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Uma conversa sobre música e Björk com Rômulo Bartolozzi

10 anos, foi inaugurado no Facebook o Grupo do Björk BR. Um lugar que reuniu muitos fãs brasileiros com uma paixão em comum, que deu início a amizades que permanecem até hoje e foram além da comunidade virtual. 

Desde o início, a conversa sempre rendeu por lá. De papos "sensíveis" aos mais "aleatórios". O resultado não poderia ter sido outro. Só naquele espaço de troca de informações, o trabalho de Björk gerou várias publicações de gente curiosa e talentosa. Indivíduos apaixonados pela Música, que tratam de discutir os aspectos por trás de cada acorde e de cada letra. 

Curiosidades sobre as estruturas das faixas da islandesa, conduziram conversas enriquecedoras entre os membros já veteranos no grupo. O cantor, compositor e instrumentista Rômulo Bartolozzi é um deles. Ele tem Björk entre uma de suas maiores inspirações musicais. Considera a islandesa como "a grande musa dessa geração e da próxima. Porta-voz da gente que nasceu entre os  anos 80 - 2000". 

É alguém que diz pesquisar a música dela "de forma quase acadêmica", passando por todas as fases, incluindo os tempos de bandas punk em Reykjavík como o KUKL. Extremamente criativo e talentoso, ele lançou em 2021 E La Nave Va, álbum instrumental que cobre diferentes lados de seus anseios como artista. 

Foto: Carol Melo. 
Arte Gráfica: Dani Vaz.

"É estranho para mim começar um texto sobre um álbum instrumental com palavras objetivas, pois penso que a música pode veicular por ela mesma em seus detalhes rítmicos, melódicos e harmônicos, todo o seu afeto e a comunicação de sua ideia, de sua arte", explica Rômulo. 

E La Nave Va é uma grande experiência ao ouvinte, que dura 49min. Rômulo conta que, de certa forma, o projeto nasceu em 2013, data em que embarcou do Recife rumo à Coreia do Sul, país no qual ele começou sua jornada como tripulante de um navio de cruzeiro durante 3 meses. A viagem gerou 5 temas. Cada um deles tem um nome alternativo em código internacional de navegação marítima/CIS. É uma obra delicada e pensada nos mínimos detalhes: 

"Esses temas ficaram na minha memória, aquando de minha função na produção de espetáculos no teatro do navio. Tomava noites a dentro para tocar no piano que havia lá. Alguns dos temas nasceram totalmente lá, enquanto que outros surgiram de antecessores destas sessões de piano. E por fim, o navio zarpou. Seguiu. Navegou". 


Foto:
Arquivo Pessoal/Rômulo Bartolozzi.

Título: "E La Nave Va, que presta homenagem a (Federico) Fellini (diretor), pega seu título em menção ao fato de que o italiano foi a minha primeira língua enquanto embarcado, o povo italiano foi meu companheiro numa nau que por sua vez, era de bandeira italiana". 

Som: "Há um instrumento solista em todo o repertório: o mar. O mar canta. Faz solo. Discursa. Lamuria. Em seguida, temos o órgão de tubos e a harpa sintetizada, instrumentos que queria que soassem como se tocadas numa câmara sonora especial, como se fossem parte da engrenagem deste navio. Como se não coubessem apenas no navio, mas encontrassem em cada farol dos portos em que pisei, como se, na sala de observação, houvesse um órgão de tubos e uma harpa, conforme uma igreja marítima. Um templo para os navios-peregrinos encontrarem-se seguros sobre os braços de Iemanjá".

O disco independente é distribuído pelo selo Fábrica Music. Foi concebido, gravado, masterizado e produzido nas cidades de Recife e Pelotas (Brasil); Aveiro e Lisboa (Portugal). A concepção, composição, produção musical e executiva é também de Bartolozzi. 


A obra de Björk possibilita diversas interpretações. Em entrevistas ao longo da carreira, ela fez questão de explicar detalhadamente as intenções por trás de suas canções. Segundo a própria, essa é uma maneira de "defender sua música". Ainda de acordo com Björk, falar com a imprensa não é uma de suas tarefas favoritas. No entanto, promover o trabalho é uma oportunidade de obter retorno, para poder continuar a investir em novas propostas artísticas que está interessada em compartilhar. Mesmo que um extenso acervo de declarações de Björk esteja disponível na internet, sua música continua a gerar novas discussões. O que é ótimo, pois é algo que comprova a consistência por trás do trabalho de uma vida. 

