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Cornucopia: Björk une conto de fadas e música em novo espetáculo

Foto: Ryan Pfluger

“É como uma girafa albina bebê": De acordo com Björk, é dessa forma que soam as flautas do show Cornucopia. No novo espetáculo da artista islandesa, sete flautistas a acompanham, todas mulheres. Ela mencionou esses animais como uma maneira de tentar traduzir a visão que ela tem de suas colaboradoras no projeto. "São bichinhos meio peludos e meio limpos ao mesmo tempo, mas não tanto quanto pensamos, já que na verdade (continuam sendo) girafas. Se é que isso faz algum sentido".

Essa entrevista foi concedida durante uma pausa nos ensaios em um jantar com a cantora. A jornalista Melena Ryzik e Björk ficaram sentadas de frente para o palco durante o bate-papo. 

A estreia das apresentações com ingressos esgotados no centro cultural The Shed, em Nova Iorque, foram anunciadas como a performance mais elaborada da cantora até hoje! O coral de 50 pessoas, a cabine de reverb feita sob medida, as projeções de vídeo hipnotizantes, o "som de 360 ​​graus" cuidadosamente posicionado e os instrumentos incríveis, alguns usados ​​apenas em momentos específicos do show, evidenciam isso.


A cantora prefere chamá-lo de "teatro digital", ou ainda "um concerto de música pop de ficção científica". Seja qual for a denominação, Cornucopia é certamente uma maneira de entrar na cabeça dela, que, no momento, parece estar focada na criação de um futuro alternativo, feminista e esperançoso.

"Acho que é uma espécie de conto de fadas, ou até propositalmente em êxtase, e algo caloroso". 

Alex Poots, diretor artístico do The Shed, fala sobre o desenvolvimento da série de apresentações, que será transformada em turnê nos próximos meses: "A Björk é alguém que esbanja criatividade. Existe uma combinação do controle real (desse tipo de produção) e um sentimento punk, que cria essa explosão de ideias, porque nunca se torna de fato uma coisa séria e rigorosa. Há sempre esse anseio de reinventar. Eu ficaria muito chateado se não parecesse relevante para ela se apresentar aqui. Martha Rosler, uma importante artista feminista, fala sobre o futuro voando sob o radar. E certos artistas como Björk estão muito atentos em manter os olhos bem abertos (ao novo). Ela é alguém que inicia as perguntas ao invés de dar muitas respostas e instruções".

Foto: Santiago Felipe

"Para mim, Vulnicura foi basicamente muito, muito triste", relembra Björk. "Assim como acontece com o inverno na Islândia, com pedras no chão, sem plantas, sabe, a melodia estava literalmente jogada no chão. Não houveram grandes saltos. Em Utopia, Alejandro (Arca) e eu falamos muito sobre isso. Nós queríamos que os sintetizadores soassem como flautas, e as flautas como pássaros e os pássaros como sintetizadores”. (Nesse disco,) não há nada de negativo.

Lucrecia Martel, uma grande cineasta argentina que está fazendo sua estréia em Nova York e no teatro dirigindo Cornucopia, ficou encarregada de ajudar a materializar a visão de Björk. Questionada sobre a metáfora da flauta de girafa, ela ri dizendo: "Muitas de suas explicações são desse estilo, e às vezes é um pouco difícil entender o que isso realmente significa". Ainda assim, ela seguiu as recomendações da artista. Björk fez todos os arranjos musicais, e Martel acrescentou o que ela chama de "fisicalidade", como por exemplo, nas projeções criadas por Tobias Gremmler, exibidas em cortinas ao invés de telas enormes. Essa transparência da tecnologia torna possível modificar o visual do show de uma outra maneira. Segundo ela, em vários momentos, Björk apresentou ideias, particularmente sobre o figurino e a performance em si, que a faziam ter medo (de não conseguir): "(Passar por isso) é um desastre. Quando vejo tudo junto, é tão incrível!".



Desde que iniciou sua carreira na música, Björk é a chefe da situação. Ela ainda tem o mesmo empresário desde a adolescência, Derek Birkett. Ao longo dos anos, a cantora apenas assinou com grandes gravadoras como distribuidores de seus discos: "Eu nunca tive ninguém, nem mesmo o Derek, que colocasse meu álbum para tocar (em uma reunião) e dissesse: "Ah, eu não gosto da terceira música". 

Fora do ciclo de turnês pop habitual desde o fim do show de divulgação de Biophilia, Björk explica a diminuição na agenda de apresentações nos últimos anos: "Eu simplesmente não acreditava mais nisso. Além disso, eu tinha uma família". Ela adaptou a carreira para atender às suas necessidades: "Se eu quiser vestir a ideia do matriarcado, então devo fazer jus ao que estou pregando, entende?".

