A islandesa está lançando mais um disco futurista, "Fossora". Animado e inventivo, é o 10° álbum da carreira solo dela e uma ode às interconexões ao seu país de origem. Björk conversou com o Libération sobre o projeto. Confira a tradução completa do bate-papo:
Em cada um de seus discos, a artista se mostra cada vez mais destemida. Ela continua avançando em seu próprio mundo. Um mundo com uma cosmogonia já bem estabelecida, onde as árvores são máquinas, os corações são catedrais e os robôs estão unidos uns aos outros, e a nós, por laços íntimos estabelecidos ao longo dos últimos 30 anos.
Aterrissando após cinco anos de espera, aqui está "Fossora", álbum que nos leva ao fundo de um vale, logo abaixo da superfície. Nas faixas, Björk aparece a meio caminho entre o vivo e o inerte, existindo desde a menor escala até a mais imensa. E no que o fungo a inspira? Este é um trabalho de uma vivacidade sem precedentes e invenção alastrante, onde tudo na música, nos ritmos, arranjos e cada refrão, parece ter sido reinventado segundo essa forma de vida suscetível a todo o tipo de audácia.
O álbum abraçou a influência do gabber, e Björk, sempre brincalhona, se refere à palavra como "gabba", que em islandês também significa algo como "aquela que zomba", pois ela não se leva tão a sério. Para entender, ou melhor, sentir, de onde vem Björk, é preciso segui-la em suas palavras, cantaroladas com uma invenção rítmica que só é igualada na composição contemporânea mais avançada, e que une nas mesmas frases do micélio as copas das árvores, do universo a terra. Ela nos falou sobre "Fossora" com atenção e paixão, ficou bem evidente!
- Devo confessar que sonhei com essa entrevista.
Ah! Mas o que estava acontecendo em seu sonho?
- Você disse que era paradoxal falar desse disco à distância. Esta manhã, eu entendi o porquê. É um disco na interconexão.
Há alguma verdade nisso. Mas se eu tivesse que viajar para conhecer todas as pessoas com quem falo toda vez que faço um disco, se eu as fizesse vir até mim, não conseguiria falar com tanta gente, é um grande gasto ecológico (risos). Mas eu gosto do telefone. Eu gosto de andar enquanto falo. Muitas vezes, faço os telefonemas direto da praia. E aí veio a pandemia, todos nos acostumamos. Eu tive problemas com essas entrevistas remotas antes. Agora tenho bem menos!
- Posso perguntar de onde você está falando conosco esta tarde?
Estou em casa! Eu moro à beira-mar, é um dia chuvoso de outono, as folhas das árvores estão ficando alaranjadas, está ficando muito bom para ficar em casa e vestir umas roupas mais quentes.
- Os cogumelos começaram a crescer?
Sim! E os islandeses estão interessados neles novamente. Por gerações, não fomos mais buscá-los. Eles voltaram com tudo. Nas livrarias, há novamente livros sobre cogumelos comestíveis e sobre os venenosos. No entanto, há evidências arqueológicas: costumávamos comer muitos cogumelos no passado.
- Por qual motivo?
Levamos muito mais tempo do que outros países europeus para nos adaptarmos aos estilos de vida modernos. Abandonamos muitas tradições quase da noite para o dia, como pegar algas na praia para comer. Eu sinto que está voltando. As gerações mais jovens são apaixonadas pelo assunto.
- A pandemia desempenhou um papel neste desenvolvimento?
Começou antes. Eu diria que depois daquela época em que os islandeses começaram a se sentir parte da comunidade global. Muitos escritores, artistas e músicos fizeram a seguinte afirmação: "Eu não sou um cidadão de segunda classe do mundo". Uma vez que vencemos essa causa, e graças à consciência ecológica, ficou claro que nem tudo do Ocidente era bom para se levar. A relação dos ocidentais com a natureza em particular talvez seja... completamente fodida, ou pelo menos mais promissora para o futuro ou para o sucesso.
- Essa geração jovem de que você fala faz as pessoas pensarem que "Fossora", mais do que qualquer um de seus álbuns anteriores, é um disco sobre o futuro.
