Björk agora tem o seu próprio podcast! Nos episódios de "Sonic Symbolism", a artista descreve o processo criativo de cada um de seus álbuns em conversas profundas com amigos e colaboradores.
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Asi Jónsson: Você está ouvindo "Sonic Symbolism", onde Björk discute as texturas, tempos e paisagens emocionais de seus álbuns, com a amiga, autora e filósofa, Oddny Eir, e eu, curador musical, Asi Jónsson. Este é o Episódio 2 sobre o disco "Post".
Björk: Sempre uso a palavra "promíscuo" para definir esse álbum. Eu só queria tentar trabalhar com várias pessoas. Também refletia muito a minha vida na época, meio que uma cidade grande, grandes luzes e o tipo de energia da Trafalgar Square. Eu estava passando por muitas boates, estava conhecendo muitos novos amigos que acabaram sendo amizades para a vida toda, na verdade. Eu era muito extrovertida, pela primeira vez na minha vida, sabe? E então, de repente, eu estava assim, com amigos muito, muito extrovertidos, e a gente meio que desabafando uns com os outros e sendo exagerados, mas gostando disso. Talvez, também sabendo que nós não queríamos fazer isso para sempre. Era um momento único na vida, entende?
Duna: As palavras que descrevem "Post" são:
Urbano.
Ambicioso.
Promiscuidade.
Eufórico.
Absorver.
Cor laranja.
Cor de rosa.
Asi Jónsson: Björk lançou seu segundo álbum solo, "Post", no verão de 1995. Ao contrário do primeiro disco, que ela escreveu desde a infância, as composições de "Post" vieram nos dois anos anteriores. A música refletia o ritmo acelerado de sua vida na época e a distância de sua casa. O álbum é uma coleção de duetos, como ela mesma já disse: "Ainda que trabalhando na linha entre o desconhecido, achei que o "aperto de mão" entre mim e os colaboradores do álbum foi muito genuíno".
Oddny Eir: Quando ouvi "Post" sendo tocado em um restaurante em Reykjavík em 1995, senti como se tivesse entrado em uma máquina do tempo, como se tivesse entrado em contato com o futuro, como se Björk fosse uma irmã mais velha indo para o exterior, para um lugar muito longe, e mandado para nós, irmãos, de volta para casa, as vibrações mais inovadoras, como códigos secretos sônicos para o núcleo de seus novos tempos elétricos.
Então, estamos de volta aos trilhos. Estamos em Keflavík, na Islândia. Como você descreveria o arquétipo do "Post"?
Björk: Bom, na verdade eu fui fazer uma sessão de fotos para a capa do álbum "Post", e foi bem caro. E não usei as fotos. E essa foi talvez a primeira vez que percebi que sabia o que queria, que não era apenas uma fotografia minha, mas uma fotografia de algum tipo de carta de tarô caseira, que tinha que ter certo símbolos que representam como me senti quando escrevi essas músicas. E de alguma forma estranha, foi a maneira de tirar isso de mim, a pessoa.
E no final de tudo, falei com Stefan Malinowski, que era muito próximo de mim na época, e Paul White, da Me Company, que fez os designers da capa do álbum comigo de qualquer maneira, e repetimos a sessão de fotos. E eu disse: "Ok, eu queria me sentir como a garota que acabou de chegar do campo na praça central. Quero que a imagem tenha todas essas luzes e todas as experiências, com a garota "devorando" tudo muito rapidamente, tipo, indo para todos os restaurantes e conhecendo todas as pessoas, escrevendo música com todos". E era muito sobre esse tipo de celebração de consumir o melhor de uma cidade. A cidade de forma positiva, como um lugar que reúne tudo.
Oddny Eir: Um lugar de possibilidades.
Olhando as letras, eu acho também que, de alguma forma, é muito sobre a alquimia, juntar elementos diferentes em cada música.
Björk: Mm-hmm.
Oddny Eir: E o resultado de cada música é muito diferente da que vem em seguida. Então, você sente que é um pouco sobre esse processo?
