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serpentwithfeet e Björk buscam refúgio no sublime




Em nova edição do Document Journal, Björkserpentwithfeet examinam os méritos criativos da espiritualidade, da natureza e do canto em uma conversa super interessante. Confira a tradução completa do bate-papo: 

Filho de uma diretora de coral e do dono de uma livraria cristã, serpent - cujo nome de batismo é Josiah Wise - cresceu cercado pelo divino. Como músico, ele agora usa essas influências para criar uma nova mitologia. O nome artístico que escolheu é uma referência à cobra pré-lapsariana que tentou Eva a pecar. Sua música explora temas que envolvem desejo e queerness com toda a grandeza e linguagem simbólica das escrituras. No álbum de estreia que lançou em 2018, o lado espiritual e o sensual se entrelaçam, retratando a devoção romântica com um senso de reverência religiosa e intensidade operística; No disco DEACON (2021), mergulhou mais fundo em nuances da intimidade. De suas raízes gospel, costuma integrar a sensibilidade pop, soul e o R&B para criar uma experiência queer negra, que se afasta das narrativas de dor e perda e celebra o desejo como algo sagrado.

“Honrar a tradição é uma outra maneira de agradecer aos mais velhos e ancestrais”, explica serpent, citando Nina Simone, Mary Lou Williams e Harry T. Burleigh. “[Eles] reimaginaram a forma e o estilo; seria tolice da minha parte não refletir sobre a música que entregaram”. 

O som de serpent atraiu aclamação da crítica e a atenção de uma colega inovadora no ramo musical, Björk Guðmundsdóttir. Unidos por sua reverência pelos clássicos e inclinação para a experimentação, os dois artistas recorrem à tradição musical para subverter e ultrapassar os limites. Em 2019, eles dividiram o palco na turnê Cornucopia, uma série de performances multimídia que contou com o apoio de 50 pessoas do coral Hamrahlíð, que foi parcialmente responsável pela educação musical da islandesa. 

Björk se tornou uma força pioneira na música experimental ao longo de sua carreira de quatro décadas. Integrando tudo, desde gravações de canto de pássaros a conjuntos de flautas, sua obra em constante evolução casa o eletrônico e orgânico para criar um ecossistema de som rico, imprevisível e hipnotizante. Em Biophilia (2011), ela explora a interação entre música, tecnologia e o mundo natural, um interesse vitalício e fonte vital de alegria e equilíbrio em sua própria vida. 

Björk Guðmundsdóttir: Obrigada por ter essa conversa comigo! Primeiramente, quero dizer que foi uma fonte de inspiração incrível te conhecer, compartilhar ideias musicais, beber drinks no Harlem - e, ai meu Deus, quando você me levou à Igreja Gospel do Sul do Brooklyn... Caralho! Só de estar na sua presença e poder ser uma testemunha, como uma mosca na parede em uma cerimônia verdadeiramente exuberante. Sou eternamente grata! Ainda fico pasma por você ter tirado um mês dos seus compromissos para cantar comigo no show Cornucopia, em Nova York. Eu ouço sua música sem parar! 

serpentwithfeet: Adorei o quanto exploramos Nova York. Aqueles dias foram tão incríveis. Nós definitivamente sabíamos como encontrar a diversão! Cornucopia foi como um sonho. Não havia como você ter dito ao meu eu de 11 anos que eu teria a chance de dividir o palco com você em algum momento na minha vida. Todas as noites durante aquele show, antes de colocar meus fones de ouvido, eu me belisquei e gritei baixinho nos bastidores. Aquele mês foi um verdadeiro presente.

