Na edição de Outono/Inverno de 2022 da AnOther Magazine, Björk fala com vulnerabilidade e franqueza ao aclamado autor, poeta e fã fervoroso Ocean Vuong.
"A graça, o equilíbrio, a inteligência, o coração aberto e a sinceridade dessa entrevista foi, como esperado, algo encorajador", publicou Vuong nas redes sociais.
"Foi um prazer falar sobre morte e otimismo destemido com alguém tão maravilhosamente imaginativo. Sou muito grata pela nossa amizade. Vamos nos encontrar em breve, por favor!", disse a islandesa em outro post.
Confira a tradução completa do bate-papo:
Björk: Ocean, eu li seu livro maravilhoso sobre sua mãe, "Time Is a Mother". É tão maravilhoso. Eu fiquei chorando por causa disso.
Ocean Vuong: Ah, muito obrigado! Eu tenho gostado muito de mergulhar no seu novo álbum, "Fossora". Também é um prazer falar com você novamente após nosso encontro por acaso, em Nova York, em 2019. Eu nunca vou esquecer! Foi num dia bastante quente, em outubro. Minha mãe estava doente e foi um mês antes de ela falecer, e você foi tão generosa comigo, tão maternal! O que percebi com a sua música, e especificamente este álbum de inéditas, é que todos nós temos uma mãe, mas também temos pessoas, amigos, família, que cuidam de nós. A maternidade também é um ato sem gênero, assim como uma realidade biológica. São as duas coisas. Quando nos conhecemos, você tinha acabado de perder sua própria mãe. Foi maravilhoso ver dois artistas se vendo tão claramente, então eu só quero agradecer novamente por isso.
B: Obrigada! Você sabia que eu estava na Cidade do México há dois anos, e ouvi o audiolivro de "On Earth We're Briefly Gorgeous"? Eu tive uma intoxicação alimentar e fiquei presa em uma linda casa, delirando em meio a todos os cactos que tinham por lá e você leu o seu livro para mim. Então agora eu sempre conecto a história de sua mãe no Vietnã com...
OV: Intoxicação alimentar [risos].
B: Tudo virou uma bela mistura para mim! Os cactos dentro da selva do Vietnã. Obrigada por segurar minha mão durante esse período. Deu à experiência um propósito lindo.
OV: Eu terminei esse livro, coincidentemente, no "The Perlan" na Islândia, em Reykjavík. E você me disse que era onde sua mãe costumava tomar sopa de carne.
B: Sim, ela sempre tomava macchiato e sopa de carne islandesa. Todos nós fomos lá para seu velório e tomamos macchiato e sopa de carne em sua homenagem.
OV: Ah, deveríamos fazer isso algum dia! Sou vegetariano, mas em memória de sua mãe vou comer a sopa de carne com você. Me lembro de estar em um pequeno Airbnb em Reykjavík, com vizinhos barulhentos. Eu lhes disse: "Preciso ir a algum lugar do qual não possa escapar. Eu vou para aquela coisa do Perlan. Não sei o que é, mas parece que posso me prender ali e terminar este livro". Então eu caminhei do centro até o Perlan. E eu fui até o café que tinha lá e fiquei sentado ali por horas, e funcionou, então há uma boa energia no lugar.
B: Sim, você acaba tendo uma visão de 360 graus, e pode ver toda a cordilheira e realmente estar conectado com o clima, seja qual for o clima. É um bom local.
OV: A figura da mãe assombra este novo álbum de uma forma muito bonita. E há muito dela e de você, há uma direção bem direta, com a qual eu realmente me identifico. E em uma das músicas, você diz: "Eu sou a guardiã da esperança dela". É uma letra tão incrível. Isso resume tudo o que eu acho que, no meu melhor, espero fazer com a minha própria mãe. Você pode falar sobre o que essa parte significa para você? É um ato incrível de ter alguma ação.
