Em 8 de junho de 1986, o Sugarcubes surgia na Islândia, bem no dia do nascimento do 1º filho de Björk. O grupo musical deu projeção internacional para a artista. Eles lançaram três discos e estiveram em atividade até 1992. Em 2006, a banda se reuniu pela última vez para uma apresentação, em Reykjavík.
Os integrantes já tinham formado projetos de música punk ao lado de Björk. Inicialmente, eles desenvolveram o selo Smekkleysa (Bad Taste), com o lançamento de uma série de projetos musicais e literários.
Na intenção de conseguir dinheiro para a criação dessas obras, os membros perceberam que precisavam de uma ferramenta que chamasse a atenção do grande público. A partir disso, tiveram a ideia de formar uma banda:
"A gente se divertia! A música era algo secundário, então não tínhamos essa grande ambição musical de ser algo brilhante. Tivemos a chance de viajar o mundo e ver como outras bandas funcionavam, o que me ensinou muito. A fama não estava nos nossos planos, mas ao mesmo tempo nós gostamos. Foi um acidente feliz.
Nos apoiaremos até a morte. Somos os críticos mais duros uns dos outros. Tipo, se eu mostrar o meu disco para o baixista, é capaz dele me dizer que está uma porcaria, sabe? Ele também me manda a sua poesia" (Björk).
A empresa permanece em funcionamento e contribui de forma grandiosa na cultura da Islândia, auxiliando principalmente artistas locais interessados em atuar fora da curva do mainstream, uma das premissas do projeto.
Assim, foi possível que o caminho estivesse melhor pavimentado do que aquele que os integrantes do selo, incluindo Björk, percorreram. No começo, eles encararam de frente o conservadorismo e a preferência de parte do público local apenas por aquilo que é estrangeiro.
No período em que esteve em atividade, o Sugarcubes sempre deixou claro a que veio. Por esse motivo, o término da banda não foi um grande drama, tampouco a decisão de Björk seguir em frente sozinha. Continuam grandes amigos.
Em diversas entrevistas, antes e depois do grupo, explicaram que administram o selo com o propósito de ajudar na criação de uma identidade própria no local em que nasceram. E conseguiram! Tudo isso ao lado da comunidade artística de lá, organizando festivais, gravando álbuns, publicando livros e até abrindo uma loja de discos, que se tornou um espaço importante para artes na região e para o turismo.
É comum que Björk faça DJsets na Smekkleysa. Se algum dia você visitar a Islândia, não esqueça de dar uma passadinha por lá.
"Björk sempre teve uma relação especial com a música dela. E desde cedo já era muito criativa. Tocava flautas, xilofones e teclados, mas nunca guitarras ou instrumentos com cordas. Era uma ótima baterista. O ritmo era algo importante para ela.
Cada um até podia trazer uma ideia para novas canções nos ensaios, mas nunca uma música inteiramente pronta. Todos tinham que contribuir. Era assim que escrevíamos.
Mas depois ficou evidente para todos nós que Björk precisava de outra saída para explorar sua criatividade. Até tentamos fazer Human Behaviour juntos, mas não deu certo com os instrumentos. Ela era seu próprio coletivo" (Sigtryggur Baldursson, baterista).
Quer saber mais? Cada uma das fases do grupo está documentada em nossa websérie. Os vídeos legendados já estão disponíveis; nos episódios 2, 3, 4, 9 e 10. Para conhecer, basta clicar AQUI.
Fontes: Raw, Uncut Magazine e o site oficial da Smekkleysa.
Fotos: Divulgação/Reprodução.
MATERIAL BONUS - A História da Bad Taste:
De certa maneira, as raízes da Smekkleysa (Bad Taste) estão na transmissão final do programa de rádio islandês Áfangar (Stages). Os apresentadores, Ásmundur Jónsson e Gudni Rúnar Agnarsson, veicularam canções que inspiraram os jovens da região, entre 1975 e 1983. Na última edição, em julho de 1983, os dois reuniram um “supergrupo” de músicos que sentiam que representava os elementos mais interessantes da cena musical que tomava conta da Islândia.