Björk já deixou claro que não tem interesse de agradar ninguém com sua obra. O que ela faz é para expressar todas as diferentes partes de quem ela é como ser humano. Felizmente, durante décadas isso também tem sido uma forma de servir ao público, um grupo de admiradores que está sempre esperando por novos capítulos dessa grande viagem musical. 

Foto: Mert Alas e Marcus Piggott.

Para celebrar a primeira década da nossa fanpage, preparamos uma matéria especial. A ideia é destacar essas conversas que surgiram no Grupo do Facebook. Durante o bate-papo com Rômulo, falamos sobre seu trabalho como músico e, claro, Björk. Confira:

- Björk é a grande responsável por cada aspecto da discografia dela. Em diversas entrevistas, já explicou que é a protagonista na construção dos arranjos das músicas que lança. É o que mais gosta de fazer durante o processo criativo, o que deixa a composição das letras no 2º lugar no pódio dela. Na sua opinião, qual o principal objetivo da letra em uma canção? 

Tenho o mesmo posicionamento de Björk: a música vem primeiro. Eu sou um artista que trabalha com música, mas também escrevo versos. Escrevo poesia e sou letrista. Mas, aproveito a deixa (relacionada a Björk) para comentar sobre aquilo que talvez mais amo em sua arte – é a maneira como brinca com a voz e com as palavras. A expressividade vocal que Björk desenvolveu de maneira completamente natural, muitas vezes é classificada como “scat singing” ou como “gibberish” (como vejo frequentemente dizerem por aí). Mesmo tendo lançado um álbum de Jazz, e certamente ter bebido muito da fonte de grandes vozes do estilo, acho que não é bem “scat singing”, não é bem “gibberish”. Talvez eu soe mais pretensioso do que o normal agora (risos), mas vejo muito mais algo como a prosódia natural das palavras e principalmente, ser a si vocalmente da maneira mais espontânea possível. Isso que falei tem a ver como ela pronuncia o inglês e cria jogos e ritmos com palavras em islandês no meio (ex: The Modern Things) puramente pelo ritmo, clique, fonética das palavras. Traço paralelos com o finado Demetrio Stratos, que tem um trabalho espetacular em termos de pesquisa vocal (sugestão: Cantare la Voce) e que foi um desses que levou a voz ao limite. 

A poesia acaba surgindo desse ritmo natural que as palavras tem, em meu caso. Não sei se Björk pensa do mesmo jeito, mas não deixo de ter isso em mente quando escrevo um poema mesmo sem pretensões de musicar. Acho que é disso que falam quando se fala em voz poética e métrica, para além das definições clássicas. E a impressão que tenho de Björk numa declaração assim enquanto público, é que ela põe a voz primeiro antes de tudo e em todos os sentidos. O que vem depois é acessório. 


- Qual característica do som de Björk a destaca de tudo o que já ouvimos? 

Dentre várias coisas, acho que a capacidade que cada álbum que ela compôs ao longo da carreira ter uma vida própria e que não poderia ter sido escrito de outra forma ou por outra pessoa. E que por sua vez, acho muitíssimo subestimado na música mainstream – o processo de individuação. Aqui vou citar um exemplo: não vejo como outra pessoa poderia ter escrito um álbum como Homogenic, com a conceituação e elementos musicais que essa obra tem – um octeto de cordas x música eletrônica ruidosa que dentre outras coisas, faz alusão à natureza da Islândia. Ok, vamos ao álbum e vemos uma série de referências menores, influências do que Björk ouvia à época (destaco Eumir Deodato, que também foi um colaborador em Post), tendências na música eletrônica da época e até mesmo coisas que eram mais “in” – porém a essência continua sendo muito, muito particular, individual e atemporal. Homogenic poderia ter sido lançado em 1997 ou hoje. Ainda está bem fresco e deve ficar assim por muito tempo. E mesmo rodeada de potências criativas tão intensas como ela, tudo soava exatamente como seu protagonismo pedia. É como alquimia.

Há outros artistas que certamente tem um processo de individuação muito notório enquanto criadores como Kate Bush, que todos nós amamos e que foram pioneiros mesmo para ela. Björk elevou isso à enésima potência em muitos aspectos. 

- Elementos da natureza aparecem com frequência nas canções de Björk. Você acredita que é importante explorar sons além daqueles que podem ser criados em estúdio? 

Sem sombra de dúvidas que sim. Entretanto, desenvolver internamente o conceito de Paisagem Sonora (popularizado pelo educador musical Murray Schafer. Ver: "O Ouvido Pensante"), tão necessário para se pensar em sons “além do estúdio”, é uma tarefa contínua e até mesmo árdua, tanto no ambiente em que vivemos como na forma como se pensa em trabalhar com sons. 

