Foto: Jesse Kanda |
Desde as primeiras ideias até a primeira apresentação no The Shed, em Nova York, até que ponto a experiência criativa de Cornucopia tem sido satisfatória?
Tem sido extremamente satisfatória! Há alguns anos, tentei descrever para os meus amigos colaboradores o que pretendia com esse show de "teatro digital". Já estávamos entusiasmados com o som de 15 alto-falantes na tecnologia 360º, que dá a impressão de que está voando entre o público. Cornucopia é como uma continuação de Vulnicura. Nós tivemos que programar um software específico de masterização que não existia para podermos trabalhar com isso. Eu estava animada para dar o próximo passo e tornar o ambiente virtual ainda mais “real”, colocando-o em torno da plateia em um ambiente como esse.
Depois de tantos anos de carreira, você ainda se sente nervosa antes de uma apresentação?
Eu ainda sinto que depois de cada show, nunca mais poderei fazer isso de novo. De alguma forma, na psicologia do intérprete tem que ser assim porque acumulamos novas emoções, energias, diferentes ângulos de improvisação, experiências que incluímos quando o próximo show ao vivo chega para não nos repetirmos. Pode parecer que exagerei, mas isso realmente mostra que no fundo temos muita fé. Estou falando emocionalmente, mas faço assim.
Muitos críticos lhe consideram uma das artistas mais inovadoras da história. Como você gostaria que seu trabalho fosse lembrado?
Fico muito lisonjeada. Suponho que, no geral, não penso muito nisso, mas tem uma coisa que sempre faço, que é garantir que meus arranjos, harpa, cordas, flautas, sons de vento, se coloquem da maneira mais fácil de interpretar. Muitas das gravações originais foram feitas com vários ensaios e outras coisas foram alteradas verbalmente e de ouvido, então dou o meu melhor para transcrever e colocar tudo isso em partituras.
O quão difícil foi desenvolver e adaptar os instrumentos usados em Cornucopia?
As flautas são o elemento mais importante desse show. Há quase três anos começamos a reunir, moldar e ensaiar as partituras. Estou muito feliz com a forma como a capturamos ao vivo. Para o disco Utopia eram doze flautistas, mas sete é um número mais equilibrado para uma apresentação ao vivo com batidas e todos os outros instrumentos. A cabine de reverb é resultado de uma longa viagem com um especialista em acústica. A preparação demorou cerca de um ano entre chamadas e testes via Skype. Os tubos de oito metros de comprimento também eram divertidos de se criar; Eles foram construídos na Islândia por um fabricante do instrumento órgão. A flauta circular, o aluphone e o que usa batidas em meio a água demoraram um pouco para serem programados, enquanto a mixagem de som 360º levou alguns meses para ficar pronta durante o inverno passado. Aluguei um farol na Islândia e fiz isso lá.
Suas roupas são parte integrante de seus shows. Quando você sabe o que quer usar no palco?
É um longo processo de eliminação. O tema de Cornucopia é o som. Ao invés de tentarmos fazer com que as coisas sejam boas, primeiro temos de tentar fazê-las parecerem boas. Por exemplo, a cabine de reverb parece mais exuberante depois que a decoramos. A inspiração para muitos dos trajes e máscaras usados são as ondas sonoras. No painel de visuais que tínhamos, uma das minhas referências era o "esqueleto de uma orquídea". Imaginei que, se quiséssemos uma espécie de "ressonância máxima" em nosso crânio, teríamos de ter outro crânio fora do nosso, que então se desdobraria para obter uma reverberação melhor. Então acabou parecendo uma orquídea mesmo. O Sydney Opera House foi outra referência também, pois parece bastante o esqueleto de orquídea.
Você coleta sons da natureza para usar em sua música. Como você gostaria de explorar ainda mais isso?
Cada álbum tem um tema diferente. Para Vespertine, coletei "microcosmos" no meu computador e fiz batidas através de sons de insetos, arranhões, sons "silenciosos" que tive que tornar mais altos para se transmitir a sensação de que estavam contando um segredo ao ouvinte. Em Utopia, usei sons de um dos meus vinis favoritos dos anos 70, um disco de David Toop cheio de canções de pássaros venezuelanos, isso em homenagem ao meu colaborador Alejandro/Arca. Uma das músicas do álbum dá a impressão de que são pássaros se tornando plantas, e flautas se tornando sintetizadores. E esses pássaros soam como sintetizadores de todos aqueles que ouvi. Para o meu próximo disco, ainda não planejei nada, mas tenho certeza que vai acabar sendo com alguns ruídos gravados de “objetos sonoros que encontrei”.
Nos concertos, é impossível controlar o uso de telefones. Como você lida com isso?
