Foto: Santiago Felipe |
Nos bastidores da turnê Cornucopia na Europa, o artista visual Tobias Gremmler conversou com a Dazed e falou sobre a nossa percepção de beleza e a relação disso com a natureza, uma das fontes de inspiração desse espetáculo.
Gremmler iniciou sua carreira como artista e designer de mídia no início dos anos 90. Desde então, ele tem testemunhado e tem sido uma parte essencial do caminho que fez com que a tecnologia superasse nossa capacidade de criar além das restrições físicas, trabalhando em teatro, música, produção digital, cinema e muitas outras áreas. Para Björk, ele criou videoclipes para duas faixas do álbum Utopia (2017), Tabula Rasa e Losss, que projetam a profunda conexão dela com a natureza. Além disso, assina os visuais de Arisen My Senses, Body Memory e Future Forever em Cornucopia.
Em Tabula Rasa, Gremmler transformou Björk em um organismo natural flutuante com pétalas no lugar de seus membros, enquanto ela flutua harmoniosamente entre diferentes formas. A referência também se dá ao conteúdo da canção, acreditando que seriam as ideias inatas do homem quando só tinha o mundo natural. Já em Losss, narra as muitas dualidades de uma única pessoa, o interior e o exterior, o pessimista e o otimista. A essência de ambos os clipes nos permite refletir sobre tais filosofias da vida em torno da metamorfose, a nossa relação com dimensões além de nossa compreensão.
- A natureza é o tema-chave do seu trabalho. Por que você acredita que é algo tão importante para nós como seres humanos?
É um aspecto muito importante, porque se não tivéssemos natureza não estaríamos aqui. Para esses vídeos, eu estava tentando incorporá-la ao campo digital usando algoritmos para criar um visual que também aparece na natureza, como certos elementos de movimentos. É por isso que são vistos de uma maneira muito orgânica. No primeiro deles, foi como misturar uma planta ou uma flor com uma forma humana. Também há um certo nível de imprevisibilidade no processo, não é apenas um procedimento criativo totalmente controlado, existem elementos que agem por si mesmos no caminho. São algoritmos computacionais, mas basicamente feitos de coisas que podemos encontrar na natureza e traduzir em formas e funções digitais.
O segundo vídeo apresenta duas das mesmas faces. Registramos cada um dos rostos separadamente e depois os unimos. Um dos elementos mais importantes desse clipe é que em um determinado momento, a cara dela desaparece, e só podemos enxergar a estrutura externa, que se parece uma máscara, algo que a Björk também usa bastante. Em minha pesquisa sobre máscaras, descobri como certas culturas as usam para refletir a realidade interna. Na cultura da arte ocidental, se queremos registrar um ser humano em particular, tiramos uma foto, enquanto em outras culturas os seres humanos são representados de uma maneira que não se materializam características reconhecíveis específicas, eles tentam criar uma máscara que destaque aspectos internos, olhando o retrato de dentro para fora, algo que eu estava tentando integrar no visual de Losss.
Em algumas culturas, as máscaras são usadas para esconder, mas em outras para revelar algo que está oculto. Um rosto normal pode não refletir os sentimentos internos de alguém, mas uma máscara pode refletir o estado interior. Foi realmente interessante brincar com esse paradoxo. Estou mais interessado em projetar essas personalidades. É a ideia que tenho ao criar personagens virtuais.
- Como você acha que a natureza molda nosso entendimento de estética e beleza?
A natureza molda nossa compreensão da beleza em quase cem por cento, porque somos formados por ela, e o que percebemos é basicamente o que aprendemos a perceber da natureza. Nossos elementos receptivos contemporâneos entraram em nosso 'vocabulário' relativamente apenas mais tarde; por exemplo, alguns milhares de anos atrás, não víamos muros de concreto ou qualquer paisagem urbana, mas a vegetação, os animais, o céu, os lagos... É importante mantermos uma certa empatia em relação à estética natural, porque é daí que viemos e é do que dependemos se queremos sobreviver corretamente, porque sem a natureza não sobreviveremos. Não podemos sobreviver isolados em ambientes urbanos.
- Como você define beleza e estética?