B: Bom, nós acabamos de filmar o vídeo de "Ancestress" com Andy Huang, neste vale nos arredores de Jórukleif, onde ela costumava colher ervas para secar. Por acaso, há alguns anos, comprei uma cabana no mesmo vale. Minha família e eu também espalhamos aqui as cinzas dela recentemente, porque houve um atraso de três anos graças ao Covid. É uma coisa interessante quando uma mãe morre e você perde esse tipo de conexão física visceral, porque a conexão espiritual se torna mais forte. Faz três, quatro anos que ela faleceu, e tudo fica mais leve. Todo esse conflito que você pode ter tido na vida real se evapora. E, claro, com o passar dos anos, você entende melhor o ponto de vista do outro, por que fizeram certas coisas. Eventualmente, os dois espíritos vivem juntos em harmonia.
Voltando à sua pergunta, acho que minha mãe e eu tínhamos a polarização de mim como a otimista e ela como a pessimista. Há outra música no álbum onde eu brinco sobre ela ser niilista. Mas acho que também faz você entender que sendo a otimista, ou a guardiã da esperança – dizendo: "Eu sou a luz e você é a escuridão", – você acaba presa nesses papéis. Depois que minha mãe faleceu, passei por muita autorreflexão, me perguntando se também estou presa nesse papel com outras pessoas na minha vida – e a luz pode ser violenta. Essa postura de Pollyanna tem uma sombra.
OV: Sim, o claro-escuro/chiaroscuro entre duas pessoas. O que eu amo nessa frase "guardiã da esperança" é a sensação de que você está sendo a guardiã da esperança do mundo, mas também fazendo isso para quando quiserem usá-la, algo do tipo: "Estou mantendo essa esperança para você até você querer tê-la, e vou mantê-la por um tempo". Você é quase uma guardiã da esperança. Eu realmente amo essa ideia, que a diferença entre mãe e filha era tão gritante, e ainda assim foi a ponte dessas diferenças que fez vocês conversarem e se conhecerem melhor. Foi semelhante com minha própria mãe. Minha mãe também era mais niilista do que eu. Sua mãe também era artista?
B: Não, mas ela era bastante criativa. Em seu estilo de vida, especialmente, ela rompeu com um casamento tradicional nos anos sessenta, onde ela deveria ser uma dona de casa adequada, e depois se casou com um guitarrista de cabelos muito longos e foi direto para a vida hippie. Temos duas fotos de casamentos dela, com três anos de diferença entre cada uma, e são imagens literalmente com o oposto na moda. Ela não era uma artista no sentido de criar coisas, mas alugou uma casa fora da cidade onde eu, meu padrasto, meu irmão e ela ficamos. Era uma casa pequena e vazava quando chovia. Tínhamos que acordar no meio da noite e esvaziar os baldes, mas éramos muito felizes.
Foi só quando fiquei bem mais velha que entendi o que ela realmente estava fazendo – ela estava nos tirando do patriarcado. Muitos bandidos viviam nesta parte de Reykjavík onde cresci, à beira do rio. Eu não tinha uma figura paterna mandona. Havia desvantagens nisso, é claro... Eu era uma adulta muito antes do tempo. Mas eu sou realmente antiautoridade, então se eu tivesse muita disciplina em casa e vivesse dentro do patriarcado, eu teria sido um problema.
OV: Eu sinto o mesmo. Eu olho para trás e acho que ter sido criado por uma mãe solteira me ensinou a ser criativo, porque minha mãe não conhecia nenhuma das regras e não se importava com nenhuma das regras que a sociedade patriarcal impunha a ela. Todos os dias ela tinha que inventar tudo sozinha. Acho que foi difícil e estressante para ela, mas, em retrospecto, isso me deu muita permissão quando me tornei artista. E eu me pergunto sobre otimismo e criação de arte – acho que a inovação que a arte poderosa exige está ligada ao otimismo. O pessimista não tem interesse em inovação. Eu acho que, por um lado, é muito poderoso e podemos ultrapassar os limites e, por outro lado, vivemos na terra da fantasia. E muitas vezes, minha mãe era a realista. Eu sou como uma pipa que ela teve que rodar. Você acha que ser excessivamente otimista está ligado a ser uma artista?
B: Essa é uma bela pergunta.
