Naquele ano, Björk havia lançado Vespertine. Por e-mail, ela conversou com o jornalista Bernardo Araújo. O bate-papo foi divulgado em 24 de Outubro de 2001. Confira a transcrição completa dos depoimentos da artista:
"Sou um pouco egoísta. Faço o disco que quero e sempre acabo surpreendida pela boa reação das pessoas. É claro que certos álbuns tem mais apelo para algumas delas, mas gosto disso. Para mim, parece que ocupo um espaço maior assim.
A minha turnê está indo ridiculamente bem. É um risco enorme quando se viaja com tantos músicos (74 no total). O grupo se centraliza em mim, Zeena Parkins (harpista) e o duo Matmos (programação e beats). Formamos uma essência muito forte. Todos ficam à vontade".
Sobre E. E. Cummings: "Numa das canções, Sun In My Mouth, apenas musiquei os versos dele, que encontrei em uma livraria. Suas palavras me fizeram gostar da humildade eufórica, um estado de espírito que me fascina. A maioria das coisas que causam euforia, acabam se tornando grandiosamente eloquentes, mas não no que ele escreveu, pois permaneceu sempre humilde".
Björk fez elogios ao produtor brasileiro Eumir Deodato, e explicou a decisão de não convidá-lo para Vespertine: "Acho que estava procurando alguém que pudesse orquestrar meus arranjos de maneira a construir uma textura. Eumir é muito melódico, o que é maravilhoso, mas neste álbum eu queria que as cordas desempenhassem um papel mais distante, de uma textura panorâmica".
O jornalista escreveu: "Em geral, Björk mostra-se simpática e atenciosa, mas algumas perguntas mereceram apenas respostas lacônicas. Sobre seu crescente distanciamento da música eletrônica dançante, que está sendo substituída pelo som mais reflexivo e melódico, ela é, digamos, curta e grossa: "Não concordo!". Questionada qual seria sua definição para o gênero musical que vem desenvolvendo, disse: "Música Pop"".
Quanto a fazer novos trabalhos como atriz, a islandesa explicou: "Em algum momento posso voltar a compor para o cinema, mas atuar nunca mais". O filme Dançando no Escuro havia sido lançado no ano anterior.
Até a data da entrevista, Björk tinha vindo ao Brasil duas vezes. Nas turnês de Post (1996) e Homogenic (1998). Ela contou que memórias tinha do nosso país: "Eu me lembro do gosto de pão de coco e de uma ilha com lagartos do tamanho de gatos", se referindo a uma localizada na região de Angra dos Reis, para onde seguiu depois de participar do Festival Free Jazz. "Tive uma fase musical brasileira, entre 1994 e 1995, tentando entender como um país do Segundo Mundo, além da Islândia, lidava com a tradição de orquestras de cordas alemãs e francesas", completou.
Na época, disse estar ouvindo mais a obra de Erich Korngold, um compositor clássico techno, que também escreveu muitas trilhas sonoras para Hollywood.
Durante a conversa, também falou sobre o 11 de setembro: "Tudo aquilo me fez reavaliar o que é ser islandesa, onde estamos em relação à civilização ocidental".
Curiosidade: O jornal impresso acima aparece em uma das cenas do seriado Os Normais, com os lendários Rui e Vani.
Arquivo: Jean Azevêdo.
Fotos: David Sims/Reprodução.