Me lembro que eu e a Björk tivemos algumas discussões sobre o que é beleza ou como a percebemos. Por exemplo, por que percebemos que certas flores, como uma orquídea, são muito bonitas? Para mim, a orquídea tem uma estrutura muito refinada que tinha um propósito específico na evolução para atrair insetos ou camuflá-los. Esses padrões que emergem dessa estrutura ou de tais interações com o meio ambiente são, na minha opinião, muito delicados, e o que eu percebo como beleza. Mas, para mim, elas não são bonitas no sentido de decoração, são mais bonitas no senso de propósito.
Essas estruturas ditam como as flores se comunicam com outras formas de vida. Cada obra de arte tem um propósito diferente, e esse objetivo talvez seja beleza ou um conceito político e social. Dependendo da intenção, a estética pode mudar. Acredito que tudo é sempre baseado na percepção e no contexto.
- Qual a importância da metamorfose para a beleza e a compreensão de nós mesmos como seres humanos?
Quando a gente pensa em personalidade, na maioria dos casos não é algo fixo, sempre muda. Às vezes, alterna entre extremos diferentes ou, em outros casos, entre outros elementos. Penso que, para definir um estado emocional é preciso mudar. Existe um ditado que diz que a diferença faz a diferença, que algo só pode ser visto da perspectiva de uma certa mudança nas diferenças. É por isso que, para mim, o aspecto da transformação é muito importante, porque se algo começa a se transformar em outra coisa, o estado inicial fica mais claro.
A beleza tem um significado para cada um. No campo da arte, existem tantos temas, pessoas e níveis distintos, e todos têm suas preferências sobre o que é isso. Até tentam evitá-la ou defini-la de uma maneira diferente.
Arte: Tobias Gremmler |
- Com todos esses avanços tecnológicos, onde podemos melhorar diferentes partes da nossa aparência, especialmente online e na mídia, como você acha que isso mudou nossa percepção de ser humano?
Há um certo ciclo de feedback entre o mundo digital e o mundo real. No momento, está acontecendo mais em nível social, no qual a comunicação e a sociedade são afetadas rapidamente. É por isso que as pessoas usam essas ferramentas com tanta frequência. Não é que estejam querendo se tornar personagens virtuais, com formas diferentes que possam afetar a si mesmas na realidade. Se for esse o caso, talvez tenha um certo efeito na percepção do real, mas, como é raro, até agora não acho que tenha um forte impacto além de provocar a imaginação. É mais um gatilho para isso. Eu diria que é um impacto sobre a forma como alguém se vê. Na verdade, acho que a moda tem um impacto muito mais amplo na sociedade do que os gráficos virtuais.
- Sendo a natureza sua maior inspiração, você tem alguma opinião sobre as mudanças climáticas?
Precisamos entender que existe apenas este planeta e, se estragarmos tudo, não há outro lugar para onde possamos ir. É uma questão de sobrevivência, as pessoas devem tomar consciência disso. Além do mais, este é um planeta bonito e temos uma natureza linda. É triste ver que nossos valores são colocados em níveis comerciais, que não são tão importantes e são menos atingíveis que a natureza. Para preservar nosso planeta e sobrevivermos, um ambiente saudável deve ser nossa maior prioridade.
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Para o site Deezen, em dezembro de 2019, Chiara Stephenson, cenógrafa de Cornucopia, contou:
"Uma coisa muito importante que a Björk sempre me dizia, é que, às vezes, ela queria cantar como se estivesse sussurrando bem no ouvido de cada membro da plateia, mas em outras ocasiões, de maneira muito distante e épica. Ela é uma pessoa muito introvertida e tímida, além de muito dramática. Então, tivemos a ideia de ter 'camadas' (com a cortina) no palco que pudessem envolvê-la, lhe dar privacidade, e em alguns momentos se abrisse para revelá-la. O que também criou um um pouco de mistério.
Os cenários de shows costumam parecer muito grandes e brutais. Nosso objetivo era fazer com que o palco de Cornucopia, parecesse delicado e até um pouco frágil. No teatro, muitas vezes as coisas são feitas sem esse tipo de limitação em mente.
Com os músicos, por exemplo, a presença de várias plataformas, permite que se apresentem de maneira mais criativa do que seria se tivessem um local marcado.
Bruno Poet, o designer de iluminação, é uma lenda viva no mundo do teatro. Ele sempre traz consigo a delicadeza teatral, que muitas vezes falta nos concertos de rock.
Nós começamos olhando a natureza, e essa coisa de apreciá-la de uma forma tão minúscula, que ao ampliarmos as imagens, vemos que a textura de cada elemento se parece com várias paisagens épicas".