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Em 1997, Björk já pensava em trabalhar com a realidade virtual


Vulnicura VR é o primeiro álbum em realidade virtual da história. Nele, cada experiência musical faz parte de um todo maior; uma narrativa visual que une cada canção. No entanto, segundo a edição de setembro de 2019 da Crack Magazine, esta não foi a primeira tentativa de Björk em querer dar vida a um projeto com esse tipo de tecnologia. Nos anos 90, quando a ferramenta começava a ganhar visibilidade, a islandesa quis criar uma experiência semelhante para o álbum Homogenic. Na época, muitos estudiosos acreditavam que os VRs seriam a próxima grande mudança de paradigma da humanidade após a Internet. Mas ficou como promessa, já que além de cara, não estava desenvolvida o suficiente para materializar as ideias da cantora, não para o mundo que ela queria construir. A artista acredita que a realidade virtual ficou por muito tempo em segundo plano.

Só em 2013, os primeiros headseats especializados foram lançados. Então, Björk e seu diretor criativo (e braço direito) James Merry entraram em contato com profissionais do ramo, incluindo Max Weisel, que já havia colaborado no universo de apps de Biophilia. Ela também procurou a CCP Games, produtora do jogo online EVE Online (além de 'herdeira' da OZ Communications, uma das participantes do projeto arquivado de Homogenic). No início de 2014, ela e pessoas de sua equipe conseguiram equipamentos próprios, e os instalaram na cozinha de sua casa. Experimentando, perceberam que agora, finalmente, os VRs estavam prontos o suficiente para as ideias dela: “Ficou parecendo que a tecnologia tinha um certo impulso, que estava pronta para não ser apenas esse tipo de coisa esotérica, mas com a capacidade de podermos incorporá-los, fornecendo e compartilhando um conteúdo emocional". Agora, o casamento perfeito entre as duas ideias se deu com a temática de Vulnicura. Uma jornada de cura e fortalecimento.

Em uma análise auto-depreciativa do próprio trabalho, ela se limita a dizer: "Parece algo de utilidade para si". Mas, na verdade, tem como base também a ciência 'firme', já que há muito tempo os ambientes virtuais são usados ​​não apenas para treinar, por exemplo, cirurgiões, como também são usados em seções de fisioterapia no tratamento de traumas. “Foi tão complicado uma ideia muito simples ter mudado 20 vezes. Andy (o diretor Andrew Thomas Huang, um dos colaboradores de Vulnicura VR) e eu estávamos tentando achar uma maneira de fazer tudo espontaneamente. Não precisamos do mundo dos museus. Os VRs são o museu do futuro, um museu particular. O problema é que realmente poucos possuem os fones necessários para usá-los. Nem mesmo muitas das galerias de arte. 

“Eu ia como um peregrino toda semana à Rough Trade no Brooklyn. Comprava os últimos CDs lançados no universo, e pensava: "Que tal colocarmos headsets aqui? Talvez essa seja a nova casa para os VRs. Desde os meus 14 anos, faço parte de uma pequena loja de discos na Islândia, por isso sou muito interessada nas comunidades ligadas a isso. É algo que não se pode substituir apenas com o download ou o streaming de músicas. Por isso, montamos e espalhamos vários fones lá, bem como na Bethnal Green, e foi tudo muito bom. Ficava pensando: "Ok. Uma coisa realmente fácil para os músicos é fazer um show, vender ingressos... E com a renda disso pagamos por qualquer coisa que quisermos fazer (artisticamente)".

Foi o caso da exposição Björk Digital, que tem viajado o mundo desde então. De olho nas inovações no campo dos VRs, a edição dos vídeos tem progredido conforme os avanços dessa tecnologia. Esse desenvolvimento lento na estrada não é um projeto barato, e é feito quase que de forma independente. "As pessoas choravam emocionadas nas sessões. Pudemos ver o que funcionou e o que não funcionou", disse Björk. “Nas primeiras mixagens que fiz das músicas para os VRs, fiquei tão empolgada com o estilo 360º que tudo parecia 'voar' no resultado final, e isso estava deixando as pessoas muito enjoadas".

A maioria delas estava usando VRs pela primeira vez, e começar com vídeos de caráter mais naturalista, permitiu que se adaptassem facilmente: “Tentei imaginar se minha avó ou alguém colocasse o fone de ouvido e odiasse VRs. Tocando primeiramente Stonemilker, Lionsong, Blake Lake... Daí quando chega em Notget, penso que poderiam reagir assim: "Sim, isso parece orgânico. É como beber leite"".