Bjork: Sim. Talvez seja por isso que escolhi rosa e laranja, porque são como duas cores quentes que meio que se chocam quando estão juntas. Então, era muito sobre esse tipo de atrito. E, claro, gostaria de deixar claro que "Debut" tem melodias e coisas que eu escrevi 20 anos antes. Então, foram muitas memórias e melodias de infância e adolescência, enquanto "Post" foi o primeiro álbum que era exatamente o que eu escrevi nos dois anos anteriores.
Oddny Eir: Você estava se atualizando.
Björk: Sim, totalmente. E naquela época, eu tinha feito a maior parte do "Debut" com Nellee Hooper. E eu comecei a trabalhar com ele para o "Post", mas então eu meio que me separei, e acabei fazendo o disco mais com Howie, Tricky e Graham Massey, e eu meio que acabei quase indo para o outro lado. Em vez de fazer um álbum inteiro com uma só pessoa, eu fiz com quatro ou cinco pessoas diferentes.
Oddny Eir: Ok.
Björk: E também, eu mesma vinha ouvindo coisas que talvez eram um pouco mais... Como você chamaria? Não tão polidas! 808 State, Free Manchester, e depois, do selo Warp, que eram coisas como LFO, Black Dog e Aphex Twin. Então, foi uma mistura!
Asi Jónsson: Temos as faixas "Army of Me", "Enjoy" e "I Miss You", que são todas diferentes, mas ainda fazem parte da mesma família musical. Você poderia nos falar sobre essas três canções?
Björk: "Army of Me", eu escrevi com Graham Massey, antes de fazer o "Debut".
Asi Jónsson: Sério?
Björk: Eu fiz Army of Me e The Modern Things com Graham, provavelmente, em 1992. E eu iria inclui-las como parte do "Debut", mas, para mim, aquele disco tinha uma energia mais suave. Já "Post" era mais cru, mais brutal. E talvez você possa dizer que "Debut" era Londres, mas "Post" era mais um pouco de Manchester, um pouco de Escócia, um pouco de Bristol, sabe? Então, não era tão "liso", entende? Naquela época, tudo o que vinha de Londres era um pouco escorregadio, e as pessoas da Escócia, Manchester e Bristol menosprezavam tudo que era assim. Eles queriam que as coisas fossem cruas!
Quando eu uso a palavra "liso", na verdade não faço isso na intenção de me referir a algo ruim. Acho que funcionou muito bem no "Debut" para juntar tudo, sabe? Mas acho que no "Post", eu estava tipo: "Ok. Agora deixei de lado essa energia bruta, mas eu quero trazê-la de volta".
Talvez depois da turnê de "Debut", eu queria aprender! "Ok, como posso fazer uma banda e tocar ao vivo, mas também poder ter essa energia bruta?". Como a que uma banda indie poderia ter, com configuração eletrônica, sabe? Isso era o que eu estava tentando aprender a fazer.
E imagino que, ainda hoje, é o único álbum que fiz dessa forma. Conhecendo pessoas de igual para igual, e então depois gostaríamos de escrever juntos, o que acho bastante comum na música eletrônica.
Oddny Eir: Então, a colaboração é realmente uma questão aqui. Talvez haja mais ego no "Post", ou assumindo um pouco o lado popstar, você poderia dizer.
Björk: Mm-hmm.
Oddny Eir: Mas, por outro lado, é um disco com muita colaboração. Então, é também uma desconstrução do ego, do artista como alguém que faz tudo sozinho ou que precisa possuir tudo, sabe?
Björk: Sim, ter coragem de fazer uma fusão com estranhos!
Oddny Eir: Sim.
Björk: Mas de uma forma genuína, não de uma forma superficial.
Oddny Eir: Sim. Você estava pegando emprestado e devolvendo algo, porque é assim que eu entendo o que havia de especial neste mundo em Londres naquela época, neste pequeno submundo que você estava, como era antes na Islândia, um ajudando o outro.
Björk: Mm-hmm.
Oddny Eir: Dando voz, abrindo espaço um para o outro.
Björk: Sim, parecia um pouco assim na época para mim. Você sabe, eu estava em Londres e, em vez do selo Bad Taste, dos Sugarcubes e desse tipo de coletivo... Aquilo era um novo coletivo, e nosso grupo de amigos. E acho que nos ensinamos muito. Era meio estranhamente igual. Todos nós tínhamos coisas para compartilhar uns com os outros, de alguma forma. Eu também sabia que podemos sentir isso de certo modo, que é um tipo de aliança única na vida.
