O que você faz quando é forçado a passar dois anos em casa? A estrela pop internacional, prodígio musical e a mais orgulhosa exportação da Islândia, Björk, diz que adorou. Confira a tradução completa da entrevista dela para o Iceland Review:
"Eu me senti realmente com sorte, por poder passar algum tempo em casa", diz Björk, olhando para a vista para o mar próximo ao farol de Grótta. "Não fico tanto em casa desde os dezesseis anos. Mesmo durante os anos que passei em Londres, ainda passei 60% do tempo na Islândia. O mesmo para Nova York. Eu estava lá apenas 40% do tempo. Sempre fui uma cidadão islandesa e sempre passei a maior parte do meu tempo aqui".
A diferença desta vez foi que, há alguns anos, ela vendeu sua casa em Nova York e enviou todos os seus pertences para a Islândia, reunindo-se em um só lugar. "Estes últimos anos têm sido sobre a chegada em casa e ficar em casa, devido ao COVID, mas também levando todas as minhas caixas de coisas para casa. Tudo o que possuo está na Islândia agora". Isso não é realmente novo para ela. A Islândia sempre esteve presente em sua vida. "Toda vez que falo com um taxista ou alguém na piscina local, eles dizem que achavam que estou sempre em algum lugar no exterior. É porque quando estou em casa, não saio muito para inaugurações de exposições e nem tenho minha foto nas revistas de fofoca. Eu fico disfarçada! As pessoas realmente não sabem que estou aqui. E fico feliz! Significa que posso simplesmente caminhar por aí e viver a minha vida".
Esse é o ambiente que inspirou "Fossora". Ela o chama de seu álbum de cogumelos, uma abreviação visual que representa a sensação temática e musical, um som físico e fundamentado que parece, de alguma forma, biológico. "É difícil para mim descrever meus discos, o que os torna diferentes e o que os torna iguais. Estou cega para a minha própria música!, diz Björk como explicação. "Pegue meu álbum anterior, "Utopia". Aquele foi meu disco de ficção científica, minha ilha no céu. Não era apenas uma utopia pessoal para mim. Tinha uma escala maior. Quando o apresentamos ao vivo, temos um manifesto de Greta Thunberg anexado a ele, delineando nossos sonhos para o meio Ambiente. Musicalmente falando, usei muitas flautas. Até os sintetizadores soavam como flautas".
Cinco anos depois, seu novo álbum é exatamente o oposto. "Se trata de descer da nuvem e pousar no chão. Tanto em termos de paisagem sonora – com baixo, clarinetes e "sons vindos do chão" – mas também nas letras. Todas as músicas que escrevi nos últimos cinco anos foram sobre deixar esse sonho digital e pousar no chão, tentando realizar o sonho, realizar o manifesto e colocá-lo em ação". É esse sentimento de aterramento que torna "Fossora" algo fúngico.
"Eu já havia notado esse padrão antes", acrescenta Björk, explicando que os três álbuns que ela fez na virada do século seguiram um padrão semelhante aos seus três últimos. "Em 1997, fiz "Homogenic", que era todo sobre desgosto e o fim de uma era, não apenas no amor, mas também em um certo capítulo da minha vida". Em 2001, ela fez "Vespertine", que representou um novo começo. "Toda vez que a gente começa algo novo, definimos alguns objetivos etéreos, tipo: "Desta vez tudo vai ser perfeito. Farei dessa maneira e nunca mais farei outra coisa!". Então, esses álbuns são sobre o paraíso. Estou consciente do fato de que estou falando do jeito que quero que minha vida seja, não do jeito que é". Os álbuns que fecham cada trilogia representam a realidade de uma forma que os outros não fazem. "Discos como "Medúlla" e esse novo, pegam o manifesto do álbum anterior e vivem essa vida. Sabe, ficar em casa, fazendo coisas normais. Ir às compras, passear, encontrar alguns amigos". Cada álbum está ligado a um capítulo de sua vida, um período de alguns anos, e "Fossora" é o álbum que Björk fez em casa. "Naquela época, as nossas casas eram onde tudo acontecia. Tanto literalmente, mas também em termos de paisagem sonora. Comecei a ouvir mais músicas que eram fundamentadas e sólidas".