Há um documentário bem humorado no YouTube que quando vi, caí na gargalhada chamado Stock Music & Reality TV – How to Misrepresent the World, que retrata como o uso abusivo da chamada “música de banco de dados” em documentários enlatados e reality shows, muitas vezes é fator chave de perturbação e tem o objetivo de distrair o público o suficiente para que continuem assistindo.  

Acho que para além de explorar sons da natureza, é importante explorar o silêncio. E mais importante ainda – ouvir a si mesmo em todas as camadas possíveis. Ah, acompanhado sempre de um bom dolce far niente


- Que história você pretende contar com "E la Nave va"? 

Foi um sonho que não sei se vivi de verdade. Tenho um hábito de que quando estou diante de algum acontecimento muito excepcional, tendo a fechar as mãos com força ou me dar pequenos beliscões para de repente me conectar com a realidade. Ver que aquilo é, de fato, real e estou acordado (risos). Em 2013, eu trabalhei em um navio de cruzeiro passando por alguns países no extremo oriente (Japão, China, Coreia do Sul e Rússia) e todo o processo, mesmo àquela época, tinha ar de sonho tamanho o choque de realidade que tive. É um daqueles momentos que a gente passa na vida e temos uma "morte simbólica". Foram quatro países e dezenas de cidades muito diferentes entre si. Foram mais de 40 nacionalidades – isso quando parei de contar. 

A história (de pescador?) que pretendo contar com esse álbum, é aquela que meu corpo e mente sentiram ao contemplar todo o passo a passo que foi estar em um lugar completamente alienígena, longe de absolutamente tudo, ao ponto que eu deixei de ser eu e lidando com a solidão. Só restava o mar. Um isolamento quase que total, por mais que o navio físico fosse um resort flutuante e por fim eu trabalhasse com entretenimento (fui técnico/produtor de palco). E essa “viagem” se estendeu até depois que eu voltei ao Brasil. Continuou por anos, até que o álbum fosse gerado. Essa história de exílio, baixio, soledade, solitude, sentidos sobrecarregados e um encontro quase frequente com a morte (até mesmo física), eu decidi chamar de E la Nave va. Não apenas por eu adorar Fellini e prestar tributo a algo italiano como o navio que trabalhei (e que foi temporariamente a minha primeira língua), mas o nível de surrealismo era tal e qual o Gloria N. Queriam jogar as cinzas de Edmea Tetua, mas eu joguei as minhas próprias dessa vez.

O mais interessante foi que "o anúncio de morte" que me deram, veio numa consulta com uma astróloga amiga minha, que com mais de um ano de antecedência previu com a precisão de data que eu iria embora. Ela implorou que eu não fosse, mesmo que tivesse batido com a data que ela havia previsto. Disse que eu corria risco de vida altíssimo. Fui mesmo assim, afinal, memento mori. E ela estava certa. E la Nave va é o que veio depois da morte em si. 

- Quanto tempo levou a produção desse trabalho? 

Seis anos ou pouco menos de dois. Houve dois momentos cronológicos, que considero ter efeito dependendo do ponto de vista. Comecei a escrever o que viria a ser o esboço de boa parte dos temas enquanto estive a bordo do Navio ainda 2013 e, principalmente, quando já me encontrava em terra e decidi que iria escrever um álbum sobre aquilo, mas não sabia quando. Foi um material que ficou adormecido até que em 2018, comecei a repensá-lo sobre outra ótica e que chegou ao fim em novembro de 2019, quando encerrei o processo de masterização das faixas. Alguns elementos mais discretos surgiram mesmo durante a sessão de masterização, como um efeito de delay aqui em um beat ou um reverb ali. 

Esses dois marcos temporais são bem importantes, pois à altura do Navio, muitos dos temas que originaram o conteúdo tinham versos. Eram de fato, em formato canção, com exceção de “100 Milhas Náuticas (India Victor)”, que foi composta bem depois e quase que “de encomenda”, porém eu sentia que com esse material acontecia uma trava que me impedia de cantar. Decidi colocar esse lirismo nos títulos – um título poético e um título alternativo em código CIS (código internacional de sinais), que eram usados entre os tripulantes para comunicação interna e que refletem momentos na época. A voz eu deixei que ficasse apenas a do mar, mesmo. O cantor humano ficou mudo.

Vídeo Dirigido por: Victor Souza

- Quais as vantagens de se criar álbuns sem intervalos entre as faixas? 