OV: Porque, às vezes, eu deito na cama à noite e no escuro, e posso ficar muito deprimido. Cada vez que lanço um livro, recebo uma mistura de estranho alívio e depressão. Eu fico tipo: "Oh, graças a Deus". E então há um vazio e uma tristeza que vem em seu rastro. Eu poderia estar deitado no escuro à noite, apenas olhando para o teto, e então uma ideia me ocorreria. E eu pularia da cama, correria para a mesa, acenderia a lâmpada, escreveria e iria dizer: "Oh meu Deus, é isso. Isso vai resolver tudo!". E daí no dia seguinte, eu olharia para aquilo e acharia horrível. Mas esse otimismo nos leva adiante, e é sempre como um sonho – a visão está sempre à frente, como algo que nos motiva.
B: Sim, acho que sim. É um pouco perigoso generalizar – esta é uma pergunta tão bonita, eu poderia pensar nisso por uma semana – mas se eu responder muito impulsivamente, sim, acho claro que é a saída.
Dizem que, ao cozinhar, os músicos fazem ótimos molhos. Se você recebe convidados e abre a geladeira e cozinha o que estiver lá, pode pegar um músico (pelo estômago). Eles geralmente podem fazer um molho que combina cinco ingredientes muito diversos, e tudo aquilo faz sentido. Então eu acho que isso é também como age o poeta, que usa a licença poética para trazer uma fluidez entre duas coisas, para que as coisas não fiquem estagnadas, para que possam se mover.
A conexão é importante – e é tão bonita em seu trabalho. Você é muito mais corajoso do que eu em incluir tudo. Você inclui não apenas as coisas otimistas e esperançosas, mas inclui muitas coisas sombrias. E ao criar essa corrente em torno de tudo isso, de modo que inclua toda a escuridão e a luz, é tão convidativo para o leitor, porque é algo verdadeiro e sincero. Eu amo isso no seu trabalho. É por isso que tenho um pouco de vergonha da palavra 'otimista', porque sim, ela te tira da estagnação – mas meus artistas favoritos incluem tanto pessimismo quanto otimismo.
OV: Isso faz todo o sentido! Acho que você disse melhor do que eu poderia pensar, porque não me sinto corajoso quando escrevo, sinto que é mais como uma atração gravitacional. Eu amo os fenômenos dos buracos negros no espaço, porque apenas engolem a escuridão e a luz indiscriminadamente. Eu sei que é um fenômeno de destruição, é também um fenômeno de viagem no tempo, mas eu amo buracos negros porque há uma absorção democrática do universo. E eu acho que alguns dos meus artistas favoritos são como buracos negros, eles apenas assumem tudo sem julgamento. E o que você está falando é desse momento maravilhoso de criatividade quando ideias e objetos estranhos e díspares se unem por meio de uma visão. A estranheza colaborando para fazer sentido, dar àquilo um significado, e isso é absolutamente idiossincrático.
E sempre senti que, para mim, poesia e literatura são como o DNA de uma individualidade evidenciada com a linguagem, que a página é a impressão digital de nós mesmos pressionados, e acho que isso também é verdade com a música. Raramente houve uma artista tão idiossincrática e única como você. Fico curioso para saber o que mais te surpreendeu nessa jornada tão rica, que para mim você ainda está só começando. Parece que toda vez que ouço seu trabalho, eu digo a mim mesmo: "Uau, ela está quase começando de novo". E é isso que eu sinto. Toda vez que escrevo algo, é como se minhas mãos estivessem absolutamente vazias e eu tivesse que começar tudo de novo.
B: Ah, muito obrigada! Eu estou ficando vermelha! Durante a pandemia acabei fazendo uma série de podcasts em conversas com minha amiga Oddný Eir, que é filósofa e escritora, onde tentei explicar a diferença entre meus álbuns e demorei muito para colocar em palavras, foi muito duro! Mas os visuais nas capas dos álbuns ajudaram. Às vezes, parecem bastante desajeitados, mas são minha tentativa de dar os visuais aos sons. Por exemplo, se você tem um álbum de flauta, haverá algo fofo, e se não houver baixo no álbum, terá cores pastel, e se for algo mais elementar, precisará ter alguns padrões físicos ou algo assim.
O bom de envelhecer, que eu sei que você vai gostar, é que a gente fica melhor em explicar essas coisas. E sinto que estava tentando descrever as capas dos meus álbuns como cartas de tarô de sons. O Tarô é algo que a humanidade vem usando há milhares de anos – símbolos com os quais todos concordam. É tipo: "Sim, às vezes, sinto que estou segurando uma xícara, às vezes sinto que estou segurando um machado".
