Pular para o conteúdo principal

Fossora e o universo criativo de Björk

Em entrevista ao The Red Bulletin, a islandesa fala sobre a importância de não comprometer sua criatividade. Confira a tradução completa do bate-papo:

A artista de 56 anos fala direto de sua casa em Reykjavík, o lugar que inspirou "Fossora", um álbum que é tão inovador e ousado quanto se esperaria de alguém que fez carreira por ser intransigente e inventiva. E isso dá à música suas próprias raízes.

- "Fossora" é o seu décimo álbum de estúdio, mas você ainda é tão inventiva. O título "Trölla-Gabba" em particular, foi inspirado na sua ideia de uma "festa com trolls"?

Eu escuto isso quando sou um troll. Acho que, às vezes, todos nós somos trolls. Às vezes, cheiramos como um delicado gato, um pássaro ou algo assim, e às vezes como um troll. E quando você se sente um troll, você quer pular, dar socos no ar, em busca de alguma liberação catártica. Acho importante dançar muitas vezes, até a velhice, para que se torne parte do nosso modo de vida.

- Você dança suas músicas na sua sala de estar?

Eu nunca vou dançar a minha própria música! Acho impossível para mim. Mas aconteceu de eu também ser uma DJ. Durante a pandemia, fiz sets em alguns lugares no centro da cidade quando as restrições diminuíram, em prédios onde havia apenas algumas pessoas, talvez cinquenta no máximo. Meu set favorito tem quatro horas de duração e começa com música clássica ou world music por uma hora, então a segunda hora é repleta de canções um pouco mais rápidas, a terceira hora é ainda mais rápida e a última hora é feita apenas de gabber e techno brutal. Isso descreve muito bem o meu gosto musical!

- Em termos de música, você é como um David Attenborough, sempre em busca do desconhecido. Por que isso é importante?

Eu não me compararia a David Attenborough, mas sim, fico muito animada quando ouço algo novo. A natureza nos fez de tal maneira que nos renovamos completamente a cada sete anos, somos um aglomerado de células totalmente novas. Nos tornamos pessoas diferentes. É importante levar nosso crescimento emocional e psicológico até os 85 anos ou mais para estarmos conscientes e abertos a isso, e nos livrarmos o suficiente de desperdícios em nossas vidas para podermos seguir em frente e continuar crescendo. Cientistas que estudaram o cérebro notaram que, se você ouvir uma nova música que nunca ouviu antes, seu cérebro cria um novo território para ela. Se você ouvir apenas suas músicas antigas favoritas, a parte musical do seu cérebro não se desenvolverá.

- A música eletrônica é um playground ideal para você, e sem limites?

Nenhuma música tem limites, é uma questão de imaginação e estado de espírito. Podemos ficar estagnados ou ser imaginativos em qualquer gênero musical. É mais sobre se tudo o que é possível colocar em uma música está lá ou não.

- Como você vê o seu lugar na indústria da música? Como uma artista de sucesso, você é livre para fazer o que quiser?

Sempre fiz isso, desde a adolescência. Eu estava em bandas punk e estávamos em uma gravadora independente na Islândia, então não era sobre ganhar dinheiro. Se alguém precisava de um pôster, eu fazia um pôster, se alguém precisava de uma capa de álbum, alguém fazia uma capa. Venho desse ambiente do "faça você mesmo" desde os quatorze anos, onde não era necessário vender a alma para empresas para ser musicista. Essa mitologia, onde a gravadora chega em um cavalo branco para te contratar e te salvar, e onde, se te decepcionarem, você é um perdedor, é ficção! Não tem nada a ver com a música. Eu me sinto muito sortuda por ter sido cercada por pessoas mais velhas do que eu quando eu tinha quatorze anos. Nossa filosofia era: "é melhor ter total controle criativo e vender três cópias de discos do que nos comprometer [com algo que não acreditamos]".

- Você ainda segue essas regras hoje?

Nada realmente mudou! Ainda faço a mesma coisa de quando era adolescente. Se você é dono do seu trabalho, é dono da sua criatividade e tem consciência dos seus talentos, pode fazer o que quiser pelo resto da vida. Se tantas pessoas gostam do que você faz, isso é um bônus, mas eu sempre soube que um dia tudo isso pode acabar. Neste caso, eu continuaria a fazer música.

Foto: Vidar Logi.