Realmente não mudou, mas sinto que os músicos geralmente concordam comigo. É difícil de explicar. Depois de ter viajado por todo o mundo e reunido tempo, energia e amor para oferecer ao público algo real, vivo, e acima de tudo me esforçar em não tocar o disco da maneira que está disponível online, infelizmente, no momento em que subimos no palco os fãs querem transformar imediatamente tudo aquilo em uma gravação. Os músicos dão o melhor de si para tentar se abrirem para os outros. Filmar com telefones cancela a intimidade de uma maneira muito agressiva. O público que faz isso parece distante.
O templo da rainha: Para os shows de Björk no México, foi construído um espaço especial que abrigará o espetáculo Cornucopia no Parque Bicentenário.
Segundo o Spotify, a Cidade do México é o lugar que mais te escuta no mundo. O que você lembra do México?
Tenho que te dizer que ouvi mesmo rumores sobre isso. Me sinto muito lisonjeada, eu amo a Cidade do México! Passei um ótimo tempo aí da última vez, em ambas as apresentações com a Orquestra Sinfônica da Cidade do México, no festival com o Arca e fazendo o DJset na exposição de realidade virtual no Museu de Fotografia Cuatro Caminos. Me sinto muito abençoada com a compreensão e a curiosidade que os mexicanos demonstraram em relação à minha música depois de todo esse tempo. Eu não tomo isso como algo garantido.
Nas suas apresentações na Cidade do México, o repertório mudará ou ouviremos as mesmas músicas em todas as datas?
Eu não tenho certeza. Agora estou procurando um coral mexicano. Pode não ter a mesma textura e timbre do coral islandês com quem toquei em Nova York, mas vou me adaptar a isso. Vamos improvisar!
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Foto: Santiago Felipe |
"A maioria das músicas dos últimos discos da Björk são produções e batidas dela em colaboração com o Arca. Gosto muito desse trabalho. Como percussionista, para mim é bastante desafiador, pois não é algo tão óbvio. Com as faixas mais recentes, nem sempre sabíamos se era algo que se tratava de uma percussão, de um sintetizador, de um baixo ou outro instrumento.
Muitas vezes, as ideias não vem de mim mesmo. Dessa forma, o resultado pode ir em outra direção. É interessante conhecer o foco e o fluxo de trabalho de outros artistas.
Durante muito tempo, eu já queria usar esse instrumento (da foto), mas era complicado tecnicamente. O show Cornucopia é o lugar perfeito para isso. Com a equipe de produção, finalmente o tornamos realidade. Gosto dele, pois é tão natural e recebemos uma resposta direta e aleatória por causa da água, sem restrições.
Blissing Me é a canção que mais gosto de tocar nesse espetáculo. Body Memory é provavelmente uma das mais complicadas, já que é formada por várias camadas de ritmos ao mesmo tempo, o que exige um cuidado maior" - Manu Delago.
Björk se apresenta no Parque Bicentenario na Cidade do México nos dias 17, 20, 23, 27 e 30 de agosto. Os ingressos estão quase todos esgotados. Em novembro, ela cantará pela primeira vez (após muitos anos) sozinha em grandes arenas na Europa, todas com capacidade acima de 10 mil pessoas. Confira mais detalhes AQUI.
- Entrevistas para a Time Out México, agosto de 2019.
De surpresa, Björk lançou o videoclipe de Losss. A produção é uma das projeções do novo show. Novamente, a direção é de Tobias Gremmler, também responsável pelo registro audiovisual de Tabula Rasa.
"Ninguém capta a sensualidade digital como ele, de forma tão elegante e expressiva!!!! Isso tudo foi feito para ser exibido nas múltiplas telas do meu show e agora compartilhamos aqui para a única do seu laptop. O projeto é baseado nas conversas entre duas faces que existem dentro de nós. A otimista (nos vocais do lado direito) e a pessimista (no esquerdo). Quando gravamos, tentei fazer dessa maneira. Se você ouvir usando fones de ouvido perceberá que coincidem com as imagens", explicou a islandesa nas redes sociais.
Para o site CLOTMAG, o diretor declarou: "O trabalho de Björk incorpora o conceito utópico da coexistência harmoniosa entre a natureza e a empatia nas pessoas. Um dos pontos fortes disso é que o resultado pode ser muito pessoal e, ao mesmo tempo, ter relevância universal. Tivemos muitas conversas sobre flores e como elas poderiam ser usadas para expressar o crescimento, a transformação e a diversidade das coisas. A ideia principal era incorporar um estado constante de metamorfose, celebrando a renovação. Assim, os visuais expressam certos aspectos da letra da música enquanto preservam também espaço para interpretações. É provável que essa minha colaboração com ela se estenda um pouco mais. Seu trabalho é uma fonte infinita de inspiração. É uma grande honra!".