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Membros da equipe de Cornucopia falam sobre trabalhar com Björk

Foto: Harley Weir

Anunciado como o show mais elaborado show de Björk até hoje, Cornucopia é talvez o mais próximo que o público consegue entrar no mundo da artista islandesa, com elementos visuais, instrumentos sob medida, trajes de outro mundo e sua bela música. Todos os motivos que viraram tradição no trabalho dela ao longo dos últimos 42 anos. 

As colaborações sempre foram uma parte essencial na materialização da visão de Björk. O novo espetáculo reúne várias mentes criativas. Para a Dazed, os membros da equipe do projeto falaram sobre como é trabalhar em uma produção como essa. 

- Como você começou a trabalhar com a Björk?

serpentwithfeet, músico: Ela lançou o álbum Utopia, que tem Blissing Me na tracklist, e me pediu para fazer um remix. Obviamente, fiquei honrado. É a minha música favorita do disco. Eu queria que essa canção parecesse como as nossas conversas. Muitas vezes, falamos sobre homens, tomamos café ou saímos para almoçar juntos. Eu queria que o remix fosse tão fácil quanto a nossa amizade.

Bergur Thorisson, diretor musical: Na verdade, recebi um telefonema do tipo: "Ei, você está disponível para trabalhar com a Björk amanhã?" e eu fiquei: "Uau, claro, eu provavelmente posso mudar as coisas (na minha agenda)". Ela veio até mim, em 2016, e disse que queria algumas flautas. Eu disse: "Claro, quantas flautas você quer?" e ela: "Podemos conseguir 12 garotas islandesas que tocam flauta profissionalmente?". Existem umas 300.000 meninas morando aqui na Islândia, então essa foi uma tarefa bem difícil, mas consegui encontrar 12 para o álbum, e fizemos vários ensaios em uma cabana. Foi uma experiência muito bonita. Björk criou a música mais linda para todas elas, e aí ensaiamos e gravamos. Nós chamamos esses encontros de "flautas às sextas-feiras". Em meio a isso, íamos à padaria. Um tempo depois, fizemos algumas experiências com um número menor de flautistas, e acabamos achando que sete era a quantidade perfeita para a turnê, o Viibra.

Manu Delago, percussionista: Isso já faz nove anos! Ela me viu no YouTube e entrou em contato comigo. Gravei para o Biophilia, depois no Vulnicura, e desde então toco bateria e percussão na banda dela.

- Como Björk abordou você em Cornucopia?

serpentwithfeet: Ela me disse que iria fazer aquele show no The Shed um ano antes de acontecer. Me perguntou se eu estaria disposto a participar, e respondi: "Seja o que for, conte comigo, não vou estar ocupado". Ela então sugeriu cantarmos Blissing Me juntos. Fiquei honrado, lisonjeado e aterrorizado, porque é alguém de quem sou admirador desde criança. Sabe, ser capaz de tocar naquele novo local por nove noites, eu realmente não conseguia tirar isso da minha mente.

Manu Delago: A partir da Utopia Tour, por isso foi um passo natural. Essa é uma versão ao vivo estendida daquele show, mas é de longe o espetáculo mais visual e coreografado dela. Antes, eu vestia roupas normais e agora estou usando ternos de grife. É um mundo totalmente diferente com coreógrafa, cenógrafa e a diretora. 

Shane Myrbeck, arquiteto: Tudo começou com um e-mail engraçado do Derek Birkett, empresário dela, que me disse que ela queria uma sala móvel acústica para cantar sem as tradicionais mixagens de palco. Ele descreveu a ideia como uma câmara acústica retrabalhada. E a partir do momento em que recebi esse e-mail, pensei: "Isso é incrível", porque é bem distante (do que vemos na realidade). Fazer uma turnê com uma cabine de reverb como peça de teatro é algo sem precedentes! 

- Como ela descreveu a cabine de reverb?

Shane Myrbeck: Na verdade, em muitos dos antigos estúdios de gravação, antes que eles tivessem qualquer processamento de efeitos digitais e etc, haviam essas cabines em uma espécie de porão, salas completamente feitas de pedra (para preservar o som). Essa é a forma mais analógica e acústica de uma gravação. Foi meio que a nossa premissa. Eu achei a ideia de levar isso para o palco uma coisa realmente adorável. Imagine receber um e-mail desse!!! É claro que a gente deve imediatamente dizer: "Sim, é claro que é possível". 

- Fale para a gente sobre o coral Hamrahlid, que tem 50 integrantes. 