Foto: Ryan Pfluger

"Eu tenho sorte, pois sou de uma geração que realmente podia comprar uma casa. Eu vendi muitos CDs nos anos 90. Tenho algumas casas e uma cabana nas montanhas. Estou bem. Mas eu provavelmente não fiz um centavo nos últimos, não sei, 20 anos. (Todo o dinheiro) volta ao meu trabalho, e eu gosto que seja desse jeito".

O fato de seus últimos álbuns terem estado longe das rádios não parece incomodá-la. Segundo ela, apenas uma vez em sua carreira, quando morava em Londres nos anos 90, se sentiu como uma celebridade de primeira linha: “Fui convidada para todas as festas. Compareci a algumas delas, pensava que seriam incríveis. Mas acordei em uma manhã e fiquei pensando: "Ok, tô fora! Tipo, a música é terrível, as conversas são horríveis. Tô fora!".

Quando se mudou para a Espanha e escreveu o Homogenic, Björk teve a percepção de que ela não é o tipo de musicista que pode estar no centro das atenções e ainda ser criativa: "Eu preciso ir para as sombras, ficar em um canto, sem ter ninguém me olhando", garante. Em Cornucopia, essa introversão é representada pela cabine de reverb no canto do palco, que com sua amplificação especial pretende recriar o efeito da voz dela quando canta sozinha em seus longos passeios a pé, uma tradição desde a infância. Por muitas vezes, Björk desaparece de vista do público quando entra lá. Durante a conversa, ela disse estar com medo de mostrar seus vocais de forma tão crua.

Quanto aos instrumentos desenvolvidos especialmente para o show, uma espécie de flauta circular em um tubo de oito metros de comprimento (foto abaixo), foi feita na Islândia para ser tocada por quatro pessoas em apenas uma música, Body Memory.


"Todo esse show é sobre mulheres se apoiando". Björk descreve seus arranjos para elas como um tipo de "música folclórica de flauta para o futuro".

Sendo uma artista tão firmemente enraizada em questões envolvendo a natureza, o show também traz um aviso terrível sobre mudanças climáticas, com uma mensagem sobre os perigos da saída de países do acordo climático de Paris. O apelo mais direto ao futuro vem de Greta Thunberg, uma adolescente sueca ativista do clima, que aparece no final do espetáculo em uma mensagem de vídeo na qual diz:

“Estamos prestes a sacrificar nossa civilização pela oportunidade de um número muito pequeno de pessoas continuarem a ganhar quantias inimagináveis ​​de dinheiro. A biosfera está sendo sacrificada para que pessoas ricas em países como o meu possam viver no luxo. Mas é o sofrimento de muitos que paga por isso. No ano de 2078, celebrarei meu 75º aniversário. Se eu tiver filhos, talvez eles passem o dia comigo. Talvez eles perguntem por que você não fez nada enquanto ainda havia tempo para agir. Você diz que ama seus filhos acima de tudo, e ainda assim está roubando o futuro deles diante de seus olhos. Até você começar a se concentrar no que precisa ser feito e não no que é politicamente possível, não existirá esperança. Não podemos resolver uma crise sem tratá-la como uma crise. Se as soluções dentro deste sistema são tão impossíveis de se encontrar, então talvez devêssemos mudar o próprio sistema. Eles nos ignoraram no passado e nos ignorarão novamente. Eles ficaram sem desculpas e estamos ficando sem tempo. Mas estou aqui para dizer que a mudança está chegando, quer gostem ou não. O poder real pertence ao povo".

Foto: Santiago Felipe

Assim como ela, a filha da própria Björk costuma participar de greves pelo clima às sextas-feiras. "Essa geração é extremamente consciente do poder do ativismo, eu tenho muito orgulho disso". Sobre Utopia, ela já havia declarado: “É sobre propor uma maneira mais compassiva de interagir com a natureza. Espero que começar de um ponto de vista feminino ajude". 

Foi disso que Björk se cercou recentemente. Durante a entrevista, ela disse estar feliz e apaixonada. Mas apaixonada de um ponto de vista romântico, ou em decorrência das "faíscas" das conexões criativas desenvolvidas com seus colaboradores, como a que ela tem com o Arca? 

"Talvez todas as opções acima", Björk responde. “Cornucopia é provavelmente tão expansivo quanto eu consigo, é um esforço para encontrar um equilíbrio entre todas as áreas. E uma maneira do amor estar presente".

- Björk em entrevista ao The New York Times, maio de 2019.


Foto: Ryan Pfluger

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