Para Björk, esse foi um momento feliz. Mas ao longo de cinco anos sempre há altos e baixos, e durante esse período ela perdeu a mãe. "Esses anos foram ótimos, mas você sabe como é a vida. As coisas acontecem e precisamos lidar com elas. A maioria de nós, infelizmente, tem que lidar em algum momento com a perda dos nossos pais". Duas das músicas de "Fossora" foram escritas para sua mãe, Hildur Rúna Hauksdóttir. "Eu tenho uma música que escrevi cerca de um ano antes dela falecer. Foi quando meu irmão e eu estávamos começando a entender que aquele seria o último capítulo. Ainda assim, não sabíamos quanto tempo seria". Para Björk, a música que ela escreveu enquanto sua mãe ainda estava viva era a que continha mais tristeza. "Estava de luto por compreender aquilo".
Olhando para trás, Björk diz que foi influenciada por Grafskrift, uma elegia do século XVIII à vida e morte de Sæmundur Klemensson, observando detalhes biográficos como seu nascimento, casamento e ações tementes a Deus. "É uma daquelas músicas antigas que algumas pessoas ainda conhecem e podem começar a cantar depois de uma bebida ou duas. A maioria dessas músicas é dramática e romântica, mas essa é uma lista tão simples de detalhes biográficos. Parece informação do Statistics Iceland. "Fulano nasceu tal ano, recebeu este nome, se casou, faleceu". E eu ficava pensando: "uau, isso é uma expressão do patriarcado". No epitáfio que escreveu para sua mãe, Björk queria fazer exatamente o oposto. "É a história dela em termos biológicos, não estatísticas frias, e é emocional. Então, em "Sorrowful Soil", eu digo: "Todas as mulheres nascem com 400 ovos, mas cada mulher só irá fazer 2 ou 3 ninhos". É um epitáfio biológico de uma mulher. E para mim, isso é mais importante do que detalhar sua carreira ou listar suas datas de nascimento e morte. Depois de escrever "Ancestress", entendo melhor quando as pessoas dizem que um funeral é para celebrar a vida das pessoas. Há tristeza, é claro, mas é hora de relembrar as boas qualidades da pessoa. É uma história cronológica que começa na minha infância, e cada uma das sete estrofes conta uma história antes de eu me despedir dela no final de tudo".
Enquanto trabalhava no álbum, Björk também estava experimentando canções folclóricas islandesas, algo que ela está considerando explorar mais [no futuro]. Após as canções sobre sua mãe, há um arranjo de um poema do século XVII de Látra-Björg, uma poetisa conhecida por sua sagacidade e intelecto, exaltando as virtudes de um lugar na Islândia quando o sol está brilhando, terminando em uma letra denunciando o mesmo lugar quando o tempo muda. "Quando eu estava decidindo a ordem das músicas do álbum, achei importante essa canção vir na sequência das faixas sobre minha mãe, como uma espécie de "limpador de paleta". É uma piada, bem como uma consideração de otimismo e pessimismo. Essa faixa era uma espécie de tema em nosso relacionamento, meu e da minha mãe, então achei que era muito apropriado".
Inicialmente, Björk não tinha certeza se incluiria no álbum as músicas sobre sua mãe, considerando se deveria lançá-las separadamente. "Eu não queria que parecesse que eu estava me aproveitando disso para o meu disco. Eu me senti muito na defensiva em relação a essas canções nos quatro anos desde a morte dela. Eu não sabia onde colocá-las. Eu queria encontrar um bom lugar para elas e, ao mesmo tempo, respeitar meu irmão e todos que se importavam com minha mãe". No final, fez sentido para a artista incluí-las no álbum: "As músicas refletem quem eu sou, que tipo de musicista eu sou. Cada disco representa um capítulo da minha vida e tendo a minha idade, sendo musicista, isso faz parte da vida: dizer adeus a uma mãe. Seria estranho se eu tentasse compartimentar isso e deixar de lado".