Bergur Thorisson: Na verdade, eu costumava estar naquele coral, e a Björk também. É um coro lendário que já existe há 50 anos, com a mesma maestrina. Uma mulher incrível, assim como Björk, que tem esse poder sobre as pessoas. Ela sabe imediatamente o que quer fazer. Tive experiência em trabalhar com o coral, por isso foi uma espécie de navegação tranquila. Mas, é claro, estávamos levando 50 jovens integrantes em turnê. Quando fomos para Nova York, tivemos apenas um mês de aviso prévio (pela logística do espetáculo). Foi preciso comprar passagens, e eles tiveram três dias para decidir se iam ou não. É claro que não é o ideal para uma produção como essa, mas quando tudo é tão de última hora todo mundo está em alerta, e é aí que a verdadeira mágica acontece. Os shows começaram em maio, quando muitos membros da escola do coral iam fazer provas. Pensamos: "Provavelmente vamos conseguir que apenas dez deles aceitem", mas quase todos participaram. Fizeram suas provas na embaixada em Nova York e, devido à diferença de horário, tinham que aparecer no meio da noite. Estudavam entre os shows! Foi lindo ver o quanto realmente queriam fazer isso. E ele se divertiram muito nas apresentações!

serpentwithfeet: Uma das coisas mais notáveis foi que ela pediu que a diretora do coral dela, sua ex-professora, reunisse o grupo de jovens. Eu acho que é realmente poderoso incluir algo do passado dela no presente. Penso que é uma coisa muito feminina, estar constantemente pensando em inclusão, e constantemente abrindo espaço para todos os seus diferentes 'eus' ao mesmo tempo. Isso é algo que as mulheres tiveram que exercer e os homens esquecem de fazer. Eu realmente gostei de ver essa dinâmica! 

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"Estou tão incrivelmente agradecida que o coral Hamrahlíð e sua maestrina þorgerður Ingólfsdóttir puderam sair em turnê comigo. Eu estava nesse coral aos meus 16 anos, e acho que todos os músicos islandeses que vocês já ouviram falar foram criados e musicalmente batizados por essa mulher milagrosa. Ela é uma lenda na Islândia e, nos últimos 50 anos, tem mantido o otimismo e a luz nesse período tumultuado que é a adolescência. Ela também incentivou e ajudou a criar dezenas de músicas de corais de todos os compositores mais importantes da Islândia por meio século. ⁣⁣Estou absolutamente honrada! Com amor e respeito, Björk" - Björk em post nas redes sociais, novembro de 2019".
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- Fale sobre os instrumentos que você desenvolveu para o show.

Manu Delago: Tudo começou na minha banheira, basicamente. O instrumento que toco é chamado de Calabash, uma espécie de cuia do Mali (na África Ocidental), mas nós o desenvolvemos, então não estou apenas tocando uma peça, mas sim cinco! Tudo flutuando em um tanque, tocando percussão na água, que fica espirrando bastante. Apresentei essa ideia na minha casa, na banheira. Eu fiquei do lado de fora dela, e os instrumentos dentro. Filmei com o meu iPhone (e mostrei para ela). Obviamente, precisava de mais espaço, não é algo que podemos executar facilmente. O próximo passo foi encontrar, no período de ensaios, algum material para tentar criar uma coisa semelhante. Usamos até aquelas caixas simples de plástico de organizar objetos. Enchemos aquilo d'água e, em seguida, a cenógrafa desenvolveu um tanque específico que se encaixou no design geral de Cornucopia

Viibra: No outono de 2018, quatro de nós estávamos envolvidas em um projeto centrado em flautas circulares. A ideia por trás deste instrumento consiste em quatro flautas interconectadas, criando um espaço acústico para o público dentro deste círculo. Contamos para a Björk sobre isso e ela mostrou grande interesse em incluí-lo em Cornucopia . Depois de trazê-lo para um ensaio, não deu outra, se encaixou perfeitamente em Body Memory. Björk fica posicionada no centro enquanto tocamos essa música no show, e assim, ela se torna parte do público enquanto é a intérprete, óbvio. Adoramos o fato de que, no show, a flauta fica voando bem em cima antes de começarmos essa performance. Nos sentimos muito interconectadas enquanto a tocamos.

- Vocês tem alguma história engraçada para compartilhar conosco?

serpentwithfeet: Nós nos divertimos muito! Nós dois rimos bastante enquanto estávamos juntos. Isso para mim foi o mais engraçado. Não foi uma performance falsa, mas uma extensão da nossa amizade. Foi muito divertido cantar sobre homens para uma sala de 1.200 pessoas todas as noites, em Nova York. 