Para James Merry, esse possível estresse dos usuários está relacionado à emoção catártica da experiência em realidade virtual, ao invés dos efeitos visuais do começo ao fim: "Acredito que a tentação é sempre adicionar fogos de artifício e pássaros voando pelo ar, tudo se movendo e mudando. Na verdade, queríamos que o álbum parecesse sem ar e claustrofóbico. A Björk realmente era insistente quanto a isso, e com razão".

A construção do som foi um dos problemas mais difíceis de se resolver no processo. A engenheira de masterização de Björk, Mandy Parnell e Martin Korth começaram a capturá-lo no que deveria ser a qualidade de um álbum no ambiente de realidade virtual: “O áudio dos VRs ainda é um território inexplorado em termos de abordagem padrão e melhores práticas, então basicamente tivemos que inventar nossos próprios métodos para alcançar nosso objetivo, que era realizar a visão artística de Björk”, disse Korth. "A maior diferença é que não há uma mixagem no sentido tradicional. Tudo é dinâmico e reage ao movimento da pessoa que está usando os fones de ouvido. Portanto, o que a pessoa está escutando será diferente da outra ao lado. Se participar duas vezes da sessão, não será a mesma coisa".

No Vulnicura VR , existem dois tipos de experiência sonora: O áudio em 360º, no qual o ouvinte é localizado no centro do cenário com o som e o visual organizados ao seu redor; E as experiências mais completas em que podem percorrer livremente no espaço virtual, como nos casos de Family (considerado a peça central do projeto) e Notget. O desafio era tornar isso algo que os usuários pudessem perceber e experimentar ao se movimentarem, mas ainda assim sendo sutis o suficiente para que a mixagem sempre fosse equilibrada. Cada música tem um arranjo espacial único: Em Stonemilker, os instrumentos de cordas da canção estão postos em uma espécie de círculo ao redor do usuário, enquanto no final do Quicksand, giram em torno do indivíduo como estrelas no céu: “Não tentamos necessariamente reproduzir a realidade com os arranjos espaciais, mas sim o usamos de maneira artística”, explica Korth.

Outra façanha foi costurar tudo junto o trabalho de seis empresas e seis diretores diferentes, em quatro tipos de softwares. Ao entrar no app, 'fios' coloridos voam sobre a cabeça do usuário, formando o título do álbum. No chão do ambiente, plantas florescem. Cada música de Vulnicura é também acompanhada de animações de partituras, feitas pelo compositor Stephen Malinowski, incluindo History of Touches e Atom Dance, que não ganharam videoclipes.

“Eu queria explorar a parte metafísica da realidade virtual”, disse Björk. “E o que estávamos observando nas reações da plateia da exposição, é que as pessoas veem o avatar (de Family) de longe e identificam tipo: "Ok, ela está lá", mas aí quando ele vem e caminha na direção delas, são convidadas a enxergarem do ponto de vista dele, como costurarem suas próprias feridas, se levantarem e se curarem (daquela angústia). O avatar então cresce e fica duas vezes maior. Isso pareceu ser realmente eficaz para os usuários".

Esses momentos de forte liberação emocional evidenciam o grande potencial que a realidade virtual poder ter para a arte. Provavelmente, veremos mais músicos explorando isso no futuro à medida que os custos da produção diminuírem e os fones de ouvido especiais se tornarem mais comuns. "Eu acho que, em teoria, deveria ser muito mais fácil agora", garante Merry. "Se estivéssemos fazendo isso neste momento, seria a cereja do bolo".

“Acho que será muito mais fácil fazer VRs daqui a alguns anos, não custará tanto dinheiro”, concorda Björk. “Mas também não acho que tudo deva estar na realidade virtual. Ainda adoro ir a shows com um quarteto de cordas sem o lado visual, tipo: "Oh, meu Deus, sim, uma folga para os olhos!". Eu também gosto de caminhar e ouvir podcasts, usando meus olhos apenas para apreciar a paisagem. Em seguida, posso ter vontade de assistir, sei lá, ao novo filme do Star Wars em som 5.1 no maior cinema da Islândia. Acho que o que queremos é variedade!".

Inclusive, a turnê de Vulnicura foi lançada apenas como um álbum ao vivo, sem DVD. Com maior foco nos instrumentos, nos vocais e nos assuntos das canções, o disco apresenta temas que eram difíceis de serem interpretados em frente ao público, mesmo com o uso de máscaras:



Ninguém ainda pode garantir que VRs realmente serão o futuro de tudo, mas Vulnicura VR já é um marco importante na indústria musical, uma prova do potencial de cura emocional através da arte. Björk acredita que se baseia em narrativas profundas das mitologias de todo o mundo: o herói que desce ao submundo e renasce e, em Family, histórias de seres gigantes de luz. “É a Princesa Mononoke, do Studio Ghibli, e milhões de histórias, onde fazemos um tipo de trabalho psicológico sobre nós mesmos, sendo a recompensa o fato de nos elevarmos acima das lutas e dores diárias. Quero dizer, apenas por um momento”, ela diz rindo.

