Björk é, sem dúvidas, uma grande lenda da música. Ela fez uma carreira evitando a rota mais fácil e optando por viajar por águas mais densas e desconhecidas, mas geralmente gratificantes. É uma verdadeira pioneira. Nunca temos ideia do que esperar dela.
Em novas entrevistas ao LA Weekly e The Mercury News, Björk falou da relevância do show Cornucopia no cenário atual e os planos para o novo álbum:
O telefone toca, revelando não apenas uma ligação de um novo número, mas também de um novo país (pelo menos para mim). Então, atendo minha primeira ligação da Islândia e ouço uma voz maravilhosamente familiar me cumprimentando do outro lado: "Bom Dia. Meu nome é Björk". Assim começa uma conversa muito boa com uma das maiores artistas da história da música pop.
Quando a pandemia chegou, a islandesa estava no meio da turnê de Cornucopia, um show teatral mega elaborado, que é baseado em seu álbum mais recente, Utopia (2017). A última apresentação foi em 8 de dezembro de 2019, na Suécia. O espetáculo retorna agora em janeiro, em Los Angeles e São Francisco.
“Isso (de parar por muito tempo) nunca aconteceu comigo antes. Estou meio empolgada. Normalmente, uma vez que nos comprometemos com uma turnê, parecemos ficar presos em uma rede que geralmente é divertida, mas na pior das hipóteses pode se tornar algo sempre igual, feito da mesma maneira. Então, colocar algo em pausa por dois anos, escrever um álbum inteiro e depois voltar vai ser interessante. Há um manifesto ambiental meu e de Greta Thunberg nesse show, que se tornou ainda mais relevante agora. Então, posso manter tudo como estava, e espero que isso torne o assunto em discussão ainda mais urgente".
Várias outras turnês de Björk também foram bastante elaboradas. Então, o que tornaria Cornucopia diferente?
"Acho que é porque estamos fazendo algo como os cinemas digitais. Então, eu queria ter muitas telas. Uma espécie de sobrecarga de telas, tipo 10x a Times Square. A abundância foi uma espécie de ideia. Tanto sonoramente quanto visualmente, como o ponto de partida de Utopia.
Isso explicaria o título do show, Cornucopia? Não exatamente.
"É mais um estado de espírito. Estar feliz e isso ser o suficiente. Obviamente, as músicas são muito diferentes. Assuntos muito, muito diferentes. Mas talvez o que une todas as de Utopia é que se trata de sobreviver após a poluição. Não é pós-apocalíptico. Eu diria que é pós-êxtase.
É mais ou menos sobre encontrar o êxtase. Criei uma ideia de ficção científica como um romance, onde todos iríamos para uma ilha e começaríamos um novo lugar. Construiríamos flautas a partir de gravetos. E por causa de um acidente nuclear, teríamos nos transformado em pássaros ou pássaros transformados em sintetizadores. Mas, ainda assim, estaríamos bem.
Acredito que, talvez, tudo isso é muito sobre a ideia de querer criar um porto seguro sem violência; por estar exausta com 90% das histórias, que definem o futuro de forma distópica e sem esperança.
Penso que é apenas um limite. Significa apenas que não temos uma mente aberta o suficiente para imaginar um novo mundo. Então, acho que Utopia, que saiu cinco anos atrás, meio que fala disso.
Além disso, ele se sobrepôs aos Acordos Climáticos de Paris. Isso também é Utopia. O fato de que nós, todos os países do mundo, podemos cumprir as regras dos Acordos Climáticos. Isso também é um manifesto utópico. E é algo como: "Acreditamos que podemos fazer isso?" Ou está fora de alcance?".
Acho que é por isso que chamei o álbum de Utopia. É um sonho, um sonho impossível, que no futuro seremos capazes de reverter os danos das mudanças climáticas".
O mundo está um caos com a COVID, mas as questões ambientais que atravessam Utopia permanecem igualmente próximas do coração de Björk. Ela diz que, olhando para o futuro, espera que o mundo possa reagir com o mesmo nível de urgência ao meio ambiente:
"Acho que podemos fazer isso. É apenas uma questão de estado de espírito. E vimos agora, com a pandemia, que se os humanos no planeta decidirem tomar uma atitude para parar algo, eles podem".