Os escolhidos foram Björk Gudmundsdóttir da banda Tappi Tíkarrass; Einar Örn Benediktsson do Purrkur Pillnikk; Gudlaugur Óttarsson e Sigtryggur Baldursson do Theyr; Birgir Mogensen do Killing Joke; Einar Melax e Thór Eldon do Fan Houtens Kókó e do Medúsa. Como era para ser algo único, a banda ainda não tinha nome, mas logo depois foi tomada a decisão de continuar o projeto agora intitulado KUKL.
Em seus três anos de atividade, o Kukl lançou o single Söngull e dois LPs, The Eye e Holidays in Europe, que também recebeu o nome de The Naughty Naught.
A banda se apresentou por toda a Europa com recepção positiva, mas a música foi considerada "sombria, complicada e difícil de digerir". Os indivíduos que formaram o Kukl tinham mais em comum do que o desejo de escrever e tocar músicas inovadoras. A maioria deles estavam ligados a atividades culturais fora da cena musical. Assim, o grupo passeou pela literatura, arte, teatro e o cinema. O objetivo era criar uma base cultural que fosse autossuficiente, que prosperasse sem o apoio do estado ou da mídia de massa. Daí nasceu a Bad Taste.
Em março de 1985, Sjón fez um discurso em uma conferência para estudantes de literatura na Universidade da Islândia. Lá, ele afirmou que a poesia havia encontrado um novo lar, longe das editoras e no submundo dos livros baratos vendidos nas ruas e nos cafés de Reykjavík. O centro de cópia Letur era o ponto de encontro de poetas, que traziam seus trabalhos prontos para a impressão e circulação, recebendo um serviço de primeira classe por preços bem mais razoáveis de Sigurjón Thorbergsson e sua equipe. Quando a Letur foi forçada a encerrar suas operações em 1983, já estava atuando por cerca de uma década, tendo lançado muitas obras clássicas.
O cenário musical era próspero e as primeiras gravadoras independentes foram criadas em 1981. Com a chegada da Alfa, pequena fábrica de prensagem instalada na cidade de Hafnarfjördur, tornou-se uma "brincadeira de criança" produzir e gravar material musical sem envolver gravadoras, com baixo custo. O Studio Mjöt costumava encorajar artistas que as "respeitáveis" gravadoras não queriam tocar.
Uma das gravadoras independentes mais ativas foi a Gramm, lar de Purrkur Pillnikk. Era dirigida por Ásmundur Jónsson e Einar Örn, junto com Dóra Jónsdóttir e Björn Valdimarsson, e a maioria dos futuros Sugarcubes trabalharam lá em algum momento. Sua loja de discos ficava em um beco perto da principal rua comercial, Laugavegur, no centro de Reykjavík, e tornou-se o refúgio para aqueles que lançavam material copiado às suas próprias custas, fossem livros, fitas cassete ou discos em pequenas tiragens. Sim, era punk e poesia. Thór Eldon, Sjón, Einar Melax, Ólafur Engilbertsson e Jóhamar estavam todos no grupo Medúsa, que lançou livros de poesia fotocopiados e cassetes, 29 títulos ao todo, de 1979 a 1986. Bragi Ólafsson e Einar Örn estiveram em Purrkur Pillnikk, que não só lançaram seus próprios materiais em 1981, mas que também publicaram livros de poesia que estavam entre os primeiros itens publicados por Bad Taste.
Björk publicou um livro de poesia com seus próprios desenhos, Um Úrnat (magistralmente mal traduzido pelo Dr. Gunni sob o tíulo: "Como usar um relógio"!). Tudo em uma pequena tiragem, em 1983. Thór lançou sua primeira coleção de poesia em 1983, que foi ilustrado por Björk. Em 1985 ele lançou um livro de poesia com arte de Margrét Örnólfsdóttir, e ainda outro com fotos de Sjón em 1986. Einar Melax publicou coleções de poesia através de Medúsa e Bad Taste.