Björk: Posso perguntar sobre a importância da sensualidade em sua música? E talvez a tecelagem entre sensualidade e espiritualidade? Eu, pessoalmente, adoro como esses dois elementos se encontram; é uma sincronia suave e molhada [risos]. É raro, mas muito gratificante quando isso acontece.

serpent: Eu acredito que é importante considerar o desejo e o espírito ao mesmo tempo. Eu quero viver uma vida plena; isso significa que devo abrir espaço para o esotérico e o carnal. No que diz respeito a casar sensualidade e espiritualidade, adoro pensar em liberdade de movimento. Eu costumava odiar a ideia de me deixar levar, mas agora vivo para isso. Talvez signifique menos falta de ambição e mais estar em sintonia com o espírito e o corpo. Tenho trabalhado para ser mais intencional. Acho que uma abordagem superficial pode atrapalhar a realização de um ótimo trabalho. Muitos de nós gastamos muito tempo rindo de coisas que não achamos engraçadas ou fingindo ter sentimentos que não existem. Costumo me lembrar de ser mais incisivo e honesto. Com certeza ajudou no meu processo criativo.

Björk: Sou culpada de usar a música como refúgio para encontrar sensualidade e espiritualidade na vida cotidiana. Quando tudo falha, pode ser uma muleta incrivelmente útil para nos ajudar a voltar ao estado "normal". Tento adicionar [sensualidade e espiritualidade] ao timbre da minha voz, um alvo secreto para examinar o sucesso e o fracasso aleatórios.

serpent: Fora da música, há algum passatempo que te traz muita alegria? Ou um lugar que você tem que visitar com frequência?

Björk: Tento passar pelo menos algumas horas por dia ao ar livre, se eu puder. Isso me traz uma sensação de pertencimento e equilíbrio. Os dias que consigo [passar inteiramente] na natureza costumam ser sublimes. É como se o nosso espírito, emoção e corpo fossem forçados a alcançar um ao outro de alguma forma. Meus amigos e familiares também são extremamente importantes para mim. Eu me senti muito bem, mesmo durante a pandemia, por estar cercada por eles.

serpent: Eu também amo a natureza. Caminhar é uma das minhas atividades favoritas, com certeza. Eu também tenho dançado muito mais. Tenho tantos vídeos do TikTok salvos porque pretendo aprender todos os novos movimentos. Uma vez você me disse que é importante deixar o pêndulo oscilar ao criar. Você estava dizendo que não temos que nos limitar a uma forma de fazer música. Como você se prepara entre os álbuns? Como é o processo de criação de novos conceitos? Adoro a ideia de começar do zero todas as vezes. Eu sinto isso. Cada vez que trabalho em uma nova música, procuro me surpreender. Também tento ler muita poesia entre os projetos.

Björk: Talvez isso aconteça porque comecei a fazer meus próprios álbuns bem tarde. Meu primeiro foi lançado quando eu tinha 27 anos, depois de estar em bandas por 14 anos. Por isso, prometo a mim mesma, antes de cada novo disco, que absolutamente irei 'sintonizar a zero' ou núllstilla, como dizemos na Islândia. O que meio que significa começar do zero ou largar tudo que tinha antes, apenas trazer para a mesa o que sou naquele momento em particular e deixar tudo para trás. Parece cruel, mas, no longo prazo, esse tipo de verdade emocional é mais gentil com todos e nos ajuda a fazer a melhor música que somos capazes em qualquer período. Você tem meios de aquecer sua voz? É uma experiência espiritual? A pequena oração humilde do dia?

serpent: Não sei se tenho algum aquecimento especial. Mas eu tendo a cantar junto com qualquer coisa, não importa o lugar em que eu esteja. O meu favorito é o supermercado. Eu poderia caminhar por uma hora e apenas cantar o que estivesse tocando nos alto-falantes. Você sabia que eles têm algo que parece uma versão do Carpool Karaoke? Eu adoraria fazer karaokê em supermercados. 

Björk: [risos] Conte comigo! O som nos supermercados é realmente muito convidativo para a voz, ou pelo menos para um pequeno passeio naquele carrinho.

serpent: Em 2017, você me disse para eu sempre ter certeza que estou com um alto-falante Bluetooth no meu camarim antes dos shows, para que eu possa realmente me soltar (enquanto me preparo). Então, agora, antes de minhas apresentações, eu tenho o meu aparelho de som comigo e canto de uma forma tão detestável. Eu amo isso! 

