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Björk entrevista a si mesma na nova edição da "W Magazine"

Fotos: Tim Walker

Com o lançamento de seu novo álbum em Novembro, que possivelmente se chamará "Utopia", a grande e inimitável artista islandesa Björk reflete sobre o seu passado e sonha sobre o futuro. E a dinâmica da entrevista é bem interessante. Confiram:

Bom dia, eu estou meio sonolenta, mas feliz em estar aqui. Acabei de enviar os últimos arquivos para a masterização, o álbum já está pronto! Me pediram para escrever algumas perguntas... Hmmm... O que eu gostaria que me perguntassem? Eu meio que tenho um ponto fraco para algumas daquelas clichês, como algo do tipo: "o que você diria ao seu eu adolescente?". Talvez eu não deva perguntar isso, né!? Tipo: "E se eu pudesse pedir alguma coisa para o futuro?". Está bem... Que tal algo como, "eu imagino um lugar na natureza bem interessante, com todo o espaço possível para que alguém possa se concentrar e fazer música... será que isso vai acontecer comigo?". Enfim, o que eu quero dizer, é que já tenho isso na minha cabana na Islândia, mas é mais como uma coisa em tempo integral, sabe? Eu tenho desejado isso por tanto tempo... E eu também provavelmente perguntarei sobre a saúde e a felicidade dos meus entes queridos. E se tem algo que eu possa fazer para ajudá-los com...? Sei lá! Mas com certeza, eu provavelmente gostaria de saber se eu continuo corajosa com relação a música.


Na noite passada, antes de eu dormir, tentei pensar em algumas perguntas que fossem do estilo da revista "Normcore", mas também não me senti nem um pouco inspirada. Enfim, então vamos a primeira pergunta adequada:

Qual é o seu relacionamento com flautas?

Bom, quando criança, eu queria aprender a tocar o instrumento Oboé, mas minha mãe não podia pagar por isso, então eu aprendi a tocar flauta e fiquei com esse sentimento meio imaturo de que era minha segunda opção durante os 6 ou 8 anos de prática. O meu principal interesse na escola de música foi sempre a teoria da música, que eu acho global, nerd e incomum, especialmente para uma garota. Cada um se concentrava mais no seu instrumento. Eu lembro de ter tomado o controle aos 10 ou 11 anos de idade, me recusando a tocar música de velhos alemães mortos, eu não conseguia me relacionar com eles e ser uma garota islandesa no final do século XX, não havia muita coisa em comum. Então um jovem professor de flauta me apresentou a música de flauta finlandesa contemporânea, que era tão linda e muito popular, além de bastante conectada à natureza, mas também tinha um pouco de vanguarda. Eu comecei a fazer parte de bandas punk e toquei flauta em canções de algumas delas, como por exemplo, "Anna" com o KUKL e uma outra chamada "Glora". Eu acho que olhando para trás, também é possível perceber que realmente treinei meus pulmões de forma correta com a respiração e a resistência, então quando comecei a cantar, que também era minha segunda escolha (Que porra é essa?), porque eu queria ser baterista, eu provavelmente tinha uma voz muito ingênua e desajeitada, mas também "pulmões assassinos". Foi muito louco voltar a tudo isso agora neste novo álbum depois de todos esses anos, é como olhar para uma parte não tão "legal" da minha infância. Flautas sempre foram um pouco sem graça, e analisando também outro período da minha vida e vinculando-o ao agora, eu também sinto que o "Vulnicura", meu disco anterior, onde permiti que entrasse em um pouco da escuridão do processo de perda e tristeza, de repente trouxe todos os sons que eram leves e fofos, e que parecem tão atraentes.

Por que você trabalhou com Arca?