Acho que é uma decisão musical bem pontual. No caso particular de E la Nave va, eu queria o som de mar ao fundo para além de efeito de paisagem sonora, como a voz principal do disco, pois é o grande protagonista. Quem canta em E la Nave va não é a minha voz (a da garganta). Sem o mar, literalmente não haveria Navio em qualquer sentido (risos). É um recurso que Björk explora de forma mais intensa em Utopia. Adoraria questioná-la se os pássaros que ouvimos no álbum são solistas também (risos)! 

Foto: Carol Melo. 
Arte Gráfica: Dani Vaz.

- Que desafios artísticos você enfrentou ao experimentar diferentes instrumentos musicais durante o processo criativo? 

Acredito que dentre os vários desafios, dois são particularmente dignos de nota: “Solidão (Tango Sierra)” originalmente era uma peça solo para Violino, das primeiras que surgiu sobre o disco – o principal motivo da peça foi escrito em 2013. Quando da elaboração final com as experimentações timbrísticas e eletrônicas que levaram ao resultado final, queria muito ter gravado como no original que por sua vez, algo não me foi possível na ocasião porque eu não estava contente com timbre do instrumento que tive acesso. Então decidi utilizar dois sintetizadores em camada, o que rendeu um resultado muito acima do esperado dentro do contexto sonoro do álbum. Com o violino a dimensão é outra, acabou por ser outra voz. 

Outro foi a criação do som de Órgão de Tubos que foi usado no álbum e que, indiretamente envolve a música de Björk. Em julho de 2017, fiz uma adaptação de Jóga (a minha favorita) para Órgão de Tubos, baseado em algumas performances acústicas que ela fez ao longo da carreira, além de acrescentar uma pequena intervenção de minha autoria (cheguei a divulgar em meu Facebook pessoal por um tempo), pensando em um dia fazer um “cover”. O experimento com Jóga me fez trabalhar em um timbre de órgão que não tinha a pretensão como soar um órgão original analógico como o de várias igrejas afora, mas que teria uma grande potência sonora e de expressividade. Foi um processo que consumiu muito tempo e quase microscópico, pois não queria que soasse “de brinquedo”. Experimentei em vários pianos digitais e por fim cheguei onde queria. Virou o meu “órgão particular e portátil” (risos). 

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Clique AQUI ou na imagem abaixo para ouvir a versão que Rômulo fez de Jóga.


- A respeito do seu trabalho e da obra de Björk, canções de longa duração criam uma atmosfera muito particular e até "cinematográfica" para a história que está sendo contada. O que mais te chama atenção nesse tipo de abordagem? 

Respondendo de forma objetiva, o que eu mais gosto a priori é que foge um pouco dessa estrutura “verso, refrão, ponte e solo”. Entretanto, acho que o fato de serem mais longas não necessariamente é evocativa (me atenho aqui ao “cinematográfico” da pergunta), mas certamente mexe mais com a nossa imaginação por nos tirar da zona de conforto. Acho que o fator textura advinda da combinação ritmo, melodia, cadência e harmonia ou a ausência delas colabora mais além que o tempo em si. Mas não ignoro o poder de uma canção mais longa, claro. Em 2007, compus uma rapsódia (que espero que veja a luz do dia em algum momento) que ao todo tem exatos 15 minutos. E a última nota terminava na dominante da tonalidade: musicalmente falando, o efeito que dá nos ouvidos é um tanto interessante porque é como um texto que é bem longo e termina em reticências (risos)! Dá um nó na cabeça! Está aí um caso em que a duração de uma música ou quantos compassos vá ter, faça a diferença no resultado final. Hahaha.

Contudo, em E la Nave va, particularmente, os beats e incisos poderiam funcionar como leitmotiv – o que dá esse ar “cinematográfico”, de “trilha sonora” você diria talvez, até por eu trabalhar com esse conceito (o leitmotiv), mas são espaçados o suficiente para que não pareça literalmente uma “trilha” (risos), como se houvesse um personagem pronto a saltar a tela ou servir de pano de fundo para qualquer coisa que não fosse a música em si. As ideias melódicas que vão surgindo, junto com uma progressão de acordes estão ali em seu impulso comunicativo mínimo. De todas, acho que a que talvez apresente uma estrutura mais próxima de uma “canção com tema” no sentido mais conservador do termo seja “Okhotsk (Oscar Oscar)”.  