Oddny Eir: Mm-hmm.
Björk: É como uma união feliz, mas também sabendo que não vai durar muito. Entende o que eu quero dizer?
Oddny Eir: Sim. Também é uma questão de que não é que a festa acabou, mas de alguma forma, as pessoas estavam indo mais para suas próprias instruções, depois de um certo período. Esse mecanismo de grupo não pode continuar sem parar. Geralmente, os indivíduos começam a seguir mais seus caminhos.
Björk: Mm-hmm. Sim. É por isso que eu queria que a capa do álbum fosse eu posicionada na estação central, com todas essas pessoas indo e vindo. Tivemos esse "vento" com todas as cartas girando, algo como: "Oh, meu Deus, há tantas interações e, uau! Isso é tão emocionante, mas é quase demais. Isso é demais!".
Asi Jónsson: Foram lançados seis singles desse álbum na época. E então, novamente, você fez um cover. "It's Oh So Quiet" se tornou um grande sucesso. Por que você fez uma versão dessa música? Quero dizer, é uma canção estranha, algo dos anos 40, 50, não é?
Björk: Sim! Na verdade, o Guy Sigsworth me apresentou a essa música. E acho que foi uma piada estranha entre nós, porque eu queria que o álbum tivesse muitas surpresas. Primeiro de tudo, começando com "Army of Me", que era como um portal bruto e uma música de metal, a última coisa que eu pensei que as pessoas esperariam depois do "Debut", e ainda tendo isso como single.
Então, era ter uma música assim, e depois outra diferente e depois outra. Isso era quase como uma piada, sabe? Acho que foi esse elemento surpresa, talvez porque era a última coisa que você esperaria naquele disco. Mas acredito que também foi um experimento abraçar toda a música do mundo, ser tão inclusiva, amar tanto a música, que poderia ter todos esses gêneros diferentes e torná-los coesos, porque o que estava "colando" tudo aquilo é o amor pela música.
Era meio assim: "Você pensa na metade do álbum, e então algo assim vem e diz: "Oh, acha que te perdemos, né? Mas não, [essa junção de diferentes faixas] é algo inclusivo, porque de fato é". Nós amamos tanto a música que podemos incluir tudo, até uma música ridícula como essa". É um humor musical muito estranho.
Asi Jónsson: Para mim, "Isobel" é uma das canções de destaque do "Post". É onde você colabora nos arranjos de cordas com o músico brasileiro Eumir Deodato. E a letra é escrita pelo seu amigo, o poeta islandês Sjón, baseado na sua própria história. Você poderia nos contar sobre sua abordagem ao compor essa música?
Björk: Sim! Acho que desde o minuto em que decidi fazer álbuns solo, o que era um tabu para a geração punk, tive problemas com a autoindulgência disso. Então, penso que minha saída foi um estranho senso de humor. A história da garota que deixou a Islândia, que se mudou para a cidade grande e se tornou tão "cheia de si" que queria lançar sua própria música para o resto do mundo.
Asi Jónsson: Mm-hmm.
Björk: Eu só poderia fazer isso com algum tipo de senso de humor. E é um senso de humor muito estranho, que acho que ninguém entende. Mas é transformando-o em algo como uma história de mitologia.
E "Isobel" trouxe as letras que eu trabalhei com Sjón. Nós sentávamos, bebíamos vinho tinto e conversávamos por horas e horas e horas e horas. E era quase como uma piada com seriedade, é claro, mas é por isso que eu não conseguia escrever essas letras. Porque elas tinham que ser quase como se pudéssemos nos ver de fora. Sabe, era sobre essa garota que sai da natureza e vai para a cidade grande. Era como as histórias de realismo mágico, mas também tirando sarro disso.
Asi Jónsson: Na música "Cover Me", você experimentou samplear uma peça musical do compositor francês, Olivier Messiaen. Você estava ouvindo muito o trabalho dele na época?