O que todas essas obras tinham em comum, era que eram montadas de A a Z por seus criadores - texto, arte, impressão, encadernação, distribuição e venda. O mesmo se aplica a muitas das fitas cassetes e discos de 7 polegadas que a Gramm lançou. O selo deu um passo além, pois em 1985 foram publicados trabalhos como Lystisnekkjan Gloría (Pleasure Yacht Gloria) e Fellibylurinn Gloría (Furacão Gloría), contendo leituras de muitos dos poetas fotocopiadores, incluindo também a música.
Desde o início, ficou claro que a Bad Taste representava as mesmas coisas que os poetas fotocopiadores e as gravadoras independentes pregavam: o ato de "mostrar a língua" para as grandes gravadoras, criando um ambiente com oportunidades para aqueles talentos esquecidos.
No Outono de 1985, houve também o teatro de rua; constituído pelo grupo Sirkusdútl, que era formado pela banda Kukl, junto com os poetas Medúsa Thór Eldon, Sjón e Jóhamar. Eles viajaram toda a região na primavera de 1986. Entre outros empreendimentos desse "circo amador", havia um outro grupo de teatro de rua, em Laugavegur, celebrando a chegada do inverno. Ólafur Engilbertsson participou da preparação deste projeto. Com a união do grupo Medúsa e do Kukl, o desenvolvimento do Sugarcubes havia realmente começado.
No verão de 1986, o desenvolvimento continuou. O Kukl acabou e algumas ideias começaram a surgir, com a chegada de um colaborador que havia viajado para a Espanha, Bragi Ólafsson. Fridrik Erlingsson passava por Reykjavík, após uma temporada em Akureyri.
Thór e Björk eram um casal e moravam na área de Nesvegur, no lado oeste de Reykjavík. Naquela época, a casa deles recebia muitas visitas dos artistas no verão. Às 14h50 do dia 8 de junho, Ólafur J. Engilbertsson era um dos que batia na porta dos dois. Mas naquele dia, não havia ninguém em casa. Mais tarde, descobriu-se que no mesmo momento, Sindri Eldon, o filho de Björk, havia nascido. A Bad Taste então estava prestes a surgir também; os dois são considerados da mesma idade.
Quando o Kukl se separou na primavera de 1986, Thukl era o nome de trabalho de uma banda que incluía Fridrik Erlingsson e Thór Eldon como guitarristas e Bragi Ólafsson no baixo, junto com Einar Örn, Einar Melax, Sigtryggur e Björk, que haviam estado em Kukl. A banda tocou no festival de arte nórdica N'art. Ali estavam os Sugarcubes em sua encarnação inicial.
Um cartão postal foi impresso, em outubro de 1986, com um desenho de Reagan e Gorbachev por Fridrik Erlingsson, por ocasião da reunião de cúpula. O objetivo era financiar o primeiro álbum do Sugarcubes com as vendas do material. O primeiro lançamento, um disco 7 polegadas com as canções Ammæli e Köttur, foi lançado no aniversário de Björk, 21 de novembro de 1986, graças aos lucros do cartão-postal. Foi prensado na fábrica da Alfa em Hafnarfjördur; numa tiragem de 500 cópias, metade saiu com defeito, o que tornava impossível utilizar. Fridrik distribuiu o disco de seu veículo Ford Fairmount, e o disco também foi vendido na Austurstræti no centro de Reykjavík com uma recepção sem brilho. Os Sugarcubes não precisavam de gasolina, porém, mesmo distribuindo seu primeiro disco de um carro, eles foram de país em país por conta própria nos meses que se seguiram e cantaram sobre brinquedos (Sick For Toys), demônios (Delicious Demon) e acidentes de carro (Motorcrash). O resto é história...