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Para o site Ars Technica, ela falou: "Muitas vezes me sinto como uma espécie de ponte [tecnológica]. Estou no meio disso tudo, traduzindo essa linguagem nerd para as pessoas ou algo assim." Profissionalmente, a cantora aprecia novas tecnologias que respondem a sua busca constante na premissa do "alguém já deveria ter inventado isso!". Mas admite, que estava quase uma década atrasada com o uso de mensagens de texto em SMS e o Facebook: "Gosto dos extremos, quando a ferramenta ou o ofício passam a ser protagonistas e assumem tudo. Estranhamente, quando entrei no mundo da realidade virtual, há quatro anos, me permiti sonhar que seria capaz de lançar meu álbum VR como algo tão democrático quanto um jogo. Mas decidi que seria um bônus, que eu não poderia ter isso como um objetivo final. Eu tinha que deixar a indústria, ou o que quer que fosse, se desenvolver, eu precisava confiar. Tive que mudar a minha atitude para criar esse trabalho, não a atitude da indústria. 

Vulnicura VR é uma das viagens mais assustadoras que já fiz. Fiquei preocupada, pensando: "Será que as pessoas vão ficar entediadas usando os equipamentos? Será que podem usá-los durante uma hora?". A partir daí, ela entendeu que era preciso ter cuidado, para que o público não ficasse desconfortável ao invés de imerso na experiência.

"É realmente monótono de propósito. As pessoas são meio que forçadas a ficarem na tristeza do começo ao fim, sem entretenimento, musicalmente. A minha voz nas canções está muito séria, a melodia quase não existe, mal canto notas altas. O som dos instrumentos de cordas e as batidas estão no 'chão'. Existe uma razão pela qual todos usam a frase: "Meu coração está partido". Na tragédia grega, as pessoas diziam isso, mas não no sentido literal, não se referindo ao músculo. Então, por que concordamos com essa expressão baseada no invisível? Ok, vamos desenhá-la na realidade virtual. O fato de perder um ente querido é, por exemplo, como se alguém tivesse arrancado uma perna. É a mesma dor. Não é visível, mas e se usarmos dessa plataforma para então curar, costurar e superar isso? É um processo terapêutico.

Em alguns desses meus vídeos, o espectador começa vendo o avatar de longe, logo depois se torna ele, que entra nas pessoas fazendo com que encarem um enigma emocional. O mecanismo de recompensa é crescer em um feixe de luz de três metros de altura e se livrar de todas as dores terrenas! Mas apenas por 20 segundos, de volta ao ponto inicial. Mas isso é universal. Não é sobre mim. É sobre nós, como seres humanos, nós gostamos de ouvir as histórias de outras pessoas. Mas desejamos que seja universal. É um equilíbrio de ambientes opostos, nunca há uma receita para isso. É preciso sentir! A gente sabe se estamos nos entregando demais a um sentimento ou outro. Acontece o mesmo quando se compõe uma música com apenas o uso da voz e de uma harpa; ou 20 fones de ouvido de realidade virtual e 97 beats de techno. É o mesmo enigma".

Björk e sua equipe de produção se beneficiaram da limitação das primeiras instalações que lidaram. Cada fone de ouvido dos VRs tinha memória suficiente para armazenar apenas um único vídeo. Por isso, os visitantes tinham que esperar em filas para acompanhar os próximos, o que lhes dava espaço para respirar entre as sessões.

Questionada sobre a decisão de adotar uma abordagem tão íntima e intensa, com diferentes ângulos de sua aparência nos vídeos, às vezes como um avatar 3D, Björk respondeu dizendo que mesmo quando criança, sabia que para muitas pessoas, ela era essa espécie de avatar representando algo. Foi assim quando lançou um álbum aos 11 anos de idade na Islândia, quando esteve em bandas punk e no Sugarcubes alcançando fama internacional: "Eu podia subir no palco, mas percebendo: "Olha, é você, mas não é ao mesmo tempo. Você está flutuando". Não é sobre eu sendo egoísta (essa escolha de avatares nos VRs). Essa é uma das razões por eu ter entrado nessa. Aquilo tudo ali não sou eu, é todo mundo (que é parte do projeto). É o mesmo que encontrar uma imagem pagã na Amazônia, em alguma tribo. Aquela é uma 'boneca' viking islandesa, é apenas uma boneca. O símbolo das bonecas que estão conosco desde que existimos". 