Postagens mais visitadas deste blog

Nos 20 anos de Vespertine, conheça as histórias de todas as canções do álbum lendário de Björk

Vespertine está completando 20 anos ! Para celebrar essa ocasião tão especial, preparamos uma super matéria . Confira detalhes de todas as canções e vídeos de um dos álbuns mais impressionantes da carreira de Björk ! Coloque o disco para tocar em sua plataforma digital favorita, e embarque conosco nessa viagem.  Foto: Inez & Vinoodh.  Premissa:  "Muitas pessoas têm medo de serem abandonadas, têm medo da solidão, entram em depressão, parecem se sentir fortes apenas quando estão inseridas em grupos, mas comigo não funciona assim. A felicidade pode estar em todas as situações, a solidão pode me fazer feliz. Esse álbum é uma maneira de mostrar isso. "Hibernação" foi uma palavra que me ajudou muito durante a criação. Relacionei isso com aquela sensação de algo interno e o som dos cristais no inverno. Eu queria que o álbum soasse dessa maneira. Depois de ficar obcecada com a realidade e a escuridão da vida, de repente parei para pensar que inventar uma espécie de p...

25 anos de Post - Conheça curiosidades sobre o álbum icônico de Björk

13 de junho de 1995: Há exatos 25 anos , era lançado Post , um dos trabalhos mais marcantes da carreira de Björk. Em comemoração a essa data especial, preparamos uma super matéria honrando a importância desse disco repleto de clássicos.  Para começar, conheça a história do álbum no documentário  dividido em dois episódios  na Websérie Björk . Os vídeos incluem imagens de bastidores, shows e diversas entrevistas detalhando a produção de Post e os acontecimentos daquela era. Tudo legendado em português !     Além disso, separamos vários depoimentos sobre as inspirações por trás das canções e videoclipes do álbum:  1. Army of Me: "Algumas das minhas melodias são muito difíceis para que outras pessoas possam cantar, mesmo que não envolvam técnicas específicas. Essa talvez é a única das minhas músicas que escapa desse 'padrão'. Me lembro de que, quando a escrevi, tentei ter um certo distanciamento. Me...

Debut, o primeiro álbum da carreira solo de Björk, completa 30 anos

Há 30 anos , era lançado "Debut", o primeiro álbum da carreira solo de Björk : "Esse disco tem memórias e melodias da minha infância e adolescência. No minuto em que decidi seguir sozinha, tive problemas com a autoindulgência disso. Era a história da garota que deixou a Islândia, que queria lançar sua própria música para o resto do mundo. Comecei a escrever como uma estrutura livre na natureza, por conta própria, na introversão". Foi assim que a islandesa refletiu sobre "Debut" em 2022, durante entrevista ao podcast Sonic Symbolism: "Eu só poderia fazer isso com algum tipo de senso de humor, transformando-o em algo como uma história de mitologia. O álbum tem melodias e coisas que eu escrevi durante anos, então trouxe muitas memórias desse período. Eu funcionava muito pelo impulso e instinto". Foto: Jean-Baptiste Mondino. Para Björk, as palavras que descrevem "Debut" são: Tímido, iniciante, o mensageiro, humildade, prata, mohair (ou ango...

Saiba tudo sobre as visitas de Björk ao Brasil

Relembre todas as passagens de Björk por terras brasileiras! Preparamos uma matéria detalhada e cheia de curiosidades: Foto: Reprodução (1987) Antes de vir nos visitar em turnê, a cantora foi capa de algumas revistas brasileiras sobre música, incluindo a extinta  Bizz,  edição de Dezembro de 1989 . A divulgação do trabalho dela por aqui, começou antes mesmo do grande sucesso e reconhecimento em carreira solo, ainda com o  Sugarcubes . 1996 - Post Tour: Arquivo: João Paulo Corrêa SETLIST:  Army of Me One Day The Modern Things Venus as a Boy You've Been Flirting Again Isobel Possibly Maybe I Go Humble Big Time Sensuality Hyperballad Human Behaviour The Anchor Song I Miss You Crying Violently Happy It's Oh So Quiet.  Em outubro de 1996, Björk finalmente desembarcou no Brasil , com shows marcados em São Paulo (12/10/96) e no Rio de Janeiro (13/10/96) , como parte do Free Jazz Festival . Fotos: ...

Björk e a paixão pelo canto de Elis Regina: "Ela cobre todo um espectro de emoções"

"É difícil explicar. Existem várias outras cantoras, como Ella Fitzgerald , Billie Holiday , Edith Piaf , mas há alguma coisa em Elis Regina com a qual eu me identifico. Então escrevi uma canção, Isobel , sobre ela. Na verdade, é mais uma fantasia, porque sei pouco a respeito dela".  Quando perguntada se já viu algum vídeo com imagens de Elis, Björk respondeu:  "Somente um. É um concerto gravado no Brasil, em um circo, com uma grande orquestra. Apesar de não conhecê-la, trabalhei com ( Eumir ) Deodato e ele me contou várias histórias sobre ela. Acho que tem algo a ver com a energia com a qual ela canta. Ela também tem uma claridade no tom da voz, que é cheia de espírito.  O que eu gosto em Elis é que ela cobre todo um espectro de emoções. Em um momento, ela está muito feliz, parece estar no céu. Em outro, pode estar muito triste e se transforma em uma suicida".  A entrevista foi publicada na Folha de São Paulo , em setembro de 1996. Na ocasião, Björk divulgava o ...