No final do "Vulnicura", senti uma conexão musical muito profunda com ela, e me senti culpada por a ter arrastado através de um assunto tão dramático e difícil, e ela tinha participado dessa minha missão com tanta elegância e dignidade, que eu queria encontrar outro ponto de vista onde pudéssemos ter outra colaboração musical, desta vez utópica, sem toda aquela bagagem do meu desgosto pessoal, mas também havia algum propósito mais profundo, que nem nós duas entenderíamos hoje. Algo sobre quando duas musicistas podem fazer álbuns por conta própria, deixando nossas defesas e egos para trás, o patriarcado, as hierarquias e tudo o mais, tendo este desprendimento, onde ninguém é vítima. Ela não está oprimida ao se adaptar às minhas músicas como em "Vulnicura". Foi como abraçar todas as fraquezas e transformá-las em pontos fortes. Ficar vulnerável! Nossa relação é mútua. Ambas são corajosas. Talvez isso seja exatamente ainda mais corajoso, sabe? Fundir um assunto com o outro e ainda manter a dignidade como musicista, porque, como em todas as batalhas que envolvem injustiças, os direitos dos negros não são sobre isolar pessoas negras, mas sim sobre como elas devem viver em uma sociedade com os mesmos direitos concedidos a pessoas brancas. O mesmo é com as mulheres. Eu acho que é importante que agora todos estejam mais conscientes sobre a questão do sexismo. Nós deveríamos poder abraçar essas colaborações, onde os homens não recebem todos os créditos.


Seu sonho de "Utopia" se tornou realidade?


Com relação ao peso e a  liberdade ou os obstáculos na criação de músicas, sim! Mas eu acho que a ideia do álbum nunca foi de forma fanática. Ao invés de uma perfeição ideal, é mais sobre uma especulação de quais são as nossas fantasias e qual é a possibilidade de torná-las realidade, e como elas podem ajudar de alguma forma. Ter coragem de escolher a sua primeira opção e ficar de acordo com ela. Eu sinto que neste momento existe uma necessidade em ter um plano, um manifesto, uma alternativa. É uma questão de vida e morte para a nossa espécie. Como musicista, eu sinto que posso sugerir um "ângulo poético e musical" onde, após todas essas tragédias, é necessário inventar um mundo novo, tricotá-lo e bordá-lo, sabe... inventar! Ele não será dado a você porque você merece, não é algo do tipo: "Faça desse jeito". Você tem que imaginar algo que não existe e cavar uma caverna no futuro e exigir um espaço. É um caso de esperança territorial. Agora pode parecer apenas uma visão utópica, mas no futuro, se tornará sua realidade. 


Eu tenho que dizer que, na noite passada, eu achei que seria quase impossível me fazer perguntas, pois parecia tão incrivelmente narcisista, então imaginei que poderia fazer perguntas que me interessam a pessoas aleatórias, como se elas fossem hipnotizadas, e então eu as escrevi e depois, quando acordei, esqueci todas elas e depois as respondi como se nunca tivesse as ouvido antes, então aí vão elas:


Você gosta de estar sob pressão ou trabalho duro? 


Um pouco dos dois. Eu acho que como criaturas da natureza, fomos projetados para caçar ou reunir, sobrevivendo a tudo para fazer as nossas coisas. Mas também tenho fortes sentimentos por não trabalhar demais, acho que o trabalho é realmente infértil. Por exemplo, o que é muito interessante no meu trabalho com escolas escandinavas com o "Biophilia", é que as escolhas são curtas e feitas durante muito tempo livre, e inspiram a imaginação a maior parte do tempo, e não só tornam as crianças mais felizes, mas também criam projetos mais originais no final. Eu vi como trabalhar até a meia-noite nas grandes cidades é realmente destrutivo para as famílias, e você não está apresentando novas ideias, mas apenas repetindo coisas antigas em um loop eterno.

Você permite espaço para pensar de forma abstrata?
 