Björk: Sim. Quando eu estava na escola de música, ele era um dos meus heróis. Eu acho que preferia ele a Bach e Beethoven. Eu gosto dos compositores franceses, Ravel e Debussy. Então, ele era muito importante para mim.
Eu acho que a cultura nos anos 90 era que, geralmente havia samples em todas as músicas, mas eu não queria fazer isso. Só que, às vezes, isso também era uma ideia bonita, porque é como se você estivesse citando algo, como o lugar de onde você vem, prestando respeito por aquilo. Então, pode ser como uma coisa honorária. E eu meio que geralmente vetei isso, com no máximo, dois samples por álbum. "Cover Me" era uma música que eu escrevi, tocando o Cravo que tinha na minha casa. Então, era mais uma música de solidão.
Asi Jónsson: De certa forma, a América ficou triste com a sua partida do rock. Lembro que você recebeu críticas mistas por lá. E parecia que algumas pessoas demoraram bastante para entrar em que direção você estava indo, embora o sucesso fosse ótimo. Mas é meio diferente. Quando você olha para o "Post", um álbum que foi aclamado como um dos melhores de todos os tempos em publicações como a da Rolling Stone. A minha pergunta é: Por qual motivo? Você acha que os tempos mudaram tão rapidamente? Que as pessoas levaram dois, três, vários anos para entenderem em que direção você estava indo?
Björk: Hmm. É uma pergunta interessante. Quero dizer, parte de mim está tentando não estar tão ciente dos críticos. Posso responder à sua pergunta desse ponto de vista, mas isso não seria verdade. E parte de mim estava realmente ciente disso. Então, se eu pudesse lhe dar uma resposta binária real, tentaria fazer isso. Acho que porque, claro, do Sugarcubes, fizemos muitas entrevistas. E nós estávamos realmente no meio de todo tipo de "mundo da música", todas as revistas, sabe? E uma grande, grande porcentagem disso, eu realmente não concordava, e acho que estava acostumada com isso. Além do mais, já na época do Kukl, quando começamos esta banda em 82 ou 81.
Asi Jónsson: Provavelmente foi em 83. Não, '82 ou '83.
Björk: E quando fazíamos os primeiros shows do Kukl, 17 pessoas compareciam, sempre as mesmas em Reykjavík. Então, eu tenho tomado essa vacina para o resto da vida, para fazer o que tenho que fazer, e não ficar tão preocupada com o que os críticos estão pensando. Mas foi muito curioso, todo esse tipo de máquina de crítica musical, porque era muito masculino, e era muito rock, e muitas publicações enormes, eles tinham uns 10 jornalistas homens, e depois uma pessoa que cuidava de toda música eletrônica. E apenas colocava todas as músicas eletrônicas em uma caixa, sabe? [Para eles], era a mesma coisa e não haveria mulheres em lugar nenhum, entende?
Temos que lembrar que, este é o mundo em que Kate Bush lançou um álbum, onde ela fez uma música sobre estar com o coração partido e lavar as roupas de seu ex-amante, olhando dentro da máquina de lavar, rodando em círculos e círculos e círculos. E eu me lembro de ler uma crítica, que eu deveria ter guardado. Era de algum cara do rock falando com tanto desprezo sobre isso, como se fosse "música de terceira classe", só porque ela estava escrevendo sobre a máquina de lavar. Era tão sexista! Mas não havia problema em escrever críticas enormes sobre bandas que cantavam sobre peitos e cerveja ou abuso de heroína.
Asi Jónsson: Pois é.
Björk: E estava tudo bem (escrever sobre aquilo), sabe? Mas o tipo de vida íntima da mulher, e a vida cotidiana de uma mulher era vista como uma área menor. De alguma forma, era visto como uma forma de arte menor. E acho que estava acostumada com isso! Eu não esperava mais [deles], entende? Mas também, nos Estados Unidos, eles eram muito mais lentos com a cena eletrônica. É meio irônico, porque muito da cena eletrônica veio de Detroit, dos gays negros dos anos 80. Mas eles foram meio que ignorados! Tanto por serem negros quanto por serem queer. Então, provavelmente poderíamos fazer um programa de rádio inteiro só sobre isso. A injustiça disso.