Os esforços da Bad Taste decolaram com Dragsúgur, o primeiro livro de poesia de Bragi Ólafsson. Depois vieram Taktu bensín, elskan, a terceira coleção de poesia de Thór Eldon e, em seguida, Drullusokkur de Einar Örn em dez edições. Esses livros estão há muito tempo esgotados, mas aparecem de vez em quando nas livrarias de Reykjavík. Mais tarde veio uma coleção bem produzida, Kráarljódin, com material de todos os escritores da Bad Taste e associados - Thorri Jóhannsson, Jón Hallur Stefánsson, Jóhamar, Sjón, Thór Eldon, Einar Örn, Einar Melax, Bragi Ólafsson e Ólafur J. Engilbertsson. Os três últimos passaram muitas horas montando caixas feitas especialmente para a ocasião na fábrica de papelão Kassagerdin,
Os romances Byggingin (The Structure) de Jóhamar e Midnætursólborgin (Midnight Sun City) de Jón Gnarr foram publicados em 1988 e 1989, ambos em edições de capa dura, como é típico para livros islandeses publicados na época do Natal. No entanto, a abordagem incomum dos romances e seu vocabulário não eram exatamente o que o leitor típico de romances de Natal estava procurando. Na mesma época, Einar Melax lançou o livro de poesia Óskiljanleg kúla, com desenhos de Kristbergur Pétursson. Depois disso, a atividade editorial entrou em hiato por um tempo. Ólafur passou a lançar a revista em quadrinhos Gisp! Duas edições foram publicadas pela Bad Taste em 1991 e 1992.
O aniversário de 50 anos da república islandesa em 1994 foi de certa forma um divisor de águas para o selo. Bragi e Ólafur contrataram o fotógrafo Eduardo Perez Baca para ajudá-los a produzir uma série de cartões postais em comemoração ao evento. Óttarr Proppé e Björn Blöndal da banda Ham foram escolhidos como modelos, junto com Magga Stína de Risaedlan. O projeto terminou com uma série de 16 projetos, que mereceu o reconhecimento, embora não tenha conseguido vender na mesma proporção.
Outro material em razão do aniversário foi um divisor de águas. Thorvaldur Gudlaugsson desenhou um novo traje nacional: uma camiseta com um padrão lopapeysa (a lopapeysa é um suéter tradicional de tricô pesado islandês) junto com um boné de beisebol com uma blusa que deveria sugerir um skautbúningur, um tipo de capacete feminino tradicional.
As roupas eram extremamente populares, especialmente as camisetas, que foram produzidos em várias cores. Naquele outono, foi tomada a decisão de fazer todo o possível para imprimir cartões de Natal. Desta vez, Robert Guillemette tirou as fotos e Jón Gnarr juntou-se ao grupo que havia feito o modelo para os cartões postais de aniversário. Foi encenada uma típica festa de Natal islandesa, junto com o consumo típico de álcool, e até uma tentativa de provocar interesse em imigrantes foi feita, com a presença de um restaurante asiático ao fundo.
Além disso, os cumprimentos de Natal do material estavam em nove idiomas. Embora tanto os cartões-postais, incluindo os de Natal, tenham vendido mal na época, eles adquiriram um status clássico no cenário dos cartões-postais islandeses e se tornaram algumas das contribuições inestimáveis da Bad Taste para a cultura islandesa, com repercussão fora do país.
Somente com o festival Ordid Tónlist (The Word Music), no outono de 2000, e com a publicação de um livro relacionado a ele, que foi ressuscitada a publicação de textos e poesias que tanto moldaram as raízes da Bad Taste. Um velho sonho do selo também ganhou vida ali: Permitir que a literatura e a música andassem lado a lado na empesa, atraindo a atenção também para textos da música pop, que muitas vezes são ignorados.
Dentre outros trabalhos, está também a Konrád Bé Jazz Orchestra, um grupo de quatorze integrantes que reunia músicos de várias bandas que passaram pelo selo. A empresa também investiu em diversas obras clássicas, passando por muitos estilos musicais. Não é possível listar aqui tudo o que a Bad Taste trouxe para a cultura da Islândia. Para contar melhor essa história, ao longo dos anos foram elaborados alguns projetos especiais:
- A exposição Lobster or Fame.
- O livro Smekkleysa 33 1/3 Birthday Book, com riqueza de detalhes.
Em 2015, o programa de TV Minha Loja de Discos exibiu um episódio sobre a Smekkleysa (Bad Taste), que hoje está disponível para assinantes do GlobosatPlay. Confira clicando AQUI.