"Vulnicura" trata o fim do seu casamento e você disse que seu novo álbum é também sobre estar apaixonada. Você acha que sua música é mais biográfica hoje em dia?
Não, acho que é a mesma de sempre, parcialmente biográfica. A magia da música pop é sobre como é fácil acessar esse sentimento universal. Por exemplo, se quisesse escrever uma música sobre gratidão, poderia criar o primeiro verso do ponto de vista de um amigo. O segundo, de uma nação inteira, e o terceiro, do meu próprio. E ainda assim a faixa seria coesa e todos os três versos se aplicariam a todos os pontos de vista. Às vezes, escrevo uma música de amor sobre um país e as pessoas a tomam como inspirada em uma pessoa, e vice-versa.
"Utopia" é o seu novo disco. Seu processo criativo muda a cada álbum?
Em geral, acho que não mudou muito. Tenho um ritmo lento, em que escrevo uma música por mês ou a cada dois. São aproximadamente oito faixas por ano. Isso quase não muda, qualquer que seja o meu humor ou a situação. O que altero é a instrumentação. Arranjei coros para "Biophilia", cordas para "Vulnicura", flautas para esse álbum e assim por diante. São processos muito diferentes para arranjar, ensaiar e gravar. No entanto, cerca de 80% do meu trabalho é a edição: eu, sentada no computador, editando batidas, vozes e instrumentos. Cada música por levar meses só para ser finalizada.
O que aprendeu sobre você mesma depois de ver sua carreira em retrospectiva na exibição do MoMa e lançar um livro este ano com partituras? Isso deu uma nova visão sobre o seu trabalho?
Talvez o mais generoso da retrospectiva do MoMa foi ver o fio condutor, o quanto usei máscaras. Definitivamente, isso inspirou a mim e a James Merry a levar tudo ainda mais longe. Talvez tenha visto no livro que tenho algum tipo de DNA nos arranjos que fiz ao longo dos anos.
A colaboração com outros artistas parece ser uma ferramenta essencial no seu processo criativo. O que você acha que Arca, produtor dos seus últimos discos, trouxe para a sua música?
Em boa parte do tempo que dedico aos meus álbuns, sou eu fazendo a minha edição solitária e trabalhando as melodias. Provavelmente, não falei tanto sobre isso antes e queria manter segredo. Mas, como sempre e em tudo, sou muito atraída pelos extremos. Então, nas poucas vezes que colaborei, fui fundo e dei 100% de mim. Arca trouxe um entusiasmo incrível e uma conversa musical festiva. Tem sido tãããão divertido!
Você sempre parece antecipar o futuro, procurando interagir com as novas tecnologias. É algo que lhe persegue conscientemente?
Acho que grande parte do que eu faço é conservador. Como uma vocalista, minha voz não muda tanto. É quase a mesma por toda a minha vida. E como islandesa continuo muito interessada na natureza do país e ainda vivo cercada pela maioria dos meus amigos e familiares desde a infância. Tudo isso me dá impulso e curiosidade para desejar o futuro, querer sentir o momento e estar em sintonia com ele. Isso provavelmente encoraja meu apetite por isso.
Você atua em quase todos os aspectos artísticos de sua carreira. Isso é algo natural para você?
Agora é. No começo não. Primeiro, só queria cantar com os pés descalços e sem palavras. Alguns anos depois, adicionei letras. Mais para a frente, passei a usar sapatos. Depois, incluí a parte visual, arranjos e assim por diante. Tem sido um processo muito lento e gradual, como o curso mais longo de todos os tempos.
Recentemente, você mostrou apoio aos catalães que votaram a favor de se separar da Espanha. Você acha que há falta de engajamento político na música hoje em dia?
Não. Celebro a diversidade e acho que todos devem fazer o que é natural, especialmente os músicos. Venho de uma nação de pouco mais de 300 mil habitantes, que declarou independência há 74 anos. No início, todos diziam que nunca sobrevivíamos. Simpatizo especialmente com nações que não conseguiram manter seu idioma. Falar islandês era uma forma importante de dignidade, identidade e independência para nós nos 600 anos em que fomos uma colônia (da Dinamarca).
Você esteve no Brasil quatro vezes. O que você lembra dessas viagens?
A praia no Rio de Janeiro, o Carnaval em Salvador e o show do Milton Nascimento. Vivi momentos mágicos!
O que você está escutando recentemente?
Amo Kelela, Serpentwithfeet (projeto do norte-americano Josiah White), Anohni, Jurg Frey e Arca. Acho que a música está extremamente fértil, as jovens gerações são genuinamente criativas e essa é uma das razões pelas quais não estou preocupada com o futuro. Os humanos e a natureza sempre encontram um caminho.
Por Bruna Bittencourt.
Entrevista concedida por e-mail à revista Elle Brasil, novembro de 2017.
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