Asi Jónsson: Fora essas questões masculinas, acho que a música não era entendida em termos de ler essas críticas. Era algo que não fazia parte da cultura.
Björk: Sim, por exemplo, eu sempre conto essa história... A Rough Trade, que era uma loja enorme, tinha talvez 10 categorias apenas de música eletrônica! Apresentava títulos divididos por drum and bass, jungle, progressive house, techno, ambient, dubstep...
Asi Jónsson: Era muito complicado.
Björk: A gente tinha todos os subgêneros.
Asi Jónsson: Sim.
Björk: Mas daí se você fosse para a mesma loja em Nova York, [a categoria de música eletrônica] seria apenas um pequeno corredor, com talvez 20 CDs.
Asi Jónsson: Sim.
Björk: Haveria um CD de drum and bass, um de dubstep e outro de techno. E todos eles colocados na mesma caixa, chamados de Trip-Hop, algo que nós na Inglaterra costumávamos rir muito, porque é apenas uma palavra americana para descrever qualquer música eletrônica. Então, era um jornalismo realmente preguiçoso.
Mas eu não sei. Para ser sincera, não fiquei chateada. Eu acho que, claro, tem outras coisas que eram incríveis em Nova York, como hip hop e por exemplo, jazz, mas talvez a música eletrônica experimental não fosse realmente o que era comum lá. Mas tudo bem, sabe!
Oddny Eir: Há um pouco do arquétipo da femme fatale ou algo assim, devo dizer. E a Exploradora, é claro. E tem alguns manifestos aí no meio, um pouquinho. Então, essa garota que está perdida na Times Square. Ela talvez não seja Che Guevara, mas… Vejo outro outro arquétipo, um que sinto e que não consigo nomear, talvez. Daí temos os desafios. No "Debut", você estava reivindicando um espaço para a sua voz. O que você estava reivindicando nesse outro cenário? Qual foi o desafio ali? Quais desafios técnicos? Você já não precisava mais desafiar a música de guitarra.
Björk: Mm-hmm.
Oddny Eir: Houve algum desafio técnico, musical ou artístico de que você se lembra?
Björk: Sim. Hoje, neste momento, gostaria de dizer algum tipo de extroversão. Eu fiz tantas entrevistas em 93 e 94. Todos os dias! Muitas.
Oddny Eir: Uau.
Björk: Deveríamos contar [quantas foram], às vezes. Era insano! Mas para mim, parecia uma fusão genuína com cada jornalista. Eu coloco o meu coração em cada um, sabe? Tanto quanto com você agora. Porque essa é a única maneira de fazer as coisas. Mas então, eu agia tipo: "Oh, agora, eu vou ser como os extrovertidos". Mas meio que sabendo que eu estava empurrando uma máquina introvertida ao limite.
Oddny Eir: Sim.
Björk: E eu tive que desistir logo em seguida, mas foi de alguma forma, eu não sei, provando a mim mesma que eu poderia fazer isso! Talvez, a gente tenha que tentar de tudo uma vez, como pessoas normais fazendo mochilão no Himalaia. Isso é como a maneira deles de se testarem. Eu acho que para uma cantora introvertida, isso está no cenário musical, está em um tipo de terreno emocional.
Oddny Eir: Mm-hmm.
Björk: E para mim, o ponto mais extremo de quem sou é ser extrovertida 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Oddny Eir: E não dizendo "não" para as entrevistas, porque como você talvez tenha me dito antes, a sua avó era uma artista, mas ela não tinha voz. A sua mãe também. Como acontece com muitos artistas, homens e mulheres.
Björk: Mm-hmm.
Oddny Eir: Especialmente se são "experimentais" ou algo assim, marginalizados de certa forma. Às vezes, eles não têm voz. Mas, em alguns casos, eles nem querem ter voz. Ou quando lhes é dada a oportunidade, se torna uma "qualidade" do "experimental" não responder a perguntas. Então, talvez não fosse óbvio para você responder a todas aquelas perguntas sobre a Islândia, sobre os Alpes, sobre você, sua personalidade e assim por diante. Deve ter sido quase como uma decisão política, apenas para dizer sim e usar a sua voz.