Mas descrever isso para pessoas usando apenas o som é bastante difícil, porque estamos acostumados ao simbolismo nos visuais. Eu pensei em um termo para tentar explicar tudo isso, o "simbolismo sonoro". É algo baseado na ideia de que passamos por mudanças aproximadamente a cada três anos, às vezes sete, onde nossa paleta de cores muda. As mesmas mudanças acontecem em como nos sentimos e nos entes queridos ao nosso redor. A posição deles muda. O aroma, as texturas, a leveza ou a escuridão ao nosso redor passam por mudanças também.
Olhando para as capas dos meus álbuns, posso dizer: "Ah, esse foi um período de pêssego e menta, e com o elemento do ar e sem baixo". E este novo álbum, "Fossora", é escuro, escuro, verde escuro e escuro, escuro, vermelho escuro. Não é ouro, é prata! É como resolver um enigma, mas sempre começo com a música e, às vezes, o primeiro ano é muito, muito impulsivo – não tenho ideia do que estou fazendo. E geralmente há um momento depois de escrever por cerca de um ano e meio, em que tento não ouvir nada. Penso que vou ouvir tudo, esperançosamente, um dia! Finjo que aquilo ali não sou eu e obtenho um ponto de vista externo.
E é aí que começo a obter informações sobre esse simbolismo sonoro. Como quando eu fiz "Vulnicura" [lançado em 2015], que eu fiquei tipo: "O que? Eu tenho uma tragédia grega?". Eu não fazia ideia. E é aí que as cores vêm. "Vulnicura" é amarelo neon por causa de uma sensação de emergência. Há trauma, uma espécie de santidade da vítima, então há essa ideia de uma auréola.
É uma linguagem caseira, mas também é apenas o acúmulo de se fazer a mesma coisa por 30 anos. Tenho certeza de que o mesmo acontecerá com você, mesmo sendo um editor corajoso de seu trabalho e espartano em sua produção. Nos próximos 20 anos, você ainda vai acabar acumulando várias bagagens desse tipo de coisa.
OV: Parece que o que você está descrevendo é realmente muito, muito próximo da minha relação com a linguagem, porque a palavra é um símbolo em que o significado tem que ser acordado pela sociedade. Então vermelho, por exemplo, vermelho não significa realmente a cor vermelha, temos que decidir coletivamente no que se traduz em vermelho. Caso contrário, é arbitrário. Eu poderia dizer amanhã que o significado disso é "cadeira". Todos nós podemos concordar que a palavra cadeira realmente significa vermelho e então vamos seguir em frente. Os símbolos mudam de acordo com o significado, uma flutuação, então o que você está descrevendo parece muito com a criação da linguagem – aqui está a cor, aqui está a imagem, aqui está o símbolo, e como o som se une a isso? Como o som acrescenta significado a isso? Sinto um grande parentesco nisso, é uma luta.
Nós olhamos para isso, mesmo na palavra "queer". Começou como uma palavra que significa estranho, esquisito, e depois se tornou um termo pejorativo usado como violência, e agora foi recuperado para descrever uma comunidade. E então essa palavra mudou em 100 anos, tem tantas formas de vida diferentes e não é fixa. A maneira como você está descrevendo sua carreira é muito semelhante à forma como a linguagem progride naturalmente. Sempre tive uma ligação com a música. E o que eu realmente amo na sua música é que se sente muito como acontece com o clima. Você entra e o clima aparece. E acho que é assim que me sinto quando ouço muita música, mas especialmente a sua música, porque não me sinto encarregado de ter que definir um significado. Tenho uma resposta emocional significativa a ela simplesmente por estar nela da mesma forma que estou dentro de uma tempestade ou de um vendaval.
E eu digo às pessoas que lutam com a poesia que é assim que também devemos vivenciá-la, na forma como vivenciamos o clima. Não devemos entrar nisso dizendo: "Qual é o código? Qual é o significado? Como resolvo este enigma?". Não é um enigma, é uma atmosfera. E eu acho que quanto mais eu falo com você, mais eu sinto que você é uma "fabricante do tempo", além de um guardiã da esperança. Acho que, em última análise, é isso que fazemos – criamos atmosferas que as pessoas podem incorporar.