Bergur Thorisson: Ela começou a falar: "Nós vamos ter uma coreógrafa e vamos dançar", e fiquei tipo: "Você já encontrou sete flautistas islandesas que estão prontas para sair em turnê, e agora quer que elas aprendam as canções e ainda dancem ao mesmo tempo? Sentamos com elas para dar a notícia e elas falaram: "Ok, podemos memorizar as músicas, mas os passos não podem ser tão complicados". O que elas estão fazendo agora é uma rotina completa de dança. Não é algo fácil, é absolutamente insano! 

Viibra: Apesar do fato de termos muita experiência como flautistas de música clássica, sair em turnê em um cenário como esse é novo para todas nós. Foi um pouco hilário nos observar tocando como se não houvesse amanhã e "acostumadas" a compartilhar o palco com uma estrela pop icônica como Björk. E ainda por cima dançando, algo que nenhuma de nós tinha experiência profissional! Um destaque engraçado para a gente nessa experiência foi receber elogios sobre nossa dança diretamente do Childish Gambino

- Algo deu errado?

Viibra: Quando tocamos em um show da Utopia Tour ao ar livre, em Roma, acabamos esperando por uma hora usando nossas fantasias e segurando as flautas, do lado de fora do lugar, no meio de uma tempestade. No final, o exército italiano nos informou que era inseguro prosseguir com o espetáculo nessas condições climáticas, mas felizmente tudo foi remarcado um mês depois e realizamos com sucesso. 

Shane Myrbeck: Lembro que na noite de abertura, a performance dela foi tão elaborada, quase um ensaio geral! Mas quando ela subiu as escadas até o palco, pudemos perceber que ela parou por um instante. Mais tarde, na festa de comemoração, conversamos e ela disse: "Quando eu ia entrar no palco, percebi que não conseguia subir as escadas. O vestido estava limitando os meus movimentos. E eu tinha pensado em tudo! Calibrei todo o mapeamento das projeções, arranjei esses canhões loucos eletrônicos de 10 metros, a percussão com água, a cabine de reverb, e nunca pensei em experimentar o vestido. Imaginei que, de todas as coisas que dariam errado, não seria a minha roupa!". 













Fotos: John Vial.
 
- Descreva sua experiência em Cornucopia.

serpentwithfeet: Sempre eletrizante! Vê-la começar o show dos bastidores e ouvir as pessoas gritando durante suas músicas favoritas... Eu particularmente amo Hidden Place, uma canção que realmente me impressionou quando criança. Ouvi-la em um novo arranjo para o coral me deixou chocado. 

- Com o que a Björk gosta de trabalhar?

serpentwithfeet: Ela é realmente ótima em dar espaço para as pessoas serem a melhor versão de si mesmas. Uma artista do tamanho dela, que fez um trabalho tão lendário, poderia muito bem flexionar de certa maneira e pedir aos seus colaboradores que fossem menos dinâmicos e que seguissem uma regra específica, mas nunca foi assim! Não houve um caminho prescrito para mim, ela me deu muito espaço para eu fazer o que eu queria. É realmente aterrorizante! Novamente, ela é alguém que eu admiro desde sempre. Isso tudo me ensinou que, mesmo chegando a esse nível de reconhecimento na carreira, não precisamos nos tornar pessoas rudes e paranoicas. Ela poderia ter pensado: "Quem é esse cara que está se apresentando no meu show? Eu preciso saber exatamente o que ele está fazendo". E eu estava assim: "Então, eu vou ficar do seu lado enquanto cantamos essa música!?". Ela me deu tanto espaço, tantas opções. Foi tão generoso da parte dela! Essa experiência está gravada em minha memória para sempre. 

Viibra: Björk é uma pessoa única e calorosa. Ela tem uma capacidade incrível de tirar o melhor proveito de todos com quem trabalha. É incrivelmente criativa e oferece um espaço seguro para que seus colaboradores também sejam. 

Manu Delago: Quando a equipe (do show) cresceu, ela se aproximou um pouco mais, juntamente daqueles que sempre estão perto dela, como James Merry e sua filha. Mas quando todo mundo quer um pedaço seu, é normal ficar cada vez mais introvertido e busca sua privacidade de uma maneira.

Shane Myrbeck: Ela tem o dedo dela em tudo! O medo seria que uma pessoa nessa posição fosse muito controladora, mas ela é incrivelmente colaboradora. Foi uma alegria descobrir isso. Björk estava muito disposta a ouvir ideias e a ser influenciada quando se podia trazer um bom resultado. 

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Comemore o aniversário de 54 anos da Björk assistindo aos episódios legendados da nossa Websérie, que narra a trajetória dela na música. Para conferir, clique AQUI.


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