Quando perguntada se a experiência e o processo criativo mudaram sua visão sobre o relacionamento que tinha com a mãe, ela fez uma pausa. "Essa é uma boa pergunta. Você sabe o que acontece quando as pessoas dizem que é uma boa pergunta? Isso significa que elas não têm uma resposta. Olha, não foi a música que eu fiz que me mudou. Faço música desde criança, é onde me sinto mais em casa. Eu faço todos os tipos de músicas, faço músicas tristes, músicas felizes, músicas de festa e espero que músicas engraçadas também. Cada emoção é representada na minha música. Quando se trata de ter que lidar com a morte de uma mãe, escrever uma música sobre isso é a minha zona de conforto". Para ela, redescobrir sua mãe veio não nos grandes momentos, mas nos pequenos ao longo do caminho. "Uma coisinha pode acontecer em uma terça-feira aleatória e você pensa: "Ah, é por isso que minha mãe fazia assim quando eu era criança". E no domingo seguinte, terei outra pequena epifania. Vai continuar acontecendo quando eu atingir a idade dela, eu acho. Terei outra perspectiva até lá. Então é uma vida inteira de redescoberta".
Em uma entrevista ao Iceland Review de duas décadas atrás, Björk mencionou que estava começando a se interessar por política. "Lembro que não estava muito interessada até então. Eu preferia colocar todo o meu esforço em fazer mais música. Eu deixaria a política para os políticos. Mas sempre me preocupei com o meio ambiente, foi isso que me fez começar a falar sobre política". Björk percebeu que ela tinha uma voz que as pessoas estavam dispostas a ouvir e que ela precisava usá-la. "Nos últimos 25 anos, tentei trazer regularmente uma nova perspectiva, olhando as coisas de um ângulo diferente do que os outros podem fazer. Eu tento fazer as pessoas pensarem sobre o que podemos mudar".
Björk diz que não tem nenhuma lealdade a um partido político. De sua posição, ela descobriu que poderia envolver tanto ambientalistas ávidos quanto líderes do setor, desafiando-os a encontrar novas soluções. "Na época, eles planejavam construir mais e mais usinas de fundição de alumínio, represando e prejudicando rios para energia hidrelétrica nas terras altas, até que não restasse mais natureza intocada". Houve um despertar nacional, onde Björk e vários outros lutaram contra a maior exploração no deserto da Islândia. "Havia todo tipo de coisas que não podíamos parar, mas havia muitas coisas que conseguimos [impedir]. O que aconteceu desde então é uma nova apreciação pelo que a terra tem a oferecer. É difícil imaginar agora, mas quinze anos atrás, a única coisa que você podia comprar em cidades menores era um hambúrguer no posto de gasolina local. Não havia banhos termais em todas as cidades, truta fresca ou cerveja artesanal local. Não para os turistas ou o resto de nós. Tivemos sorte que os turistas vieram, nesse sentido. Há desvantagens também, talvez, mas teve o efeito de deter a pesada industrialização que estava acontecendo. A indústria do turismo era mais lucrativa do que as fundições de alumínio".
Björk viajou por todo o país com outros artistas e ambientalistas, engajando os moradores na discussão sobre o futuro da terra. "Nós os convidamos para conversar, da esquerda e da direita, pessoas da área de tecnologia, da área de meio ambiente. Todos foram convidados porque queríamos mais ideias. Noventa por cento das cidades pensavam que a única coisa que poderia salvá-las era a fundição de alumínio. "Ou conseguimos isso, ou todos temos que nos mudar para Reykjavík". Agora, isso não é mais o caso". Globalmente falando, Björk também sente uma mudança na mentalidade das pessoas. "Nós costumávamos estar em tal negação. Quinze anos atrás, parecia que 90% das pessoas estavam em negação e 10% eram vistas como hippies loucos. Neste ponto, 90% das pessoas percebem que o aquecimento global está acontecendo e 10% estão em negação. Você não precisa mais convencer as pessoas; podemos falar sobre o que podemos fazer para reagir a isso". Quanto à solução, pode estar a caminho, mas o caminho é terrivelmente lento. "Não é apenas uma só coisa, todos nós temos que mudar de um milhão de maneiras diferentes. E está acontecendo! Todos os dias, há alguma mudança positiva nas noticiários. Tenho expectativas extremamente altas para a próxima geração. Mas está acontecendo muito devagar, é claro".