E por falar em carreira, você foi tão generosa. A primeira vez que nos encontramos, éramos basicamente estranhos almoçando no Brooklyn em sua linda casa. E você disse algo que foi tão útil para mim. Acho que perguntei a você: "Como você negocia a fama?". Porque, como escritor, a fama é muito inesperada para mim, não é algo que me dizem para esperar ter um dia. Sempre pensei que poderia escrever meus livros e então meus livros iriam para o mundo e eu ainda poderia me esconder, mas esse não é o caso na era moderna. Mas você me disse algo tão importante: "Saia e experimente tudo agora, enquanto você é jovem. Aprenda com todos, e então você pode ser um recluso mais tarde. Agora é a hora de aproveitar todas as portas se abrindo. Entre em todos os quartos agora e veja o que há neles".
E isso me lembrou de uma letra deste álbum, em uma das músicas posteriores ("Her Mother's House"), onde você disse: "A casa de uma mãe tem um quarto para cada criança". Tão, tão bonito! Mas também vejo isso agora como seu trabalho na maternidade, até mesmo sendo mãe naquele momento, me orientando naquele momento, penso: "Como você negociou isso? Como você entrou nos quartos? Houve quartos em que você não entrou? E em que ponto de sua carreira você decidiu: "Já chega dessa exploração. Agora é a hora de eu entrar apenas nos quartos que eu escolher"?".
B: Se o que eu disse foi de alguma ajuda, isso é incrível – tenho certeza que você saberá impulsivamente quando recuar. Eu acho que como uma introvertida extrema, que talvez seja algo que nós dois compartilhamos, minha extroversão foi aprendida, o que não significa que não seja sincera, mas é algo que aprendi mais tarde na minha vida. Eu tenho álbuns onde eu era muito extrovertida. O álbum mais extrovertido que fiz foi provavelmente "Post" [1995], que fiz mais ou menos na mesma época que você está agora, se você quiser considerar livros ou considerar álbuns. Mas é isso que complica as coisas com a abertura das portas.
Com "Homogenic" [1997], meu terceiro álbum, fui para um estúdio na Espanha e acabei me afastando um pouco de tudo, mas sendo a maior extrovertida de todos os tempos por mais de três anos. E era como alguém que é verdadeiramente leal por natureza, que vai e tem uma orgia em uma noite com 20 pessoas, mas realmente quer dizer isso com sinceridade e depois só quer voltar para casa e ser leal novamente.
Isso é o que parecia para mim, eu quis dizer cada coisa enquanto eu era extrovertida. Mas então tive alguns álbuns onde tinha permissão para estar na minha pequena caverna. Depois de ter minha filha, três álbuns depois, fiz "Volta" [2007], onde basicamente peguei um barco e voltei para o mundo como uma extrovertida diferente. Claro que o mundo era diferente, foi depois do 11 de setembro. Era um álbum muito feminista, pré "#MeToo". Tendo minha filha, eu queria defender as meninas.
Então, a cada três anos, você tem um capítulo diferente – não é apenas uma coisa, são dez coisas. Mas a resposta curta para sua pergunta é que isso é como a maré, né? No geral, sou mais introvertida do que extrovertida, mas se tiver tempo suficiente em casa e puder me preparar... Faço muito Kundalini yoga e leio, moro no mesmo bairro e tenho os mesmos amigos que tinha desde a infância, estou em uma bolha muito segura... Então posso ir até lá e ser genuinamente extrovertida. Como fiz três dias atrás quando cantei em um show em Montreux e literalmente olhei nos olhos de todas as pessoas que estavam na primeira fila, eu me comuniquei genuinamente com elas. Mas então eu sabia que me transformaria em uma abóbora à meia-noite ou em uma pessoa reclusa.