Duas semanas atrás, aqui na Islândia, estávamos reunindo as ovelhas para o inverno. Nunca sacrificamos a natureza em nome da modernidade. "Fossora", para mim, é um disco muito realista. "Utopia" era um álbum de ficção científica. "Fossora" é a minha forma de levar em conta o que tenho, aqui e agora, e de me contentar com isso. Enquanto escrevia as músicas, vendi meu apartamento no Brooklyn. E repatriei através de um contêiner tudo o que tinha guardado lá. Posso dizer que pela primeira vez desde os anos 90, quando comecei a morar em Londres, todos os meus pertences estão em uma casa só. Isso me dá um prazer louco! "Fossora" fala sobre concentrar todo o seu ser, aqueles que você ama, suas posses em um lugar e encontrar coisas positivas vindo disso.
- "Utopia" era um disco celestial, um sentimento que conhecemos bem na música, já que toda música religiosa é de alguma forma celestial. A música da Terra é muito mais rara.
Você conhece Cyrillus Kreek, o compositor estoniano? Sua música de coral, para mim, é incrivelmente terrena. Ou a música eletrônica de Jlin, que faz footwork. Nos anos 80, talvez fosse o Public Enemy, cujos discos eu costumava colocar para tocar bastante, o dia todo. Eu me pergunto do que se trata essa playlist que acabei de fazer para você (risos). Espere, estou pensando nisso! Há um disco incrível de Louise Bourgeois com canções de ninar, "C'est Le Murmure De L'eau Qui Chante". Na época, ela devia ter um pouco mais de 70 anos. Nós até a ouvimos fumar entre as músicas. E ela tem essa voz incrível (Björk imita). Não conheço voz mais terrena que essa! Descobrir esse disco foi algo que me tocou muito! Documenta o momento em que se perde a voz. Conhecemos muitos cantores que gravaram até tarde em suas vidas, mas muito menos mulheres.
- "Fossora" também é ligado a terra no sentido de que está repleto de "organismos sonoros", e cada um deles parecem viver em seu próprio canto pelo menos tanto quanto interagem.
Existem duas coisas! A primeira é o desembarque, depois de "Utopia". Na época em que gravei esse disco, eu sabia que duraria apenas um tempo. Foi um momento de êxtase, mas como um devaneio. Todos os sonhos chegam ao fim. Então eu trabalhei de um jeito um pouco diferente. Costumo compor caminhando, com um pequeno software que simula o som de uma harpa, para me acompanhar nos vocais. Desta vez, eu toquei principalmente com os das afinações. Eu também me diverti muito manipulando minha voz, como em "Mycelia" e "Ovule". Cantei notas ao longo de quatro oitavas, pronunciando vários tipos de som, "a", "ou", "mmmh", depois me acomodei na minha cabana, que fica encostada na montanha, e trabalhei para escapar das sequências de acordes que eram as mais familiares para mim.
- Ouvimos nesse disco as harmonias mais complexas que você já compôs.
Sim! Podemos dizer que são "terrosas" ou, de forma mais tradicional: cromáticas e irregulares.
- O fraseado também é muito mais livre do que em suas músicas anteriores. Mais próximo da música contemporânea do que do pop.
A pandemia me permitiu me dar um presente maravilhoso: o tempo. Eu poderia ter terminado esse disco há dois anos. Mas decidi mudar o ritmo. Não havia mais concertos ao vivo acontecendo em lugar nenhum. Então, se eu ainda estivesse trabalhando, compondo, gravando, eu esperaria entre as sessões. Às vezes, até várias semanas se eu sentisse que era necessário. E durante esse tempo, a música se desenvolveu inesperadamente. Quando estamos absolutamente descansados, somos mais livres. Eu vou te dar um exemplo. Comecei a escrever e compor "Ovule" quando estava em Lanzarote (uma ilha na Espanha). A música não era ruim. Lembro-me de cantá-la no chuveiro do meu Airbnb, que tinha uma reverberação incrível. Mas eu sabia que nunca soaria tão bem em um disco como soou naquele chuveiro. Ano passado, fiquei uma semana inteira sem tomar café ou álcool. No final daquela semana, reformulei completamente a canção. Ela está muito melhor agora, muito mais livre! Tão boa quanto em Lanzarote.