Björk: Sim!
Oddny Eir: Publicamente, também como uma artista mulher, sem toda vez ficar pensando: "Isso foi péssimo? Eu falei demais?".
Björk: Sim, sim, definitivamente! Foi estranho, tipo: Se você for como uma pessoa "super leal" que tem que tentar uma vez na vida ter uma orgia com 10 pessoas, mas fazendo isso de verdade, então é isso!
Eu nunca vou fazer novamente. Foi assim que me senti, que quase tive que gostar [de estar exposta nesse cenário da mídia], fazer isso uma vez. E também acho que, talvez, fazer parte de bandas por 10 anos, o selo Bad Taste e toda aquela coisa de ser anti-qualquer coisa que fosse corporativa ou comercial; e todas as ofertas de entrevistas que recebemos na Islândia... Nós sempre dissemos "não". Apenas fizemos nossas próprias coisas do nosso jeito, sabe? Sempre foi muito estar "contra a máquina". Eu era a mais jovem, observando todas essas pessoas mais velhas do que eu. E eles estavam dizendo "não" para tudo, para um monte de coisas!
E eu pensei: "Sim, é incrível fazer isso". Realmente é algo que honro, é uma coisa linda, linda. Mas eu também estava me questionando no "Post": "Talvez se você disser "não" para tudo, vai estar se isolando em um canto? Você estará presa nesse seu "não", para o resto do mundo?”. Então, eu quase que tive que me esforçar, "empurrar" a máquina de quem eu sou até o limite pelo menos uma vez, quase como um ritual de vodu.
Oddny Eir: Sim.
Björk: Para tipo... [faz o barulho de um "chiado"].
Oddny Eir: Exorcismo!
Björk: Exorcismo, para queimar tudo.
Oddny Eir: Mm-hmm.
Björk: E quase provar que podemos ser genuínos. Que poderia dar uma entrevista na estação de rádio comercial mais corporativa do mundo, mas ainda assim fazer isso com muito, muito significado.
Oddny Eir: Depois disso, você foi criticada por ser um pouco positiva demais, por não ser "crítica o suficiente" naquela época. Ou foi essa a sua crítica?
Björk: Minha opinião é que com a chegada da internet, e obviamente com isso se tornando uma força no mundo onde as pessoas têm uma voz que não faz parte da estrutura da mídia ou da hierarquia de inteligência, de políticos ou o que quer que seja... Mas enfim, a voz das pessoas. Havia garotas, as chamadas "Millennials", nascidas nos anos 80, basicamente que meio que diziam: "Você poderia, por favor, parar de fingir que é tão fácil para você", sabe? E eu pensava que era tão interessante [ouvir isso delas]. E eu ficava tipo...
Oddny Eir: Tipo: "O que foi fácil? A carreira, gostar de ser musicista, ser uma mulher nisso"….
Björk: Sim. O que quero dizer, é que tive muitos momentos em que fui a um estúdio de gravação e, quando voltei à minha gravadora, o engenheiro que contratei naquele dia havia sido creditado como o produtor da música.
Oddny Eir: Sim, sim, sim.
Björk: E isso porque ele era o único homem ali! E até mesmo pessoas como o meu empresário, que me conhece, sabe?
Oddny Eir: Então, você não estava abertamente reclamando ou criticando isso publicamente, naquela época, mas você usou a possibilidade de falar sobre outras coisas, certo? Essa era um pouco a crítica ou o que? Você só começou a criticar isso [diretamente] mais tarde, analisando e apontando que tinha sido uma luta para você dizer: "Não. Fui eu. Eu sou a autora, não esse cara que me ajudou por 15 minutos!".
Björk: Mm-hmm. Eu acho que, obviamente, os Millennials, eles não estavam por perto nos anos 90, então eles não me ouviram fazer 1.000 entrevistas, sabe? Então, eu tive essa oportunidade e esse espaço aberto e pensei: "Ok, vamos apenas... [imita o som de uma batida musical]", enquanto estou aqui.
Oddny Eir: Sim.
Björk: E pensava que isso seria mais um progresso do que ser crítica. "Este não é o momento de ser crítica".