OV: Eu sou absolutamente do mesmo jeito! Algo que vejo em relação a ambos os nossos trabalhos é a performance. Essa performance não é algo falso. É apenas uma extroversão concentrada e focada que é muito sincera. E acho que a diferença entre introvertidos e extrovertidos é que quando damos algo, quando estamos em público e estamos sendo extrovertidos, damos e perdemos energia. Enquanto os extrovertidos obtêm energia desse sentimento. E houve tantas vezes em que eu ofereci leituras e palestras e olhei nos olhos da multidão. Falava com eles por um longo tempo, e depois eu ia para casa ou para o hotel, e daí apagava todas as luzes e depois simplesmente deitava no chão até amanhecer.
Quando penso em performance, penso na ideia [da filósofa americana] Judith Butler de que todos nós, nossos eus autênticos, podemos não existir realmente em uma singularidade, mas podemos existir em uma espécie de mosaico de performances que estamos sempre realizando. Temos uma versão de nós mesmos que expressamos para nossa família, nossos amigos, nosso público, nosso editor, nossos pais e, em seguida, uma versão de nós mesmos que apresentamos quando estamos sozinhos. E então, qual é a sua relação com a performance?
B: Parte de ser uma cantora é algo estranhamente introvertido, porque quando seu corpo é seu instrumento, há muito aquecimento na voz, fazendo Kundalini, comendo as coisas certas. É uma relação que você tem consigo mesmo que não é tão diferente de um escritor, é muito um a um. E eu gosto muito, adoro fazer caminhadas por conta própria. Dizem que maratonistas usam 70% de seus pulmões e cantores usam, tipo, 90% de seus pulmões. Se você estiver no palco por duas horas usando 90% de seus pulmões, você está levando seu corpo ao extremo. E acontece que eu amo essa parte do meu trabalho, da performance, isso de: "Até onde posso empurrar este carro de corrida?". Claro, ele caiu um milhão de vezes e então eu tenho que ir descansar.
Mas então você também está perguntando sobre o lado emocional dos shows ao vivo, e é aí que a linha entre introvertido e extrovertido fica um pouco embaçada. Às vezes, você pode ter um show que está indo bem, mas talvez a última música seja realmente a melhor versão que você já fez, extremamente extrovertida. E logo depois disso você talvez tenha três minutos em que entra em completa introversão, e se você tiver sorte, todo mundo também está com você naquele momento, milhares de pessoas, dentro de sua caverna. Isso é como mágica e não acontece com frequência. Isso contradiz tudo o que acabei de dizer, mas são os momentos pelos quais vivemos.
E então, às vezes, posso estar caminhando sozinha no topo de uma montanha e ter a experiência mais comunitária e cósmica que tive durante todo aquele ano, absolutamente sozinha, onde estou quase chorando porque me importo muito com o planeta. Às vezes, aquela parte de mim que se preocupa com os outros é mais ativa quando estou sozinha. Então é tudo de cabeça para baixo também, por mais que eu goste que seja algo mais preto e branco.
Uma coisa que percebi recentemente, que pode ser uma "pérola pobre" de sabedoria para os jovens por aí, é que uma coisa muito bonita acontece quando você chega à minha idade, a meia-idade: você não apenas deixa de ver sua vida de forma linear, é como se algo te colocasse acima de uma visão panorâmica e sua mente começasse a jogar fora toda a merda que não importa. E você começa a experimentar o tempo como se tudo estivesse acontecendo no mesmo momento. E, na verdade, quando você não está lutando, é uma coisa extremamente bonita.
OV: Isso é tão bonito!
B: Quando eu tinha vinte e poucos anos, lia tanto "O Diário de Anaïs Nin", que provavelmente deveria ter sido presa por isso. Era ridículo. Apenas relia aquilo várias e várias vezes. E alguns dos meus amigos me diziam: "Olha, vamos lá, ela foi ótima, mas não era tão boa assim. Existem outras pessoas".
E acho que à medida que envelheço, entendo melhor por que fiquei tão impressionada com isso. Não conheço outra artista feminina que tenha documentado sua vida – se ela era criança, adolescente, vinte, trinta, meia-idade, mais velha – como se todos os períodos fossem igualmente importantes. E há algo sobre isso – acho que quando eu tinha vinte e poucos anos, decidi subconscientemente: "Uau, é isso que vou fazer. Quero documentar todas as etapas de uma vida". Eu quero que uma música que eu escreva seja tão importante quando eu tiver 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80, não importa o quanto eu viva, que há uma democracia de idades.
