Desde o início de sua carreira solo, trinta anos atrás, Björk continuou a ultrapassar os limites de sua arte. Depois de "Utopia", um álbum mágico e etéreo lançado em 2017, a musicista islandesa está de volta com "Fossora", um disco sobre cogumelos e o retorno às raízes. Para Número, ela falou sobre uma série de assuntos durante entrevista exclusiva:
Há trinta anos, a cada novo álbum, você transpõe histórias, temas e novas emoções em instrumentos, melodias e imagens. Como você faz isso?
Na carreira de um musicista, sempre existe aquele momento em que a gente volta da turnê, exaustos por ter tocado as mesmas músicas por meses, com a sensação de ter ido atrás do que se queria transmitir. Daí vem um período que dura entre um e dois anos para mim, em que não sei exatamente o que fazer a seguir. É aí que me sinto mais livre! Apelo à minha parte adolescente para localizar as primeiras pistas, que possam me ajudar a resolver o enigma que está adormecido em mim. Pode ser uma cor específica, uma playlist que acabei de criar. À medida que o tempo passa, adiciono novos elementos seguindo esse instinto. Então, muito mais tarde, deixo a "adolescente" em mim chamar a "editora" que virá purificar tudo isso.
É por isso que cada um de seus álbuns é tão diferente do anterior?
Para mim, escrever música é muito semelhante à amizade. Com um amigo de infância, a gente fica entediado muito rapidamente se ainda tiver as mesmas conversas de quarenta anos atrás. As boas amizades são aquelas em que as trocas se renovam e se enriquecem à medida que se evolui. Quando escrevo uma música que parece muito próxima de uma canção antiga minha, vejo não vale a pena lançá-la.
Já existem músicas suficientes de Björk para eu não lançar outras que soam como o que fiz antes. Os meus discos podem ser todos muito diferentes uns dos outros, mas estão ligados pela mesma espinha dorsal: a minha voz, claro, assim como uma mistura de sons eletrônicos com elementos acústicos. É como se olhar no espelho enquanto escova os dentes: todas as manhãs encontramos os mesmos olhos, o mesmo nariz, a mesma boca. Gosto muito dessa ideia de lidar com o que tenho tanto quanto poder modificar o que está ao redor, pois adoro trocar de roupa constantemente.
No seu novo álbum, "Fossora", desta vez são os cogumelos que, desde as imagens às letras, surgem como tema principal. Por que eles te fascinam tanto?
Cogumelos falam sobre nosso sistema neurológico. É também como a cura. A aparência, energia, forma de crescer e se desenvolver deles é emocionante, e é possível sentir isso nos beats do meu álbum. Hoje, descobrimos tantas coisas sobre eles: em Chernobyl ou em outros lugares devastados por acidentes nucleares, são os cogumelos que reaparecem antes de tudo! Diante da crise ambiental que atravessamos, deposito muita esperança nos cogumelos, e muito nos beneficiaria ouvir aqueles que estão trabalhando neste assunto.
A questão da família também está muito presente neste álbum. Em duas canções, cantadas em dueto respectivamente com seu filho e sua filha, você homenageia sua mãe, falecida há cinco anos. Este álbum é uma celebração de suas origens?
A personagem "Fossora" nasceu quando enterrei minha mãe. Não há uma resposta direta para uma situação dessa, mas acho que quem já perdeu um dos pais pode entender uma certa necessidade, durante o luto: querer vasculhar o passado em busca dos nossos antepassados e nos reposicionar na árvore genealógica.
Enquanto meu álbum anterior falava de fuga, da vida cotidiana e estrutura familiar, o novo disco me permitiu cavar o chão para encontrar minhas raízes. Não evoca tanto minha relação com a Islândia, pois não havia possibilidade de viajar. Outras circunstâncias desse período [da pandemia] nos levaram a mergulhar fundo em nós mesmos. Eu poderia ter escrito essas canções em qualquer lugar, desde que me sentisse em casa.
Falando em "casa", depois de morar parcialmente em Londres nos anos 90, depois em Nova York por anos, você realmente voltou para Reykjavík para sempre, onde agora mora o ano todo. A pandemia também a obrigou a ficar muito tempo no seu país. Você ainda se sente tão bem na Islândia?
Quando eu morava em Londres ou no Brooklyn, essas cidades eram minhas segundas casas, já que eu ainda morava na Islândia pelo menos metade do ano. Adoro morar aqui e fiquei emocionada quando veio o lockdown e não precisei sair do meu país por dois anos. Mesmo não ir mais ao aeroporto foi algo fantástico! Não tínhamos muitas restrições, então nosso estilo de vida não mudou muito, ainda podíamos ir à praia, por exemplo.