Björk: Estou sempre tentando unir yoga e aquecimento vocal de alguma forma, mas ainda estou falhando no processo. Isso definitivamente deveria existir; alguém pode inventar isso, por favor? Aqui está uma pergunta do Document Journal: Qual é a sua relação com diferentes tipos de autoexploração, como experimentar com seu trabalho criativo ou identidade sexual? Existem aspectos seus que você acha que só podem ser explorados sozinho?

serpent: Eu passo muito tempo tendo reuniões criativas comigo mesmo. Estou constantemente "me reaprendendo". E é divertido. A solidão é ótima, mas é muito importante para mim colaborar também. Eu aprendo muito com outras pessoas. Eu preciso da comunidade e não quero perder isso. Lembra em 2016, quando você fez uma "sessão de coaching" em estúdio comigo para a minha música Penance? Gravei pelo menos uns 30 takes dessa canção e você me deu dicas em cada um deles. Então almoçamos e gravamos mais vezes. Aprendi muito com isso, e sou muito grato por você querer passar esse tempo comigo tão no início da minha carreira. Também gostei muito do processo criativo do DIACON. Eu sabia que queria que o álbum e o visual fossem agradáveis. Mas eu não percebi o quanto o processo precisava ser divertido. Minha equipe e eu passamos muito tempo rindo no set, e acho que isso influenciou o trabalho.

Björk: Sim, você pode definitivamente sentir isso. É algo livre e de um jeito 'ensolarado' e sublime, muito aberto e genuinamente feliz. Talvez sua música de Nova York fosse mais 'séria'? Quer dizer, eu amo as duas coisas. Eu ouço muita "música séria" em casa, mas é super importante ter espaço para muita alegria e humor também. Oh meu Deus, ter você enchendo minha sala com sua voz maravilhosa naquele dia foi uma honra e um prazer! Sinto que a velocidade ou o ritmo da minha vida sexual às vezes se espelha nas minhas músicas, de uma forma não intencional. Ou talvez o oposto, se isso faz algum sentido. Parece estar conectado. Sempre caminhei muito ao ar livre sozinha e é nessa solidão que formo grande parte das minhas melodias. E, para ser honesta, 80% dos meus álbuns são editados por mim mesma, no meu laptop. Mas um milhão por cento concorda com você sobre a importância de trabalhar com pessoas. Aprendo muito com os colaboradores, isso me mantém humilde e aberta, e me salva de mim mesma.

serpent: Você tem um estilo incrível. Qual foi a coisa mais divertida de usar ao longo dos anos? Você pode me falar sobre isso?

Björk: Oh meu Deus, obrigada! Que elogio, especialmente vindo de você. Por algum motivo, nada me vem à mente? Quem sabe comprar tamancos em um aeroporto da Holanda como presente para uma amiga - muito mau humor, desculpe - e depois correr pelo caminho inteiro até o portão de embarque, fingindo quase perder um voo? Ou quando fui capa de uma revista de negócios islandesa como uma senhora rica, e minha melhor amiga e eu compramos metros de pérolas de plástico e as colocamos em volta dos nossos pescoço e pulamos de bar em bar no centro de Reykjavík, pagando nossas bebidas com elas, dizendo: 'Ohhhh, eu sou tão rica!'. Foi divertido, mas acho que você tinha que estar lá (para também achar engraçado).  

serpent: [risos] Usar pérolas de plástico como moeda parece algo que preciso experimentar! O que eu usei para a capa do álbum do DEACON era tão confortável e me fez sentir muito maduro. Eu poderia usar aquela roupa todos os dias. 

Foto: Santiago Felipe. 
Matéria publicada em agosto de 2021. 

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