Cornucopia conta uma grande história, na qual Björk se posiciona de diversas maneiras artisticamente:
"O assunto abordado em Utopia e Cornucopia é muito sobre o meio ambiente, e também em um nível pessoal. Espero também que em um nível universal. Mas eu estava tentando não focar na agressão e destruição, que no meu caso foi Vulnicura, o álbum que fiz antes. Como você constrói um novo mundo e como mantém a esperança? As músicas abordam isso de ângulos muito diferentes, mas obviamente quando fazemos um disco, sempre primeiro o escrevemos, para depois dizermos que as canções são muito distintas umas das outras. Mas se há algo que une todas elas, geralmente não descobrimos até que tudo esteja pronto".
Durante a pausa na turnê, as questões ambientais só se agravaram:
“Quando vemos os Acordos Climáticos de Paris, ou os líderes mundiais se reunindo na Escócia há alguns meses para discutir isso, acho tão difícil imaginar transformar este planeta em um lugar hospitaleiro para a próxima geração. As pessoas simplesmente desistem e preferem construir um ônibus espacial e encontrar outro planeta. Como musicista, estou mais interessada em emoções. O álbum Utopia é sobre ter esperança em situações impossíveis. Você tem que escrever um manifesto do que quer que o mundo seja. É interessante interpretá-lo ao vivo, porque algumas das faixas do show são muito esperançosas. Mas também há momentos, o que é muito satisfatório, em quatro ou cinco músicas no setlist, em que não acredito em nada disso e desisto. É algo que motiva a lutar contra isso. O álbum é muito Pollyanna, mas tem momentos sombrios".
A artista diz que seu estilo de vida não mudou muito na Islândia, apesar da turnê ter parado:
“Bom, as mudanças de estilo de vida por causa da COVID não foram tão grandes na Islândia", explica. "Eu moro em uma praia em Reykjavík, a capital, e mesmo nos bloqueios mais severos, eu poderia andar para cima e para baixo. Depois, claro, pude fazer minhas caminhadas nas montanhas… Passamos muito tempo na natureza aqui. E mesmo na cidade, a maioria das coisas permanecia aberta. Consegui escrever um álbum inteiro sem pausas para viajar, o que foi absolutamente delicioso! Não fico tanto em casa desde os 16 anos. Adorei!".
Cornucopia estreou em 2019 em Nova York, com mais shows que se seguiram no México e na Europa no final daquele ano. Mas então houve a grande pausa devido ao COVID. A notícia de que Björk já está trabalhando em um próximo álbum é muito empolgante. Considerando o fato de que está criando material novo, pode parecer estranho para alguns fãs que ela ainda esteja em turnê com o Utopia, mas a islandesa encara isso de outra maneira:
"Acho que por ser um concerto tão incomum para mim, o intervalo de tempo mais longo (entre shows) realmente acrescentará algo a mais. É a coisa mais teatral que já fiz e, de certa forma, vai verticalmente no meu catálogo de músicas, conectando coisas de diferentes épocas. Então, nesse sentido, acho que pode dar certo.
Eu realmente gosto. Eu acho que para um musicista, é muito comum você escrever uma música e depois tocá-la ao vivo, e então escrever uma música nova e depois tocá-la ao vivo. Então, às vezes pode se tornar bastante linear. Acho que quebrar o sentimento linear é realmente revigorante para alguém como eu.
Na verdade, foi perfeito para mim fazer uma pausa por dois anos e escrever algo completamente diferente, e então eu poderia voltar ao show e ajustá-lo, e talvez até melhorá-lo de alguma forma. Quando você tem um ano diferente na vida, às vezes vê coisas que não viu quando estava dentro do processo".
Embora ela seja tudo menos uma viciada em nostalgia, Björk sempre traz algumas músicas antigas em turnê. Antes da pausa nos shows, incluiu Venus as a Boy e Isobel:
"Uma vez que estou trabalhando na turnê de um álbum já por um tempo, tornou-se muito fácil de "ler" esse concerto, e que músicas antigas refletem nele. Desta vez, todos os elementos como plantas, florestas e orquídeas tiveram uma segunda chance".