Oddny Eir: Mm-hmm.
Björk: "Talvez daqui a cinco anos, mas não agora!". Cinco anos atrás, mais ou menos como quando o Me Too aconteceu ou algo assim, foi quando as coisas simplesmente se alinharam, e certamente com... [imita o som de uma explosão]. Então, [naquela época] eu apenas decidi ir em frente.
Oddny Eir: Mm-hmm.
Björk: E estou muito feliz por ter feito isso. E, para ser honesta, não foi realmente algo muito pensado. Tudo aconteceu tão rápido!
Oddny Eir: Sim, mas é isso que estou dizendo! Agora, talvez pareça óbvio, que você tinha essa possibilidade, que você disse "sim" e fez todas aquelas entrevistas, sabe? E depois, talvez seja fácil criticá-las por aquilo que você estava ou não dizendo, mas de alguma forma essa é a ironia dos tempos. Que quando estamos de algum jeito tentando ser críticos, é tão importante entender que só o fato de agarrar a possibilidade de falar e dizer "sim" para uma entrevista... Talvez isso por si só, já era algo radical!
Mas talvez agora seja tão óbvio que nem consideramos como um ato político, algo radical, como uma posição ou algo importante. Sim, você demonstrou vulnerabilidade, mas também força e coragem, que eram coisas necessárias para as mulheres naquela época.
Björk: Acho que foi a coisa certa a fazer, mas também penso que foi a coisa certa a fazer quando me retirei [desse ambiente da mídia] e fui para a Espanha. Porque eu acho que, algo assim, dura pouco, sabe? E, definitivamente, houve um momento em 96, onde eu meio que estava começando a ser convidada para as festas de grandes celebridades, e era como um estilo de vida que eu poderia ter seguido, sabe? E eu fui a poucas dessas festas, e estou muito feliz por ter presenciado aquilo, por motivos antropológicos, entende?
Mas muito rapidamente, parei de escrever. E para mim, isso é sempre um sinal de que algo não está certo. Acho que não estava pensando, para ser sincera, em feminismo ou "não feminismo". E acredito que pensei: "Ok. Estou aqui [na mídia] pelas minhas músicas. Não posso escrever músicas com esse estilo de vida". Não dá certo, sabe? Então, basicamente fui para a Espanha e escrevi um álbum. Então, essa foi definitivamente uma declaração consciente. E também, eu nunca me arrependi, porque fazer todas essas entrevistas por 18 meses, todos os dias, estar em capas de revistas em todos os lugares... Isso também me deu muitas coisas. Eu poderia conseguir melhores posições nos festivais, poderia conseguir mais dinheiro para contratar orquestras sinfônicas. Tudo isso me deu mais ferramentas para fazer minhas músicas.
Asi Jónsson: E então há este projeto complementar para o "Post". "Telegram", o álbum de remixes que saiu em 1996. Este disco tem uma nova versão da canção "Hyperballad", que você tocou com o Brodsky Quartet. Naquela época, o compositor inglês John Taverner escreveu uma peça musical para você. Você também colaborou com o maestro Kent Negano. Parece que muitas pessoas do mundo [da música] mais "clássico" queriam trabalhar com você naquele momento. Quais são seus pensamentos sobre isso quando você revisita este período de sua carreira?
Björk: É uma pergunta interessante. Talvez, o que eu estava tentando fazer era me colocar fisicamente em um contexto de vida, que incluía mais do meu DNA musical. E, claro, sempre ouvi muito música clássica em casa, e estive em uma escola de música por 10 anos, o que é muito tempo. E, na minha opinião, a melhor idade para estar em uma escola de música é de 5 a 15 anos, porque podemos ser apresentados a tantas coisas! Depois dos 15 anos, é meio que o momento perfeito para fazermos nossas próprias coisas, entende? Pelo menos foi no meu caso. Estou muito feliz com a forma como tudo acabou.