Hoje, eu diria que a Islândia me mantém humilde. Mais de modo meio egoísta, aprecio que morar em uma cidade do tamanho de Reykjavík torna as coisas tão simples. Quando quero ir a um concerto, demoro cinco minutos para chegar. Quando quero ter uma discussão filosófica com um amigo, posso escrever para ele e encontrá-lo dez minutos depois em um café, ou caminhar alguns minutos da minha casa para ver o novo filme do "Star Wars". Esta proximidade e o clima do país nos convidam a ser muito espontâneos, além disso não organizamos tanto as coisas com antecedência.
Se você perguntar a um islandês: "você estaria disponível para vir jantar aqui em casa na próxima semana?", ele olhará para você como se você fosse louco, como quando falo com londrinos ou nova-iorquinos! (risos). Morar aqui agora não parece que estou sacrificando o que poderia ter feito em uma cidade maior. É também o contrário, pois agora recebemos muitos concertos, peças de teatro, exposições, filmes e festivais, o que não acontecia quando eu tinha vinte anos.
Em 2015, em seu álbum "Vulnicura", você apareceu extremamente vulnerável, de coração partido por causa da sua separação. Sete anos depois, você parece estar se redescobrindo, mas desta vez de uma forma muito mais controlada. Escrever "Fossora" permitiu que você recuperasse o poder sobre si mesma?
Acho que sim! Em minha música, procuro documentar os diferentes estados pelos quais passamos como seres humanos, gostemos disso ou não. O que vivi antes de "Vulnicura" não foi uma escolha, mas um trauma causado por essa situação inesperada que me deixou completamente desprotegida. O álbum "Utopia" veio logicamente a seguir, como uma fuga necessária para "limpar o ar". Finalmente, em "Fossora", volto a mim mesma nos meus próprios termos. O fato de ter ficado no meu ninho nos últimos três anos, cercada por meus entes queridos, permitiu que eu me entregasse de uma forma muito mais controlada e serena.
Você disse uma vez que quando escreve suas músicas, a melodia muitas vezes vem antes das letras. Isso mudou com as canções pessoais de "Fossora"? Principalmente aquelas sobre sua família.
Varia. Em geral, as melodias vêm primeiro e, se eu tiver sorte, aparecem junto das letras. Na maioria das vezes, é como um quebra-cabeça que preciso montar à medida que avança. Para uma faixa como "Unravel", do álbum "Homogenic" [1997], eu havia escrito a letra em meu diário e demorei vários anos para encontrar a melodia que combinasse. Em "Jóga" foi o contrário: a melodia ficou rondando na minha cabeça por dois anos antes que a letra do refrão a encontrasse. Ainda mais em "Fossora", que levei cinco anos para escrever. Compus cada faixa de uma maneira diferente.
Várias faixas deste álbum, como o 1° single "Atopos", terminam com beats frenéticos de gabber, que surgem de repente. De onde veio essa construção incrível?
Imaginei uma espécie de "festa da Covid" em que ficaríamos quietos junto de um grupo de nossos amigos, dez no máximo, por causa das restrições. De repente, todos se levantavam para dançar como loucos por um minuto antes de se sentar, e então todos voltavam para casa mais cedo para cumprir o toque de recolher.
Deu origem a esta estrutura rítmica que, para mim, é um toque de humor e uma forma de brincar comigo mesma. Quando eu estava escrevendo o álbum, eu ouvia muito clarinete, gabber e música da África Oriental. Inicialmente, tinha planejado trabalhar com a Arca, como nos dois álbuns anteriores, mas a pandemia me impediu de ir vê-la em Barcelona ou de hospedá-la na minha casa. Como tinha estes cinco anos pela frente, três dos quais fiquei sem poder viajar, comecei a escrever estas canções que começam com um ritmo muito lento e aceleram repentinamente no final, graças às intervenções do duo Gabber Modus Operandi.
Ao longo de sua carreira, você colaborou com artistas de origens muito diferentes, da cantora inuit Tanya Tagaq ao produtor de hip-hop Timbaland. Como você consegue integrar todas essas personalidades tão fortes em seu universo?
Eu gosto muito disso. Passo tanto tempo trabalhando sozinha que depois de três anos escrevendo letras, melodias e arranjos sozinha, eu digo a mim mesma: "Vamos, finalmente é hora de fazer uma festa e convidar as pessoas!". Quanto mais avanço na minha carreira, mais tempo demoro para convidar outros artistas para o meu projeto, o que me permite explicar claramente minhas intenções a eles, sabendo quanta liberdade eles podem ter para trazer sua marca.