Ela se mostra afetada pela troca emocional inerente a um formato de mídia, dizendo que ali existe um potencial fisicamente transformador, até se perguntando em voz alta se isso seria uma ótima ferramenta de treinamento vocal. Björk conta que a última tecnologia visual que a deixou tão empolgada foram os dispositivos touchscreen que usou na turnê do álbum Volta, fazendo mixagens de músicas ao vivo, em 2007 e 2008: "No meu cérebro, aquilo era como um livro em 3D, ao contrário dos livros de musicologia em 2D, que não fariam sentido eu descrevendo em ruídos. Eu sabia que isso seria pedagógico para mim".

Em 2011, o lançamento de Biophilia coincidiu nitidamente com o surgimento do iPad como um grande dispositivo para o mercado de massa. Björk admite que o Vulnicura VR não possui atualmente algo equivalente, e que por isso não é barato:

"Eu sei que 99% das pessoas pensam que a realidade virtual é apenas para nerds sem coração, que isso é uma brincadeira auto-ilusória, sem alma. Mas eu tenho respondido perguntas assim desde 1993, quando meu primeiro álbum foi lançado. "Os beats eletrônicos não têm alma! Por que você fez um disco sem alma?". Tipo: Aff, que pergunta chata!!! Pode haver alma na tecnologia? Sim! Se colocarmos alma nela, então haverá. É o mesmo com qualquer coisa. Guitarra, bongô, ou o que quer que seja".

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Na entrevista para o WIRED UK, Björk falou da demora na finalização do Vulnicura VR: "Eu o mixei um milhão de vezes. Quando surgia um novo formato, um novo software de masterização, editava em 360º. E então, precisava ouvir tudo novamente para garantir que o equilíbrio das faixas estava correto. A quantidade de trabalho, de tecnologia e dinheiro investidos... Eu diria que é o trabalho mais intensivo que já fiz (...) Se contarmos a galera do brainstorming, você não ficaria surpreso em saber que (o número de gente envolvida no projeto) passa de 100 pessoas”, diz ela.

Apesar de estar sendo comercializado em uma plataforma especializada no ramo, o álbum não é um jogo. James Merry falou dessa situação: "O perigo de ser vendido no Steam é que, se as pessoas esperam um jogo de computador, ficarão decepcionadas". Ao The Guardian, ele complementou: "Tenho tentado deixar isso bem claro. Acredito que um videogame da Björk seria incrível e eu gostaria de jogar, mas não esse álbum não se trata disso. As pessoas ficam lá como voyeurs nesse ciclo de corações partidos. Esse aplicativo é como uma casa para assisti-los. Ao final da narrativa, quando a cura começa, a sensação de claustrofobia se vai quando somos transportados para um espaço mais aberto. Na exposição na Austrália, as reações foram incríveis. Havia pessoas chorando, rindo e até mesmo conversando com a Björk como se ela estivesse na sala. Para 80%, 90% deles, era a primeira vez com a realidade virtual. Então, fico realmente feliz. É tão bonito ver lágrimas saindo do fundo de um equipamento de VRs. É como um mashup de humanidade e tecnologia de uma maneira bem bonita".

Curiosidade: Foi ao usar o traje especial para a captura de movimentos do VR de Family, em 2016, que Björk se convenceu de que deveria transformar o álbum inteiro em realidade virtual: "Eu estava meio obcecada com isso de poder costurar minhas feridas no vídeo. Tinha que ser assim! Precisava ser um gesto super, super simples e super, super simbólico para o trabalho", disse ela. Ainda segundo o Wired, a versão em 2D, liberada em 2017, foi iniciada com um orçamento muito baixo. Ela e sua equipe tiveram que esperar cerca de oito meses para obter mais financiamento. 

O momento em que o avatar de Björk atravessa o espectador nesse VR, pode soar para alguns como algo bastante perturbador. James contou sobre o dia em que testaram isso pela primeira vez: "Como eu gosto de jogar, fiquei tipo: “Oooh, ah não! É uma falha, a gente consegue ver dentro dela", enquanto a Björk estava tipo: "Oh, meu Deus, isso é incrível!". Esse é um dos meus momentos favoritos, quando o avatar se levanta e caminha na nossa direção, e depois flutuamos por ele e o vemos se afastando. Para mim, é a parte mais emocional de todo o álbum".

Björk está convencida de que nunca houve um momento em que ela oscilou quanto a sua missão original: “O que me preocupava era que chegasse apenas a elite, aos VIPs. Seja como for (daqui pra frente), precisa estar disponível para todos, seja Beethoven ou Justin Bieber. Às vezes, a gente tem que fazer essas experimentações loucas para dar certo".

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