Mas acho que, por mais que eu estivesse apaixonada por todo o contexto das raves e pelas idas a boates, eu sabia que isso não era tudo de mim, sabe? É um ambiente de sexta-feira à noite, mas há outros seis dias na semana. Então, acredito que eu estava tentando encontrar algo que fosse verdadeiro, em algum lugar no meio disso, onde ambos os lados pudessem ter o tipo de oportunidade de "confissão", como uma cantora em um espaço junto de um quarteto de cordas. É incrível! Tem lugar para a voz, porque é outro timbre, com o violino. Então, a partir disso poderia "correr" para qualquer outro ambiente. E além disso, temos toda essa musicalidade [disponível]. E então, é claro, a ideia do quarteto de cordas é simplesmente incrível! Existe uma razão pela qual há tanta música de quarteto de cordas no mundo. É um cânone maravilhoso.
Muitas pessoas da área do mundo da música clássica, estavam entrando em contato comigo. E acabei me apresentando no Pierrot Lunaire na Suíça uma vez, com Kent Nagano, o que foi uma experiência incrível. Acho que o que isso fez comigo, junto do que também acredito que aprendi muito em 93, 94 e 95, foi, de repente, me tornar uma pessoa pública. Muitas pessoas estavam me oferecendo muitas coisas, o que foi muito, muito lisonjeiro, mas leva muito tempo! E eu estava me sentindo mal, porque se fizesse alguma daquelas coisas [que estavam me convidando], não poderia dar o meu melhor. Então, eu só fiz um pouco daquilo tudo. Naquela época, comecei a ficar muito, muito consciente. Fazer menos coisas, mas dar tudo de mim!
Além disso, eu queria ser a autora, sabe? Acho que depois de 10 anos em bandas e servindo a outra visão, mesmo que seja a visão do grupo... Aquilo não era a minha visão, sabe? Eu não queria servir à visão de nenhum outro compositor ou maestro, ou apenas ser a intérprete! Eu queria tentar, como mulher! Eu senti que a maneira que eu poderia mudar mais o mundo para outras mulheres e meninas, era tentar fazer um álbum onde eu me desse o contexto do quarteto de cordas, me desse as batidas techno, e eu fosse a autora!
Sabe, e eu poderia fazer tudo sozinha. Então, aquelas experiências foram muito, muito educativas, lisonjeiras e incríveis, mas também me ensinaram que não estava me faltando nada ali! O que eu precisava focar é a minha missão. Sem querer parecer muito ingrata, porque acho que existem artistas performers incríveis no mundo, que simplesmente fazem isso. E essa é uma profissão muito valiosa e respeitável. Mas eu senti que meus pontos fortes como musicista são mais em ser uma cantora e compositora. Escrever meu próprio material, performá-lo e me colocar em uma situação em cada álbum, onde eu aprendo um pouco mais, e me torno apenas um pouco melhor no que estou fazendo. Colocar todos os ovos nessa cesta. Isso faz sentido?
Asi Jónsson: Isso faz muito sentido!
Björk: Inconscientemente, talvez estejamos coletando experiência suficiente para podermos escrever. E algo em mim queria tentar isso uma vez na vida! Ser aquele tipo de pessoa que não tem um abrigo, que está apenas em um pedestal com 1.000 holofotes.
Você pode mexer o dedo mindinho, e as reviravoltas caem [saem do trilho], sabe? É uma loucura! Há muita "eletricidade" nisso. Muita, muita "voltagem". Ou você gosta e prospera com isso, podendo escrever 100 músicas; ou se autodestrói ou simplesmente se afasta disso. Foi mais ou menos isso que eu fiz. E fiquei muito feliz por ter tomado essa decisão, sabe? Foi um momento perfeito para mim!
Oddny Eir: Sonic Symbolism é uma coprodução de Mailchimp Presents, Talkhouse e Björk. Foi feito por Björk, Oddný Eir, Ásmundur Jónsson, Anna Gyða, Ian Wheeler, Julie Douglas e Christian Koons.
Asi Jónsson: Foi produzido por Christian Koons e editado por Christian Koons e Anna Gyða. Agradecimentos especiais a Derek Birkett, Catherine Verna Bentley, Zach McNees, Ævar Kjartansson e Duna Hrólfsdóttir.
Oddny Eir: A música é cortesia da One Little Independent Records.
Tradução: Björk BR.
Fotos: Jean-Baptiste Mondino, Stephane Sednaoui.