Provavelmente eu poderia fazer isso mais vezes, sabe? Mas eu tenho que dizer que, às vezes, no calor de resolver enigmas, como quando eu estava terminando de mixar este álbum, por exemplo, eu tenho os momentos mais abstratos e fluidos e de forma rápida, mas às vezes, especialmente no processo de composição, eu tenho que me permitir a realmente me libertar para chegar a esse novo lugar fértil e não apenas me repetir. Então, em resumo: Isso é algo abstrato e até onde é abstrato? Não posso planejar isso?     
 
Como você evita que a sua rotina fique "cristalizando" os seus dias te deixando estagnada?

ha, ha, ha, ha, É um enigma contínuo, embora eu consiga na metade do tempo certo. Eu tento não planejar muito à frente do tempo ou eu fico claustrofóbica, como musicista, tem que haver muito espaço para que eu possa improvisar, caso contrário nunca escreverei nada.

Qual é o seu ritual favorito?
 
Eu acho que as manhãs são a parte mais preciosa do dia. Elas podem ser mais mágicas, mas também difíceis se você não as entender. Para que tudo permaneça de forma fluida, é bom optar por mudanças suaves ou pessoas diferentes e ainda assim incluir todos esses aspectos. As noites são mais fáceis porque, então, você tem todos os ingredientes acumulados durante o dia e é mais fácil adivinhar o que vai cair bem ou o que está faltando.

O quão importante é a força sexual para você? 

É extremamente importante! É o que nos move, e penso que, obviamente, não é literalmente apenas no sexo, mas é vital incluí-lo na "coreografia" de todas as coisas.

Como um combustível na vida?

Escute a si mesmo e permita que o espaço seja compreendido, faça o que te excita mais.



Você pode unir o sexo e o amor?
 
Absolutamente!
 
Com quem você mais gostaria de se encontrar? 

Com os meus amigos! Oh, Meu Deus, estive no estúdio um pouco demais...

Quando você se sente mais livre?

Quando estou fazendo música, quando estou com meus amigos e familiares. Quando ando na natureza!


Você confia onde a vida está te levando? 

Eu não confiava há uns 3 anos, mas agora sim. Eu entendo de forma melhor.

O quanto você gostaria de se arriscar e o quanto gostaria de permanecer segura?

Provavelmente sou mais conservadora do que as pessoas pensam. Eu ainda vivo perto de onde nasci, estou cercada por natureza, amigos, familiares, muito da minha vida envolve música de uma forma ou de outra, mas então, de repente eu tento pular de "bungee jump", mudo a minha forma de compor, de construir arranjos ou como eu canto. Não estou dizendo que eu tenha sucesso com tudo isso, mas eu tento.
  
Você tem medo de não ser ouvida? 

Não mais do que os outros, mas minha fraqueza é definitivamente a claustrofobia, que fica tão mais intensa nas grandes cidades. Às vezes, de alguma forma, parece sufocante. Mas, em geral, eu me sinto muito abençoada. Eu faço minha música e as pessoas ainda estão ouvindo e eu estou cercada por amigos incríveis com quem eu falo o tempo todo sobre tudo.

Você acredita no amor?

Sim!

Que parte da sua essência você gostaria de deixar para trás, uma vez que já se foi?

Eu me divirto com mais frequência com músicos em gravações, no processo de composição ou na sensação de estar mixando, como se fosse preciso para que eu respirasse, e isso sem esforço e quase inconscientemente. Se eles lidam ou não com isso da mesma forma, eu acho que é chamado de condição humana, né? Isso parece autoajuda. Droga!


Você gosta de pessoas que você pode controlar? 

Definitivamente não. Eu gosto de uma relação igualitária. Eu adoro aquela sensação de quando você alcança a medida perfeita entre duas criaturas muito diferentes, que deixam que tudo floresça da melhor maneira.

Quão vulnerável você sente que deve se deixar para permanecer vibrante?

ha, ha, ha, ha, Eu devia estar com muito sono quando preparei esta pergunta ha, ha, ha, eu sinto que é um ato de equilíbrio constante, para permanecer aberta o suficiente, e também para não implodir, e ficar de peito aberto. O desafio de uma vida inteira...

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