci, ter vivido a geração punk, essa cena em que as pessoas usavam roupas largas como uma negação do sexo. Trabalhei por dez anos, na adolescência, em bandas só com meninos, e nunca fui tratada diferente. Acho que sou realmente abençoada por vir de um país em que essas coisas são saudáveis, então muito disso é natural pra mim, não é calculado. Com certeza notei uma diferença muito grande quando comecei a viajar para outros países, comecei a perceber a estrutura do patriarcado e isso me pegou de surpresa, eu não conseguia entender.
- Folha de São Paulo, 28 de novembro de 2017.
- Entrevista: CLARISSA WOLFF // JOÃO VITOR MEDEIROS.