OV: Sim. Isso é uma coisa tão bonita de se dizer, porque acho que com o trabalho da Anaïs, o que me chama a atenção é a dignidade que é consistente do início ao fim. Independentemente se ela está escrevendo algo sobre erotismo, se ela está falando sobre saúde mental ou suas próprias lutas, sobre a vida cotidiana... há muita dignidade nisso. E vejo que, em seu trabalho, por mais variado que seja, a linha de passagem mais constante é uma dignidade feroz, não apenas para si mesma, mas para a arte e a vocação em questão. E eu acho isso tão inspirador!
Não sei se você já passou por isso, mas muitas vezes me disseram que talvez porque sou gay, que talvez porque sou asiático-americano, não sei, que eu deveria ser grato por onde estou. Tipo: "Não seja muito ambicioso, não peça muito, não acredite que você pode ter essa dignidade, ou essa seriedade, levando a si mesmo e seu trabalho a sério do começo ao fim". Mas acho que, enquanto isso, as pessoas que fazem armas nunca se dizem humildes. As pessoas que destroem nosso mundo, que tiram capital de pessoas e produtos, as pessoas que querem acabar com a Amazônia e que constroem as bombas atômicas não dizem: "Vamos diminuir o raio da explosão". As pessoas que fabricam armas automáticas não dizem: "Vamos fazer com que essa arma dispare menos balas". A ambição delas é sempre inquestionável e crescente. Enquanto isso continuamos dizendo aos nossos artistas: "Abaixe o tom, não leve seu trabalho tão a sério". E eu acho que é tão revigorante, como um escritor mais jovem, ouvir você dizer: "Eu tenho levado isso absolutamente a sério desde o início". É uma coisa poderosa. Ver o corpo de trabalho de alguém refletir isso como evidência de que se dar dignidade em seu ofício é, na verdade, o maior respeito que você pode dar ao seu campo de atuação.
B: Obrigada! Espero que isso possa ser inspirador para as pessoas. E eu acho tão interessante contar minha história em qualquer idade. Eu estava preparada para apenas três pessoas me ouvirem – não importava se fossem 100 ou milhares, o que quer que fosse – eu estava nisso para o longo prazo. E isso era um tipo de feminismo silencioso que eu não entendia nos meus vinte anos, era isso que eu queria fazer, essa documentação.
OV: Algumas pessoas envelhecem e aprendem e algumas pessoas envelhecem e ficam cada vez mais amargas e difíceis, e sofrem muito mais também. E então comecei a pensar que a idade não é necessariamente um sinônimo de sabedoria, mas talvez a perda disso – que quanto mais velhos ficamos, mais perdemos, e que é a perda que amplifica o quanto entendemos e quão precioso é o mundo. No budismo temos essa coisa chamada "meditação da morte", todas as manhãs eu mesmo faço. E acho que foi isso que você descreveu quando falou sobre sua mãe. Você descreveu anteriormente que, quando ela faleceu, você começou a realmente entender melhor o relacionamento de vocês. Todas as pequenas brigas se tornam tão insignificantes que caem. Elas se tornam tão pequenas. E é assim com minha mãe também, não lembro das nossas brigas. Tínhamos muitas delas, mas não me lembro. Quando penso nela, só me lembro de nós dois sentados juntos, muitas vezes apenas tomando chá e conversando.
Com a "meditação da morte", você imagina as pessoas que você ama morrendo e você se imagina morrendo, você se imagina em um caixão, e soa muito mórbido. Mas, na verdade, depois de 20 minutos você acorda e de repente percebe que todas as pequenas brigas que você teve com seus amigos ou seu parceiro ou sua família sumiram, porque a morte estava tão próxima que você só quer correr e abraçar eles. E, na verdade, acho que é isso que a sabedoria realmente é. Não é tanto se mover no tempo, mas se mover na perda. Você sente o mesmo? A perda te ensinou alguma coisa?