Cornucopia foi dirigido por Björk e Lucrecia Martel, e a islandesa diz que a colaboração funcionou muito bem:
"Bom, eu trabalhei no show Cornucopia por dois anos sem parar, e Lucrecia foi graciosa o suficiente para entrar em cena quando tínhamos apenas cinco meses até a estreia. Ela foi incrível. Realmente aumentou as camadas das cortinas, e nos pediu para considerar incluir uma sensação de pintura a óleo nas telas digitais, o que encaramos de frente".
Com a situação da pandemia mais controlada na Islândia, no ano passado Björk pôde finalmente retornar aos palcos. Ao lado de músicos islandeses, entregou uma série de concertos, Orkestral. Fãs de todo o mundo puderam acompanhar tudo em livestreams direto de Reykjavík.
"Tem sido o maior prazer ficar na Islândia por dois anos, onde as restrições da COVID foram quase nulas. Caminhar até o local do show e depois voltar para casa. Eu absolutamente amo isso! E o trabalho, feito diretamente com músicos tocando acústico... Muitos deles são meus amigos. Tem sido muito visceral, algo presente e gratificante".
O show Orkestral também será tranformado em uma turnê ao longo de 2022. Embora seja algo muito diferente do que é Cornucopia, Björk diz equilibrar os dois espetáculos muito bem:
"Eles realmente se complementam para mim como cantora. Para mim, Orkestral é como um dia de feriado. Eu apenas chego com um vestido nas costas e apareço, canto e vou para casa. Torna-se mais sobre mim, a cantora. Eu trabalho com as orquestras locais de cada lugar, então sou mais como uma convidada ou uma visitante".
Em Cornucopia, ela estará acompanhada novamente de Serpentwithfeet, a quem disse estar "muito honrada em dividir o palco com seu espírito generoso"; Manu Delago, o coral Tonality e as adoráveis flautistas do septeto Viibra.
"Cornucopia é exatamente o oposto, onde basicamente sou responsável por cada detalhe em cada departamento. Não poderia ser mais o oposto".
Dito isto, ela está ansiosa para também passar um tempo em Los Angeles:
"O clima está incrível. Ao longo dos anos, aprendi a ter outro ponto de vista dessa cidade complicada. Tenho tantos amigos incríveis lá. Quase todos os meus amigos nos Estados Unidos se mudaram para lá. Parece ser um êxodo da cidade de Nova York".
NOVO ÁLBUM:
Com um novo álbum em planejamento, Björk já está pensando lá na frente, como sempre. Certamente, será mais uma fase incrível da artista. Mas por enquanto, está mantendo seus próximos objetivos de forma modesta: "Nadar em um oceano quente, talvez", ela diz.
As entrevistas já haviam sido marcadas para o início do mês de janeiro, mas foram adiadas porque a artista estava muito ocupada em estúdio:
"Estávamos tentando finalizar meu álbum antes de irmos fazer os shows. Algumas pessoas da equipe pegaram COVID, então eu meio que tive que fazer malabarismos com muitas coisas naquela semana. Eu sinto muito. Obrigada pela sua paciência", disse ela ao jornalista. "Mas acho que meio que voltamos à ativa. Está terminando tudo muito bem".
Quando os fãs poderão ouvir o novo álbum? Ela já tem um prazo em mente:
"Não sei. Depende da velocidade de publicação em 2022. Está meio fora das minhas mãos. Mas eu diria verão (junho a agosto). Essa é uma estimativa aproximada.
Estou terminando [o novo álbum] agora, e provavelmente deve sair no verão. É sempre muito difícil para mim descrever o álbum enquanto ainda estou fazendo. Não é até alguns meses depois que eu posso olhar no espelho e fingir que havia uma lógica nisso o tempo todo".
Justo.
Björk retorna atualizada para a "Cornucopia Tour".
Agora só falta fazer a porra da gravação oficial, mulher. Não esquece as câmeras!!!
- Entrevistas publicadas no LA Weekly e The Mercury News, janeiro de 2022.
Foto: Santiago Felipe.