Apesar de seu interesse pela política, o foco principal de Björk é sua música. Ela sempre apresentou suas criações sonoras de maneiras visuais interessantes: videoclipes pioneiros, exposições de realidade virtual, obras de arte imaginativas e performances no palco. "Sabe, eu estive em bandas por cerca de dez anos e adoro colaboração e trabalho em equipe. Eu estava bem atrasada para o jogo como artista solo. Fiz meu primeiro álbum solo aos 27 anos”, diz ela explicando sua filosofia de expressão visual. "O que eu faço é assumir o controle total da música em meus álbuns. Não há trabalho em equipe nisso; Eu tomo a iniciativa [de como tudo deve ser feito]. Há colaboração, claro, mas é o meu álbum! Para o aspecto visual, faço trabalho em equipe". Ela apresenta suas ideias e sua visão para a música, "porque é minha responsabilidade garantir que haja uma ponte entre a música e o aspecto visual".
Björk diz que ficou descontente algumas vezes durante seus primeiros anos com os Sugarcubes quando não havia nenhuma conexão entre a música e o visual: "Nos dias em que eu estava em uma banda com Einar Örn Benediktsson e Sigtryggur Baldursson, eles cuidavam da comunicação com o mundo exterior e marcavam os shows. Naquela época, sabe, não podíamos fazer isso online ou por e-mail. Sigtryggur ficava sentado lá escrevendo cartas para Berlim e algumas bandas punk no exterior. "Querida banda punk, nós podemos, por favor, tocar no seu porão?". E aí receberíamos uma resposta deles um mês depois. Esse era o departamento deles. Eu era quem estava em contato com os fotógrafos e quem fazia os vídeos. Eu aprendi fazendo! Às vezes, eu via que sim, era daquele jeito que eu imaginava que seria o visual daquela música. E outras vezes, eu via uma foto e pensava: "não, não é isso"".
Depois de uma década aprendendo fazendo, Björk era bem versada em conectar o musical ao visual. "Percebi o que os conecta. São cores, é textura, é um sentimento. Mas ainda acho que vou passar os próximos 30 anos tentando resolver esse enigma". Hoje em dia, quando Björk faz um álbum, ela tem um plano rígido. "Eu digo: "Estas são as cores; esta é a textura". É por isso que me refiro ao álbum diretamente em taquigrafia visual, tipo: "Esse é o meu álbum de cogumelos". E então todos ao meu redor começam a pensar que eu estou confusa", ela diz com um sorriso. "Mas o que estou dizendo é que é isso que une tudo. As músicas de "Fossora" são muito diferentes umas das outras, mas todas tem uma coisa em comum, aquele sentimento "subterrâneo" e o tema fúngico".
Em seu novo álbum, Björk traz imagens (incluindo a da capa) feitas por um jovem fotógrafo islandês, Vidar Logi, além das vozes do coral Hamrahlíð. "Sou muito grata ao Hamrahlíð por fazer isso comigo. A maestrina me disse que "Sorrowful Soil" é uma das músicas mais difíceis que eles já haviam ensaiado. A maioria das peças de coral tem quatro partes, mas essa canção tem nove. Acho que eles realizaram por volta de dezesseis ensaios. Passaram o verão trabalhando nessa música, e eles tinham muitas outras coisas para fazer, sabe?".
Para os artistas islandeses, Björk é a melhor no que faz, e colaborar com ela é uma honra. Quando se trata das oportunidades que ela oferece aos jovens artistas, a cantora e produtora se mostra humilde. "Decidi que pertenço ao limite, e atraio músicos e artistas visuais que se interessam por esse tipo de trabalho. O que é bonito em chegar a essa idade é que inadvertidamente nos tornamos professores. As pessoas nos procuram pelo conhecimento e experiência".
Embora ela aprecie a oportunidade de compartilhar suas experiências, mantém firmemente que é uma via de mão dupla. "Você pode dizer que eu os ensino, mas devo dizer que ninguém é tão generoso em colaborações quanto aquelas pessoas que estão começando. É muito divertido, essa energia e essa intensidade".
- Entrevista realizada por Gréta Sigríður Einarsdóttir.
Foto: Vidar Logi.