Neste álbum, as colaborações chegaram apenas três meses antes do final. Ouvi certas músicas pensando que poderíamos fazer melhor. Então escrevi para Kasimyn [metade da dupla Gabber Modus Operandi:
"Acabei de escrever este álbum estranho, muito "terroso", cheio de clarinetes baixos, e beats gabber programados em algumas faixas. Você poderia fazer algo a respeito?". O universo de "Fossora" falou muito com ele. De Bali, ele me mandou dez beats, integrei alguns nas minhas faixas, mandei de volta para ele e ele ficou encantado.
Desde o seu primeiro álbum em 1993, você lançou dezenas de remixes de suas músicas, e acaba de lançar um remix de seu single "Ovule" com Sega Bodega e Shygirl. Os remixes são outra forma de encontrar o espírito festivo de que você fala?
Quando se faz um álbum, cada músico é forçado em algum momento a se ater a uma versão de uma faixa sabendo que aquilo não se moverá a partir dali. Devemos, portanto, escolher aquelas versões [da mixagem] que nos parecem melhor, mas também as que resistirão a muitas audições. Remixes são o oposto. Quando se é muito disciplinado na finalização de um álbum, dar a oportunidade para outro artista reinterpretá-lo é muito libertador, porque o lado "verdadeiro" e o "falso" não entram mais em jogo.
Isso me lembra o jazz dos anos 50, onde podíamos ter dezenas de versões da mesma música como "My Funny Valentine". Tínhamos uma base comum e um espaço de liberdade, no qual poderíamos fazer o que quiséssemos. Convidar outros artistas para remixar minhas canções também é uma maneira emocionante de conhecê-los através do prisma da música.
Eu já conhecia Sega Bodega e Shygirl, mas não sabia muito bem de ambos, e o remix de "Ovule" levou a faixa em uma direção totalmente diferente. Também remixei uma faixa do álbum da Shygirl, "Woe", que será lançada em breve. Às perguntas que ela faz em suas letras, eu respondia com melodias que eu mesma cantava, como uma amiga que vinha tirar suas dúvidas.
Você comentou sobre um "paraíso" doce e celestial em "Utopia", e depois desceu à superfície da terra com "Fossora". De certa maneira, os dois universos formam um tipo de yin-yang?
Completamente! Sei que meu trabalho não mostra isso, mas sou muito pé no chão e pragmática. Eu só poderia escrever um álbum tão idealista quanto "Utopia" sabendo que o próximo traria tudo de volta ao equilíbrio. Basicamente, meu álbum anterior era sobre a vida que eu idealmente queria, e este novo é sobre como realmente vivê-la.
Estou integrando os vídeos de "Fossora" em meu show "Cornucopia", criado em 2019, que apresentarei na Europa no outono. É até hoje, o meu projeto mais caro, extravagante e teatral, o que justifica ainda mais acrescentar-lhe um segundo álbum. Mal posso esperar para substituir minha flauta e canções de pássaros por clarinetes e gabber.
Em seu podcast "Sonic Symbolism", lançado em agosto passado, você descreve cada um de seus álbuns anteriores como personagens de tarô. Você pode descrever o personagem de "Fossora" hoje?
Posso parecer uma garotinha muito consciente do que estou fazendo no podcast, mas é o oposto quando estou compondo. Só cerca de três anos depois de lançar um álbum é que consigo analisar do que se trata e porque o fiz assim. A essa altura, ainda é muito cedo para eu falar da "Fossora" como aquela garotinha do podcast, principalmente até apresentá-la no palco. Só posso dizer que é uma personagem que está enraizada na terra, que se contenta com o que tem, sem querer mais. Vejo como cores dominantes o verde escuro, o marrom e o bordô... Me pergunte novamente daqui a cinco anos, e poderei lhe dizer com mais clareza!
Este ano você comemora seus trinta anos de carreira solo desde o lançamento de seu primeiro álbum, "Debut". Em 2004, você declarou que seu melhor álbum ainda estava muito longe de você. Ainda é o caso?
Hoje, não acho mais que um dos meus discos é melhor que o outro. Quer tenha 20 ou 100 anos, quer tenha sete ou sete milhões de pessoas me ouvindo, o que importa é que dou sempre a mesma importância a cada uma das minhas canções. Minha turnê "Cornucopia" é indiscutivelmente o projeto mais extravagante que farei em toda a minha vida [no palco], o que não significa que seja o meu melhor. Por mais assustador que possa ser, a "angústia da página em branco" que sinto antes de cada novo projeto é crucial. O que farei depois, afinal, não sei e nem quero saber. Caso contrário, criar se tornaria muito chato!
- Entrevista concedida a Matthieu Jacquet publicada na Número, março de 2023.