B: Sim, com certeza! Acho que talvez ainda a maior perda que experimentei foi meu divórcio há oito anos, que teve um efeito traumático e eu estava muito aberta e pensei: "Devo guardar isso para mim? Ou devo compartilhá-lo?". E então pensei: "Vou compartilhar. Eu não vou ficar com "cara de paisagem" sobre isso por 50 anos. Isso não faz sentido". Isso me deu muita coisa boa. Entrar no metrô e olhar para as pessoas ao meu redor... eu tinha mais empatia com as pessoas por suas perdas, com certeza. E eu acho que foi extremamente saudável para mim.
Mas talvez seja parte da Kundalini que eu faço, ou apenas sendo uma cantora, as estruturas que você constrói dentro de você com toda a respiração – você fica melhor em hiperventilar a cada semana que faz isso. Ao aquecer sua voz, é quase como se você estivesse construindo uma catedral dentro do seu crânio. E é uma sensação, que a parte espiritual de nós se torna maior. Tenho certeza de que é o mesmo com sua prática budista, mas é uma das poucas coisas que realmente cresce à medida que você envelhece. Quando entrei no palco alguns dias atrás, foi tão fácil entrar direto naquele lugar espiritual, fechar meus olhos e compartilhá-lo. Eu chorei durante todo o show e pude sentir que as primeiras filas de pessoas também estavam mais emocionais.
Cada álbum é sempre diferente. Eu gosto de vozes que soam mais velhas e profundas, você perde algumas notas, mas ganha algumas também. Em cada álbum eu tentei trabalhar com o que eu tinha naquele momento, não com o que eu tinha dez anos atrás.
E há um equilíbrio, mas também muitas coisas que são dadas a nós, que estamos construindo uma catedral espiritual dentro de nós. E podendo contar com essa estrutura, gosto de pensar que a perda não é tão traumática. Quero dizer, nos meus vinte anos, se algum namorado não me beijasse era como a terceira guerra mundial. Eu não passo mais por isso.
OV: Acho que nosso trabalho é uma espécie de arquitetura que atualiza o que sentimos nesses três ou sete anos. Nosso trabalho é quase a apresentação do que a perda e o ganho fizeram, as dádivas que tivemos. E eu acho que de certa forma é essa atualização de quem somos. O melhor trabalho, eu acho, mostra todas as contradições da vida juntas, é tudo fluido. E você está certa, eu adoro quando a voz de uma cantora ganha textura. Penso em Etta James, penso em algumas das minhas cantoras favoritas – Gladys Knight, até Whitney Houston. No final de sua vida, ela estava lutando – muitas pessoas a criticaram por sua voz, mas acho que era uma parte tão natural de alguém passando pela vida e passando pelo desgaste e depois pela recuperação. Achei tão profundo ouvir isso, então obrigado por dizer isso. E de novo, dando dignidade aos vários instrumentos que nos são concedidos como artistas.
Eu também sou professor, e sempre encerro minhas aulas fazendo uma pergunta aos meus alunos. É algo muito simples, e eu estava louco para perguntar isso: Ultimamente, do que você tem mais orgulho?
B: Ah, uau! Talvez do equilíbrio. Estou na Islândia há dois anos com minha família morando perto. Você pode se orgulhar do equilíbrio?
OV: Sim. Voltar para casa, se encontrar com a família e com si mesmo, isso é um trabalho árduo. Esse não é um estado natural que todo mundo tem, então você deve se orgulhar disso.
B: Então, claro, há este álbum, apenas dizendo adeus a uma mãe, e também tendo uma filha adolescente que está se tornando adulta, saindo de casa. E então houve vários cruzamentos na minha vida e sinto que fizemos tudo com equilíbrio e dignidade e sem argumentos, então estou muito orgulhosa disso.
OV: Isso é tão bonito! E quando você acabou de dizer isso, eu percebi que você expandiu o "ela" na frase: "Eu sou a guardiã da esperança dela". Agora imagino que seja o mesmo para a sua filha também, que você está mantendo a esperança de alguém que se foi e a esperança de alguém que está aqui, que continua a se abrir [para o mundo]
B: Ah, ela está muito esperançosa, a minha filha. Ela é uma otimista destemida!
OV: Que todos nós sejamos otimistas destemidos!
Fotos: Nick Knight.
Vestido: Alessandro Michele para Gucci.
Stylist: Edda Gudmundsdottir.
Setembro de 2022.