E falando de Björk, há muitos exemplos interessantíssimos que ela nos dá e que não necessariamente são canções mais longas (acima de 5 minutos) – um dos meus favoritos é como ela trabalha a forma rondó em Possibly Maybe. Se não me engano, ela fala que cada estrofe é um momento diferente do relacionamento que ela narra nos versos. Encaremos o refrão “possibly maybe, probably love” como A na fórmula que descreve a canção B-A-C-A-D-A-E-A-F-A-G-A. Ao mesmo tempo, temos aqui uma canção em que não tem qualquer progressão harmônica. A linha de baixo é quase estática. Quando leio sobre essa canção e constato o que é, não vejo qualquer intenção de soar pretensiosa. Tinha de ser assim e ainda é “deliciosamente pop”. Outro exemplo parecido é em Where is the Line, em que cada vez que o “tema A” volta, o contraponto do baixo e beat progride de maneira paralela até ficar completamente “invertido”. Em seu material mais recente, há Black Lake e Body Memory em uma técnica semelhante. 

Foto: Santiago Felipe.

- Björk tem sido uma grande influência para apaixonados pela música em todo o mundo. Qual característica do trabalho dela você enxerga em artistas pop da nova geração?

Faço menção ao que disse na segunda pergunta como resposta e volto aqui, resumindo em três palavras – protagonismo, individuação e colaboração. Para quem nasceu no final dos anos 80 como eu e até mesmo a geração Z, o recado que Björk dá como artista talvez seja como lidar com nossa vida artística com total independência à medida que completamente integrados a várias formas de se comunicar artisticamente. 

Além disso, nos entregarmos ao nosso instinto criativo quase que num exercício hedonista. Nossas bandeiras, nossos hinos, nosso mundo. Não é o que ela canta em Declare Independence? Acho que ela nos ensinou muito bem como lidar com os nossos próprios processos criativos de uma maneira que possamos construir nosso mundo e ao mesmo tempo, dialogar com outros em mutualidade; utilizarmos o que temos a mão de tecnológico da forma mais calorosa possível sem cortar laços com o “analógico”; sermos inventivos pelo simples prazer. Não que não houvesse antes artistas seminais e tão criativos quanto, mas pensemos em alguém que como eu, cresceu com acesso a coisas que 20 anos antes de mim, era impensável. 


Se eu tivesse nascido na mesma geração que ela, seria um músico completamente diferente e com um acesso à música que talvez fosse bem mais limitado (talvez nem músico eu fosse). Tive acesso a muita coisa interessante na música, bem como artistas que admiro tanto quanto graças a ela e a lista de gente incrível com quem ela trabalhou. Lembro como se fosse ontem quando pré-adolescente, descobri a música IDM e principalmente Aphex Twin graças a antigos zines que mencionavam Björk. Era uma doideira, porque ouvia Come to Daddy, Pluto e minha mente fez “poof”, indo assim quase 20 anos atrás, pesquisar emuladores jurássicos de drum machines clássicos (tipo os que tinham da TR-808 da Roland). A coisa não parou até hoje (risos). 

Quanto a ser músico em si, comecemos pelo processo que há atualmente na indústria fonográfica. Gravar um álbum hoje é em alguns aspectos muito mais fácil do que era há 20, 25 anos. Não vivi/ainda vivo uma juventude da cena punk DIY/faça-você-mesmo como Björk viveu, mas certamente que agradeço ao fato dela existir enquanto o artista independente (completamente apropriado do que faço) que sou. Vou pegar dois extremos bem conhecidos dessa geração “plutão em escorpião” (nascidos nos anos 80/90) – não sei se Lady Gaga existiria, se Arca existiria, não sei se essas pessoas existiriam musicalmente da mesma forma sem o espírito inventivo de Björk. 

- Como você definiria a experiência de criar os arranjos de uma canção?

Poderia fazer muitos paralelos e metáforas, mas a minha favorita é a de associar a atividade de compor arranjos musicais a de cozinhar. Eu particularmente amo cozinhar e é um dos meus hobbies. É uma perspectiva que para mim funciona mesmo em um panorama pedagógico, a começar que da mesma forma que nossa língua é capaz de detectar quatro sabores e aí temos os instrumentos de corda, percussão, metais e madeiras em uma formação orquestral, também quatro. Quatro sabores, quatro naipes, quatro... Enfim, esoterismos à parte, aí eu acho que talvez a música eletrônica seja o Umami auditivo que temos (será a quintessência? risos). Aí chega o processo de mixagem e masterização – é quando vamos ajustar os temperos ou a ausência deles. E então, vamos todos comer? 

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Fotos: Divulgação/Reprodução.

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