- Você se sente mais livre hoje do que no passado?
Eu entendo aqueles que dizem que à medida que envelhecem, abraçam a possibilidade de não dar a mínima para o que as outras pessoas pensam. Não que eu me importasse muito com as opiniões de outras pessoas antes, mas me importo ainda menos agora. Voltando para a Islândia em tempo integral, eu também fiz uma série de podcasts com os meus amigos ["Sonic Symbolism"], para os quais tive que assistir a entrevistas antigas minhas novamente. Foi uma tortura!!! Mas fiquei surpresa ao ver que sempre digo a mesma coisa no final: "Posso ir para casa?". Pronto, "Fossora", é o disco onde eu digo para mim mesma: "Sim, você pode ir para casa".
- Você acha que a influência de "Fossora" é algo mais local (da Islândia)?
Canções de amor, como "Freefall" e "Atopos", são inspiradas na terra do amor, que está em todos os lugares e em nenhum lugar ao mesmo tempo. Não há necessidade de GPS. As músicas sobre minha mãe são muito relacionadas à Islândia, claro. A colaboração com Kasimyn, do Gabber Modus Operandi, tem raízes aqui e na Indonésia. Editei os ritmos dele, que compõem metade do álbum, aqui. Eu estava na minha cabana, me divertindo enquanto o sol batia na janela, a natureza gritava sua beleza do lado de fora da porta. A energia do verão islandês está nesses ritmos. É difícil para algumas pessoas entenderem, quando digo, por exemplo, que o ritmo de "Pluto" [em "Homogenic", lançado em 1997] é como o som de um vulcão. Me dizem que o techno é urbano. É verdade! Mas para mim, é rural.
- Mais e mais artistas estão começando a pensar em uma arte para um futuro do qual os humanos estariam ausentes. Poderíamos dizer que em "Fossora", você está procurando um equilíbrio entre esse apocalipse e um profundo humanismo apesar de tudo?
Desculpe voltar o assunto para a Islândia como se fosse um paraíso, porque eu honestamente não quero fazer isso. Mas depois de ter vivido em outros países, acho que tenho o direito de compartilhar esse conhecimento que agora tenho. Nós somos animais. Somos parte da natureza. Com o desafio ecológico que enfrentamos, temos conhecimento que será valioso para compartilhar. As soluções existem. Acabei de ler o novo livro de Greta Thunberg, que tive a sorte de obter antes de ser publicado para o público. Ela conversou com uma centena dos maiores cientistas do mundo para reunir soluções em captura de CO2, energia solar, turbinas eólicas. E todos eles evocam uma melhor convivência com a natureza. Será mais fácil, com ou sem a tecnologia.
- Houve um tempo em que você estava no meio das estrelas pop mais talentosas do mundo. Você ainda está interessada no público em geral?
Meus gostos permanecem muito específicos. Alguns falam de música eletrônica experimental, eu prefiro falar de música tradicional do século XXI. E continuo obcecada por artistas como Kelela, minha amiga Arca, Coucou Chloe. E você está certo, eu não me importo se eu sou a número 1 em tal e tal país, ou em todo o mundo ao mesmo tempo. Dito isso, eu nunca tentei estar no topo das paradas. Do meu ponto de vista, nada realmente mudou. As pessoas esquecem que no "Post" havia músicas como "Cover Me" e "Headphones". No "Debut", havia "The Anchor Song" e "Airplane". Eu amo açúcar, amo pop, uma boa música da Beyoncé. Ao mesmo tempo, sempre acompanho o que está acontecendo na criação contemporânea. Acho que estou sendo fiel a mim mesma ao seguir esse equilíbrio. Sempre fui assim, me recusando a jurar fidelidade a um ou outro. Sempre recusei o menor compromisso! E meço minha sorte no fato de as pessoas continuarem a me seguir justamente por isso. Estou tentando não estragar tudo. Devo proteger essa integridade para mim e para os outros.
- Entrevista para Olivier Lamm, setembro de 2022.
Foto: Vidar Logi/Reprodução.